Até 2026, a capital do país ganhará outra Casa da Mulher Brasileira — um dos principais equipamentos que temos atualmente no Brasil na rede de enfrentamento à violência de gênero — e, já em 2025, o auxílio aos órfãos de feminicídios concedido pelo DF será transformado em política nacional. É o que garante a diretora de Proteção de Direitos da Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência Contra Mulheres do Ministério das Mulheres, Pagu Rodrigues, em conversa com as jornalistas Adriana Bernardes e Sibele Negromonte, no Podcast do Correio. Ela também falou sobre como funcionará o protocolo Não é Não nos bares e casas noturnas. "Os estabelecimentos deverão ter pelo menos uma pessoa preparada e qualificada para atender mulheres em situação de violência", adiantou.
Vamos começar falando sobre o lançamento do monitoramento da Casa da Mulher Brasileira. O que é e de que forma ele vai contribuir para a melhoria do atendimento dessas mulheres em situação de violência?
Lançamos ontem um painel e a nossa perspectiva é que seja um painel para acompanhamento e controle social. Um local onde a população brasileira tenha acesso e conhecimento de quais são os investimentos que o Ministério das Mulheres e o governo federal estão fazendo para as mulheres em situação de violência. Ele vai trazer o estado da arte, vamos dizer assim, das Casas da Mulher Brasileira, um dos principais equipamentos que temos atualmente no Brasil na rede de enfrentamento à violência.
O painel terá outras funções?
Ele servirá para acolher, dar assistência e apoio jurídico para mulheres que estão em situação de violência e que a gente entende que as pessoas precisam saber e acompanhar. Traz dados de investimento orçamentário, os estados onde está em funcionamento a Casa da Mulher Brasileira, também traz o Estado da Arte das casas que estão em andamento e construção, e a listagem das casas que virão a ser implementadas e inauguradas. É uma iniciativa importante pensando na conjuntura que estamos vivendo, na epidemia de feminicídios que o Brasil está vivendo, e também fazer com que a sociedade conheça quais são essas políticas e iniciativas que tem sido adotadas.
Atualmente, temos quantas casas no Brasil?
Em funcionamento no Brasil, temos 10. Na ação de enfrentamento à violência, pensando em toda a política das Casas da Mulher Brasileira, estamos com um investimento de R$ 296 milhões. O DF tem um equipamento de atendimento a mulheres em situação de violência na região da Ceilândia. Nossa meta é entregar, até 2026, nessa nova listagem de casas que estão para ser implementadas nas grandes capitais, mais uma Casa da Mulher Brasileira aqui para o DF. O projeto está em fase de negociação, e é importante dizer para a população que não é um processo rápido. A gente faz o contrato de repasse com a Caixa Econômica e depois entra no processo de licitação. É uma média mesmo de um ano, um ano e meio para que uma casa fique completa e equipada.
Infelizmente, no ano passado, o DF bateu recorde no número de feminicídios. Como vocês analisam isso? Como é o cenário do DF em comparação ao resto do país?
Acho que o cenário do DF é tão complicado quanto a gente assiste em alguns estados do Nordeste e Norte do país. Tenho acompanhado uma série de medidas que foram tomadas pelo Governo do Distrito Federal (GDF) em parceria, inclusive, conosco, no Ministério das Mulheres, para que esses índices reduzam efetivamente. O DF foi um dos primeiros estados que instituiu o Pacto de Prevenção aos Feminicídios, uma política do governo federal, em agosto de 2023. Em março deste ano, lançamos um plano para prevenção aos feminicídios que conta com 73 ações, exclusivas do Ministério das Mulheres e de parceria com outros ministérios. Também sabemos que, para além da implementação do pacto da discussão da Casa da Mulher Brasileira, o DF vem sendo atuante em ações de prevenção que a gente chama de prevenção primária, que são aquelas de conscientização e campanhas que debatam a violência contra mulheres, e que debatam também a cadeia que leva aos feminicídios.
O DF está no caminho certo, então?
Acho que as expectativas no médio prazo é que o Distrito Federal consiga concretizar e efetivar a redução desses índices de feminicídio, assim como entendemos que todas as ações que atualmente o Ministério tem levado para frente em âmbito nacional com todos os estados, deverá impactar esses índices no próximo período.
No DF, temos uma política de auxílio aos órfãos de feminicídios. Ela poderá se tornar uma política nacional?
Sim, vamos entregar a regulamentação dessa política para que o benefício passe a ser pago para as crianças órfãs de feminicídio, independentemente se elas têm tutor legal ou se elas vão ser cuidadas por alguém da família, desde que os representantes da família que cuida dessa criança não estejam envolvidos diretamente com a morte dessas mães.
