Por Mila Ferreira, Pablo Giovanni, Eduardo Fernandes, Maria Eduarda Lavocat e Bruna Pauxis (Especial para o Correio) — Na tarde de ontem, 52.354 estudantes realizaram a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no Distrito Federal. A abstenção no segundo dia de provas foi de 29,6% na capital do país, menor do que a do ano passado. Ao todo, 74.366 pessoas fizeram a inscrição para realizar a prova no DF. O Correio ouviu alunos e professores sobre o exame. Os participantes responderam a 45 questões de matemática e 45 de ciências da natureza: biologia, física e química.
O segundo dia de provas incluiu questões sobre vacina contra a covid-19, tirinhas, como dos cartunistas Laerte e Bill Watterson (Calvin), e daltonismo. Outros assuntos abordados foram: tipos de energia, reforma do Estádio do Maracanã para a Copa de 2014, uso de plantas para combater impactos ambientais, reciclagem de latas de alumínio no Brasil, processo evolutivo, química orgânica, eletroquímica, urbanização e aumento de doenças transmitidas pelo aedes aegypt, matemática financeira e geometria plana e espacial.
O assunto mais polêmico nas redes sociais após a prova foi uma questão de física que, segundo professor ouvido pelo Correio, deve ser anulada. A questão é a de número 124 no caderno verde, 100 no caderno cinza, 129 no caderno azul e 102 no caderno amarelo. Ela solicitava ao candidato que avaliasse a eficiência energética de uma cafeteira elétrica. De acordo com Fábio Jorge, educador do Colégio La Salle, o erro foi porque a energia fornecida pelo aparelho é menor do que a energia necessária para esquentar e ferver a água. "Foi como se estivessem falando que com R$ 1 mil daria para comprar um produto de R$ 1,7 mil. Não é possível ver você sair de uma loja com este produto", explicou o docente.
Larissa Andrade, 17 anos, realizou o Enem pela terceira vez ontem e conta que a rotina de estudos até aqui lhe preparou para esse momento. "Estudei bastante, fiz muitas questões várias vezes durante as semanas em que me preparava. Meu grande sonho é ser médica", ressalta. Ao fim da prova, ela destacou que as questões de matemática e ciências da natureza — que incluem química, física e biologia — foram mais acessíveis. "Achei a prova de hoje muito boa. As questões de matemática estavam satisfatórias, e as de natureza também estavam bem tranquilas", relatou.
Beatriz Guimarães, 17, amiga de Larissa, estava apreensiva no início, mas ao fim ela avaliou a prova do segundo dia do Enem como tranquila e apontou a gestão do tempo como o maior desafio. "Demanda tempo, pois são questões que exigem agilidade. É um ponto que dificulta um pouco", disse a moradora do Lago Sul, que almeja cursar enfermagem.
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Nunca é tarde
Fazendo o Enem pela primeira vez na vida, Maria de Fátima Alves, de 66 anos, é pensionista e busca fazer um curso na área da saúde. "Quero ser enfermeira ou médica da família, para poder ajudar as pessoas", contou animada. "Eu morava no interior, ainda fiz até o fim do ensino médio e comecei um curso de pedagogia. Dei aula para as crianças da primeira à quarta série por três anos. Nessa época, fiz também um curso de enfermagem, mas nunca exerci a profissão. Aí vim para Brasília e comecei a trabalhar na Embaixada da Alemanha, na área da alimentação, na lanchonete", lembrou.
Maria de Fátima decidiu resgatar a ideia de cursar enfermagem e há poucos meses resolveu fazer o Enem pela primeira vez. "Minha filha se formou como advogada, já está trabalhando e aí eu falei: 'Minha filha eu também quero fazer uma faculdade!' Aí eu vim", contou a pensionista.
Ela diz ter gostado muito do primeiro dia de prova, principalmente da redação, e afirmou que na segunda etapa do Enem saiu da sala com vários novos conhecimentos. "Achei muito importante uma questão, porque eu morava no interior e não sabia que existem dois tipos de cobra-coral: uma peçonhenta e uma que não é. A que é peçonhenta tem as cores mais claras. Pra mim, a cobra coral era uma só. Agora já sei distinguir uma da outra", comemorou a idosa.
Vinda de Planaltina de Goiás, Maria de Lourdes Feitosa, 56 anos, e a filha dela Erika Feitosa, 17, chegaram ao Ceub da Asa Norte às 11h20, 40 minutos antes da abertura dos portões. Maria de Lourdes aguardou, pela segunda vez, em frente aos portões da universidade, a filha terminar a prova. "É coisa de mãe, né? É muito longe de onde moramos e ela não conhece muito por aqui. Então, fico esperando", contou Maria de Lourdes, que diz ter ficado até as 19h ansiosa, aguardando a saída da filha no primeiro dia, para contar como foi o exame.
Erika tem uma irmã gêmea, Raika, que foi encaminhada para realizar o exame em Planaltina, perto de onde mora a família. "Não entendi por que o local de prova foi aqui. Fiquei me questionando sobre isso. A outra (Raika) está fazendo lá mesmo, em Planaltina", afirmou a mãe. Erika sonha em cursar farmácia e está no terceiro ano do ensino médio.
Marcelo Antônio Pereira, 55 anos, realizou o Enem, mas seu objetivo não é ser aprovado. Formado em marketing em 2001, ele seguiu carreira na área por alguns anos até decidir cursar direito. "Decidi fazer o Enem hoje para conseguir um desconto maior na faculdade", compartilhou o estudante.
Avaliação da prova
Após o fim do segundo dia de provas do Enem, o Correio ouviu professores das quatro matérias. Em matemática e química, a avaliação é de que o teste foi de mediano a difícil. Em relação física e biologia, a opinião é de que as questões tiveram grau médio de dificuldade.
