A dificuldade em diagnosticar a psoríase em pele preta foi tema do CB.Saúde — parceria entre o Correio e a TV Brasília — de ontem. Às jornalistas Carmen Souza e Sibele Negromonte, o professor de dermatologia da UnB Ciro Martins Gomes comentou os principais sintomas da doença e como o processo de industrialização tem influenciado o aumento da incidência da psoríase.
Vou contando uma história minha: tenho pessoas próximas que têm suspeitas de psoríase e já ouvimos de médicos que psoríase não acomete a pele preta.
Isso é verdade?
Não, é um equívoco. A psoríase afeta todas as raças e todas as idades, embora, com frequências diferentes. Principalmente em populações que podem estar em algum estado de vulnerabilidade, é uma condição muito importante porque gera muita morbidade. Apesar de acometer principalmente a pele, é uma doença sistêmica e vai gerar inflamação em todo o corpo. Com o passar dos anos, o paciente pode ter artrite psoriásica: acometimento muito severo das articulações e podendo ser irreversível, com eventos cardiovasculares, a inflamação pode gerar infarto e acidente vascular cerebral, além dos temíveis eventos psicológicos. O paciente com psoríase sem tratamento adequado pode desenvolver depressão e outras doenças psiquiátricas.
Existe algum estudo que mostre incidência maior em peles pretas, pardas ou brancas?
Os estudos populacionais são geralmente feitos de forma separada. Os dados mostram que a psoríase é um pouco mais frequente em pele branca, mas acreditamos que pacientes de pele não branca — como asiática, preta ou parda — são menos estudados, o que pode justificar a menor incidência observada nesses grupos. Mesmo com essa menor quantidade de estudos, a psoríase é uma doença muito relevante e frequente em todas as tonalidades de pele.
Quando é que o corpo começa a indicar que ali é uma psoríase que está se desenvolvendo?
Olha, na linguagem científica, a psoríase é uma doença eritema do descamativo. O eritema é aquela vermelhidão e a descamação. Então, a psoríase vai ocorrer principalmente nas faces extensoras, que são cotovelo e joelho e dorso das costas, com uma vermelhidão da pele e com a descamação. Então, você tem verdadeiras escamas que saem dessas regiões e podem cair por aí, o que incomoda muito o paciente, mas que podem confundir com outras doenças, como a dermatite atópica.
Você falou aí da questão da vermelhidão, que pode ser confundida com a dermatite atópica, explica pra gente qual é essa diferença.
Enquanto a psoríase afeta áreas extensoras (como joelhos e cotovelos), a dermatite atópica acomete áreas flexoras e vem acompanhada de muita coceira, o que interfere no sono e afeta bastante a qualidade de vida, especialmente em crianças.
Você mencionou sobre gatilhos, e existe uma leitura de que a modernidade e os processos de industrialização têm efeito direto no aumento da incidência de psoríase. Como essas coisas se relacionam?
A industrialização e a vida moderna trouxeram benefícios, mas essa migração das populações para as cidades também alterou a frequência das doenças inflamatórias, incluindo a psoríase. Uma teoria para isso é a teoria da higiene, que propõe que o sistema imunológico, hoje menos exposto a infecções e verminoses, tende a se sensibilizar mais, desenvolvendo doenças inflamatórias como a psoríase, justamente por estar menos "ocupado" combatendo agentes infecciosos. Além disso, populações em áreas menos urbanizadas apresentam menor incidência de psoríase. Isso ocorre, em parte, porque elas estão menos expostas a poluentes e, frequentemente, vivem em regiões tropicais, onde a exposição solar é maior. A luz solar, quando controlada, pode ajudar a reduzir as lesões da psoríase. Embora o sol em si não seja um tratamento, há terapias baseadas em luz, como a fototerapia, que são benéficas.
* Estagiário sob a supervisão de Márcia Machado
Saiba Mais
Representatividade
Um estudo inédito Visible da Johnson & Johnson revela os desafios do diagnóstico e tratamento da psoríase em peles pretas, pardas, asiáticas e de outras etnias, destacando a falta de representatividade racial e étnica nas pesquisas clínicas. A doença, que afeta mais de 2,6 milhões de brasileiros e pode comprometer a qualidade de vida, costuma ser diagnosticada com atraso em pessoas de pele mais escura, já que a vermelhidão característica é menos evidente, dificultando a identificação das inflamações. De acordo com o estudo, a limitação de tons de pele e a falta de treinamento específico dos profissionais são barreiras adicionais para o diagnóstico e tratamento precoces.