Obsessão, perseguição, monitoramento, inúmeras mensagens e até ameaças. Essas são as principais características do stalking, também conhecido como crime de perseguição. Neste ano, o Distrito Federal registrou 1.962 ocorrências desse tipo, de janeiro a setembro — uma média de sete por dia.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), houve queda de 4% nos registros, na comparação ao mesmo período de 2023, quando ocorreram 2.040 casos. De janeiro de 2021 a maio de 2024, foram computadas 145 prisões de stalkers no DF.
Apesar do declínio, é preciso atenção. Os perseguidores costumam usar diversas artimanhas para monitorar as vítimas. Rastreadores em veículos, invasão de celulares e computadores, por meio de aplicativos e softwares de espionagem, são alguns exemplos. O Correio conversou com especialistas que apontaram maneiras de detectar o crime.
O secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar destacou a importância da denúncia. "É fundamental para combater o stalking identificar comportamentos obsessivos e prejudiciais, antes que evoluam para situações mais graves. Ao informar as autoridades policiais, a vítima não só protege a si mesma, mas contribui para o fortalecimento da rede de prevenção e para a conscientização sobre o crime, que não pode ser subestimado. As forças de segurança atuam para garantir que as vítimas recebam o apoio necessário e para responsabilizar os autores, de acordo com a lei", afirmou.
Prevenção
Rodrigo Sanson, diretor técnico da AB Instituto Brasileiro de Perícias e Análises Cientificas Ltda. e perito em crimes de alta tecnologia, alertou que há criminosos que usam espionagem e até anunciam na internet sites e aplicativos que prometem fácil acesso a dispositivos de terceiros. "Embora existam ferramentas legítimas de acesso remoto para fins de suporte técnico ou gerenciamento de dispositivos, aquelas que prometem acesso não autorizado, geralmente, são programas maliciosos, que roubam informações", explicou.
Segundo o especialista, alguns softwares maliciosos podem, de fato, obter acesso a câmeras, microfones e dados de localização. "Mas isso requer que o dispositivo esteja comprometido ou que o usuário tenha, inadvertidamente, concedido permissões extensas. Esses sistemas, normalmente, funcionam instalando um aplicativo oculto que coleta e transmite dados para o atacante", detalhou.
É preciso cautela em relação a quem acessa o dispositivo, seja de maneira presencial seja remota. Para instalar softwares de espionagem mais invasivos, na maioria dos casos, é necessário ter acesso físico ao dispositivo, inserindo a senha ou acessando-o desbloqueado. Ataques mais sofisticados podem ser realizados por meio de engenharia social, fazendo a vítima clicar em links maliciosos ou instalar aplicativos aparentemente inofensivos.
"Os sistemas operacionais modernos têm mecanismos de segurança cada vez mais robustos para prevenir tais invasões. Também é importante que o usuário tenha um bom antivírus instalado em seu dispositivo", ensinou. Conforme o especialista, é possível perceber o monitoramento por meio de sinais observados nos dispositivos (confira abaixo "Sinais de que o dispositivo foi invadido").
No caso de empresas, elas detêm o direito legal de monitorar dispositivos corporativos, desde que informem aos funcionários. Eles devem evitar misturar dados pessoais e profissionais.
Veículos
Sistemas de rastreamento em veículos geralmente funcionam por meio de GPS conectados à parte elétrica do carro. Muitos modelos modernos têm esses sistemas integrados de fábrica para fins de segurança, diagnóstico e serviços de conectividade.
"Quanto à mídia do veículo, é possível que sistemas de infoentretenimento sejam comprometidos, especialmente se estiverem desatualizados ou se o atacante tiver acesso físico ao veículo. Aplicativos maliciosos podem, teoricamente, ser instalados em sistemas mais avançados, especialmente aqueles que permitem a instalação de aplicativos de terceiros", alertou.
Para se proteger, o software do sistema de infoentretenimento deve estar atualizado. O dono do veículo deve evitar dispositivos de armazenamento desconhecidos e usar cabos de carregamento.
"Se suspeitar de um rastreador não autorizado, realize uma inspeção física do veículo ou procure um profissional especializado. Rastreadores físicos não autorizados geralmente são colocados em locais como embaixo do veículo ou no compartimento do motor", elencou.
Identificação
A advogada criminalista Estela Mares Vaz Rodrigues apontou que a legislação descreve três formas em que o crime pode ser efetivado: ameaçando a integridade física ou psicológica, restringindo a capacidade de locomoção e invadindo ou perturbando a esfera da liberdade/privacidade.
Ela lembrou que, antes da Lei nº 4.132/2021, a perseguição era tratada de forma fragmentada nos crimes de ameaça e injúria e na contravenção penal de perturbação de tranquilidade. Em sua análise, o advento da tipificação específica trouxe clareza e firmeza no enfrentamento do crime, possibilitando ação mais direta. "Ao meu ver, é fundamental que o ordenamento jurídico acompanhe essas novas demandas, dando respostas eficazes às práticas que afetam a segurança e a liberdade dos indivíduos", completou.
A delegada Karen Langkammer, diretora da Divisão Integrada de Atendimento à Mulher (Diam) da Polícia Civil (PCDF), observa que não é uma tarefa fácil identificar o rastreamento, tanto de celulares e de computadores quanto de veículos. Em muitos casos, é necessário levar o objeto a uma perícia específica.
"A partir do momento em que se verifica que o perseguidor tem informações que não seria possível ter, a não ser no caso de rastreamento, é preciso ligar o sinal de alerta", informa, acrescentando que é possível registrar uma ocorrência policial e submeter os bens à perícia.