Tem o valor do auxílio definido?
Se eu não me engano, o valor é de 23% da renda total daquela família. Vai dar uma média de um salário mínimo por criança assistida. É uma renda que a gente entende suficiente, mas não a mais adequada, porque sabemos que muitas crianças que são órfãos de feminicídio vêm de uma família de origem bastante pobre, sem assistência e sem acesso a uma série de benefícios. Se a mulher que foi vítima de feminicídio tinha três filhos, os três vão receber o benefício. É um investimento necessário da perspectiva de política reparatória do Estado. A regulamentação já está em fase de publicação. Imagino que, a partir de janeiro, essa política já passe a vigorar com implementação efetiva.
Como seria o protocolo Não é Não nos bares?
É um protocolo que vai estabelecer regras de funcionamento para os estabelecimentos, que deverão ter, pelo menos, uma pessoa preparada e qualificada para atender mulheres em situação de violência. Se ela estiver sofrendo importunação sexual, for estuprada ou estiver sofrendo qualquer tipo de violência dentro daquele ambiente onde há venda de bebida alcoólica, ela deverá ser acolhida, atendida e apoiada. O agressor deverá imediatamente ser afastado do ambiente. Os bares e casas noturnas deverão incentivar também com cartazes informativos dentro do próprio espaço para que, caso as mulheres precisem acionar qualquer canal de emergência, ela possa ser atendida.
Poderia falar sobre o Ligue 180?
A nova contratação dele foi inaugurada em março deste ano, porque, nos últimos seis anos, ele ficou vinculado ao Disque 100 e sofreu um desmonte. Fizemos uma contratação que ampliou o número de atendentes e nos 21 dias de ativismo — campanha que busca denunciar e debater as diversas formas de violência contra as mulheres —, vamos pactuar com o que chamamos de ponto focal do Ligue 180 nos estados para garantir ainda mais a qualidade do serviço para que possamos chegar corretamente nos territórios mais distantes. Ele é um canal tridígito que você pode acessar pelo telefone, mas ele também tem um WhatsApp.
Como cumprir a meta de reduzir 16% dos feminicídios no país?
A meta é que, com o pacto de prevenção aos feminicídios e com as 73 ações previstas, é que a gente consiga, minimamente até 2027, impactar nesse índice de redução de 16%. Isso, num cálculo inicial de indicador. É óbvio que queremos chegar muito mais do que isso e, por isso, vamos ampliar a política das Casas da Mulher Brasileira, o Ligue 180, políticas de ação de prevenção primária, de autonomia econômica, para que a gente consiga ir mais além do que esse impacto.
Como o Ministério das Mulheres está trabalhando a questão da equiparação salarial?
Conseguimos assistir de 2023 e 2024, um aumento do índice de empregabilidade no Brasil, as mulheres voltaram a trabalhar, mas elas não voltaram a trabalhar melhor. Elas trabalham mais, mas não melhor, porque a maioria das vezes a entrada do mercado dessas mulheres, sobretudo se for mulheres negras, vai sempre significar ocupar os espaços e postos mais precarizados. Com a lei vigorando, o Ministério das Mulheres adotou uma série de medidas para fazer com que a lei realmente seja efetivada, porque a lei tem que pegar. Uma delas foi construir um relatório e levantar em todas as empresas se realmente passaram a cumprir isso. O que temos visto é que há uma resistência bem grande de vários setores empresariais, inclusive de algumas federações sindicais, que entraram concretamente com um pedido de suspensão do relatório junto ao Setor Tribunal Federal.
O Ministério também está enfrentando o desafio da violência política. Qual a abordagem para o Plano de Enfrentamento à Violência Política?
Primeiramente, ampliamos a perspectiva do que é violência política no Brasil. O Código Penal fala da violência política de gênero, que são crimes que ocorrem diretamente com a política institucional, geralmente parlamentares eleitas ou candidatas. Mas, sabemos que a violência política contra mulheres ocorre em todos os espaços onde as mulheres exercem papel de liderança e liderança social, em movimentos sociais, em centrais sindicais, em organizações comunitárias, lideranças comunitárias de base, todas que tem atuação e liderança política e, que sofrem violência política nesses espaços. Em muitos casos, inclusive, a gente tem visto, por exemplo no Norte do Brasil, que essas lideranças sofrem feminicídio político por causa desta violência política de gênero.
*Estagiário sob a supervisão de Patrick Selvatti