Matemática
Professor Sérgio Ghiu (Colégio e Sistema de Ensino pH)
A prova apresentou um nível de dificuldade médio, sendo considerada ligeiramente mais acessível do que a edição anterior, em 2023. Esse ajuste na dificuldade se deu pela presença de questões de aritmética básica, que exigiram do candidato uma identificação e reconhecimento de valores, oferecendo assim uma entrada mais direta para alguns itens.
Destacaram-se como mais acessíveis os itens de aritmética básica e identificação de valores. Houve uma ênfase em questões que envolvem operações fundamentais e interpretação de valores numéricos, proporcionando ao aluno um respiro em meio a temas mais complexos.
Foram cobradas funções do primeiro e segundo graus, exponenciais e logaritmos. A questão de exponenciais, em particular, apresentou um gráfico que poderia gerar certa dificuldade, uma vez que não indicava claramente os valores necessários para determinar parâmetros, aumentando a complexidade dessa questão.
Em termos de conteúdo, a prova manteve uma estrutura dentro do esperado, sem questões que pudessem ser consideradas surpreendentes ou fora do padrão. Seguindo a tendência de edições anteriores, a prova abordou temas menos recorrentes, como logaritmos (envolvendo terremotos dessa vez), e reforçou tópicos fundamentais, como funções e progressões. Em síntese, foi uma prova abrangente, cobrindo temas essenciais com clareza, mas sem trazer grandes surpresas, beneficiando os estudantes bem preparados em conteúdos fundamentais e intermediários.
Biologia
Professora Wiler Pereira (Elite Rede de Ensino)
De forma geral a prova de Biologia teve uma dificuldade média, privilegiou o estudante que se deparou nos seus estudos com assuntos como citologia, fisiologia, ecologia e genéticas. A prova de hoje foi marcada por assuntos como doenças, impactos ambientais, fisiologia, citologia e genética como temas centrais da prova. O Enem pareceu bem antenado com assuntos do cotidiano. Utilizou HIV como referência para falar de uma virose semelhante ao HIV. Vacinação e COVID, um tema que vem sendo repercutido a bastante tempo, mas retorna com uma outra roupagem. Questão sobre jogos olímpicos e a fisiologia humana deixaram claro que a prova continua muito permeável aos acontecimentos recentes.
Foi cobrado ainda sobre como os impactos ambientais e crescimento urbano sem saneamento básico podem favorecer o aparecimento de doenças como Zika e Chikungunya. Foram abordados impactos ambientais e alternativas para despoluir áreas afetadas por mercúrio a partir da ação de plantas, uma questão que trabalhava tanto com botânica como com Bioacumulação. Questão sobre microplásticos, um assunto muito preocupante para a saúde humana, mostra como esses componentes estão presentes nas nossas vidas e podem causar muitos danos à nossa saúde.
Química
Professor Wellington Campos (Colégio e Sistema de Ensino pH)
A prova teve nível de mediano a difícil, como já era esperado. Houve uma boa distribuição dos itens quanto ao nível de dificuldade. Houve questões fáceis também, mas a maioria foi de mediana para difícil. Como nos anos anteriores, houve um toque de interdisciplinaridade. Houve questões que puderam ser respondidas tanto por química quanto por biologia. Alguns assuntos que são sempre cobrados apareceram novamente, como separação de misturas, química ambiental, pilhas, relações numéricas e identificação de função da química orgânica.
Senti falta de alguns temas que costumam aparecer, como isomeria, radioatividade e polímetros. São temas que costumam aparecer, mas que, desta vez, ficaram ausentes da prova. Entre as questões que eu considero incomuns, teve uma bem simples, mas que é incomum pelo inusitado. Cobraram a definição atual do que são compostos orgânicos. Isso é a aula zero de química orgânica. Outra questão incomum foi uma envolvendo grafeno, a partir da perspectiva de que o grafeno na presença de chuva pode conduzir corrente elétrica. A geração de energia a partir do grafeno é um assunto que ficou em voga nos últimos dois anos.
Física
Professor Fábio Jorge (Colégio La Salle)
Além da questão 124, que deve ser anilada, a prova de física segue um perfil interdisciplinar e contextualizado, sendo importante que o aluno entenda como aplicar conceitos da física em situações do cotidiano. Na prova de 2024, foi privilegiado o estudante que compreendeu bem os conceitos, pois diversas questões puderam ser resolvidas com base nos fundamentos. A quantidade de questões de física manteve a média de 14 por ano. Questão 99 abordou o tema de intensidade sonora. Embora os itens apresentassem valores numéricos, não foi necessário realizar cálculos, sendo suficiente analisar o gráfico e interpretar o contexto. Questão 101 tratou dos processos de transmissão de energia (calor) de maneira conceitual e simples. Questão 105 abordou energia e conservação.
O contexto era de um acidente de automóvel, onde era possível aumentar a chance de sobrevivência através da absorção de energia. Questão 109 explorou o tema de ondulatória, especificamente o efeito Doppler, tratando da variação de frequência da onda sonora devido ao movimento da fonte. Questão 110 pôde ser resolvida sem cálculos se o aluno entendesse o conceito de imagem real, sendo isso suficiente para determinar a posição da imagem apresentada. Questão 115 foi uma questão de eletrodinâmica simples, focando em circuitos elétricos. Este tema é recorrente no Enem, e o domínio dos fundamentos possibilitou que os alunos acertassem a questão. Questão 116 foi uma questão de eletrodinâmica mais complexa que a anterior. Questão 120 exigiu análise vetorial. Embora não fosse difícil, demandava tempo para ser resolvida. Questão 121 combinava análise vetorial com conceitos da 3ª Lei de Newton.