João Guilherme Medeiros Carvalho, delegado titular da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC) complementa que, no âmbito cibernético, recomenda-se que as pessoas não deixem seus perfis abertos em redes sociais. Caso haja suspeita de stalking, orienta-se o registro imediato de ocorrência, levando o máximo de informações e evidências digitais, como prints, mensagens, e-mails e números de telefone.
Trauma
A advogada Fernanda (nome fictício) foi perseguida pelo ex-namorado, um professor da rede pública do DF, por mais de seis meses, em 2023. Ele "fazia plantão" no prédio em que a vítima trabalhava, mandava mensagens de diferentes números de telefone e insistia em saber onde ela estava, por meio de familiares e colegas. Fernanda contratou seguranças para acompanhá-la. Com medo de esbarrar com o perseguidor, evitava sair de casa. Quando dirigia, era com o rastreador do carro desativado.
O stalking iniciou após ela descobrir que o professor abrigava conteúdo de abuso sexual infantil em seu computador. A priori, ele a perseguiu por querer reatar o namoro, mas, posteriormente, o pesadelo tornou-se parte de uma vingança.
"Quando fiz a denúncia, descobri que ele tinha mais de 41 números em nome dele", relatou. À época, o stalker foi preso e a vítima não teve mais notícias de seu paradeiro. Apesar disso, ainda convive com os rastros do trauma. "Estou melhor, mas continuo desconfiada. Tomo muito cuidado antes de informar meu endereço. Meus escritórios têm câmeras e portas que só abrem mediante senha, além de terem olho mágico", diz.
Sinais de que o dispositivo foi invadido
- Bateria se esgotando mais rapidamente que o normal;
- Dispositivo aquecendo sem uso aparente;
- Ruídos estranhos durante chamadas telefônicas;
- Aplicativos desconhecidos ou processos suspeitos em execução;
- Aumento inexplicável no uso de dados;
- O dispositivo demora mais para desligar ou reiniciar;
- Alterações nas configurações sem a intervenção do usuário;
- Notificações estranhas ou pop-ups suspeitos;
- O dispositivo permanece ativo mesmo quando em modo de espera;
- Atividade na tela quando o dispositivo não está em uso;
- E-mails enviados ou recebidos que você não reconhece;
- Histórico de navegação com sites que você não visitou.
O que diz o Código Penal brasileiro
O crime de perseguição, conhecido popularmente por "stalking", entrou no Código Penal por meio da Lei nº 14.132/21. A pena é de reclusão de seis meses a dois anos, além de multa, para quem "perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade".
A pena é aumentada da metade se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso; contra mulher por razões da condição de sexo feminino; mediante colaboração de duas ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
Onde denunciar
- Denúncia on-line: is.gd/obhveF
- E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br — denuncia197@pcdf.df.gov.br
- Telefone: 197, opção 0
- WhatsApp: (61) 98626-1197
Artigo
Fenômeno complexo
Por Andrezza Brito – psiquiatra forense e membro da diretoria da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr)
Stalking é um fenômeno complexo que descreve um padrão de comportamento repetitivo, intrusivo e ameaçador que leva a vítima a perceber que está sendo assediada, ameaçada e assustada. Estudos indicam que os perseguidores vêm de todas as classes sociais e faixas etárias, e cerca de 80% são homens, entre 30 e 40 anos. Outra informação relevante é que 80% dos stalkers são conhecidos de suas vítimas e a perseguição é impulsionada por diversos motivos e gatilhos, tais como: busca de intimidade, abandono, término de relacionamento, reconciliação, paixão e ciúme, agressão, vingança, controle e posse .
Um senso de direito a um relacionamento com outra pessoa, seja ele íntimo ou destrutivo, pode ser entendido como um componente vital do comportamento de stalking. O motivo do stalking e o evento desencadeador podem influenciar o método subsequente de perseguição, sua gravidade e duração. Há uma variedade de abordagens que os stalkers usam para tentar perseguir e ameaçar suas vítimas e a perseguição pode durar de algumas semanas a vários anos. As vítimas de stalking são predominantemente mulheres, e é alarmante que 50% das mulheres que são vítimas de feminicídio cometido por ex-parceiros foram alvo de stalking antes.
O perfil do stalker pode variar muito, não há um perfil único, mas alguns traços e padrões comportamentais são frequentemente observados. O stalker pode apresentar dificuldades em estabelecer relacionamentos saudáveis e pode ter um histórico de rejeições amorosas ou relacionamentos perturbados. Essas experiências levam a um comportamento obsessivo em relação a uma pessoa específica, na tentativa de preencher um vazio emocional ou de recuperar um sentido de controle. Além disso, o perfil do stalker pode incluir características como impulsividade e dificuldades em lidar com as emoções. Muitas vezes, eles não percebem a gravidade de suas ações, justificando-as como uma forma de amor ou carinho. Essa falta de percepção dos limites alheios pode resultar em escaladas de comportamento, que variam de uma simples tentativa de contato até ameaças e violência.
No entanto, não se pode concluir daí que sofram de um transtorno mental. Para o diagnóstico de uma doença mental é necessária a presença de outros sintomas psicopatológicos que vão além do comportamento de perseguição. Assim, é crucial não confundir o crime de stalking com doença mental. Existe um percentual de stalkers que apresenta transtorno psiquiátrico e no qual o comportamento de perseguição é também sintoma e expressão da sua doença mental. Contudo, há um número muito maior de stalkers que não possui doença mental grave que possa influenciar na sua responsabilização criminal ou imputabilidade penal no caso do eventual cometimento de crime. A compreensão do perfil individual do stalker e suas motivações são vitais, não apenas para a prevenção, mas também para a proteção das vítimas, ajudando a criar estratégias de intervenção que possam reduzir os riscos associados a esse comportamento.
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