Uma erosão, nesta quarta-feira (7/11), causada por deslizamentos de terra na região do Sol Nascente assustou moradores e ressaltou a importância de medidas para evitar desastres naturais no Distrito Federal. Residentes da área afetada relataram medo de que suas casas possam ser engolidas pela cratera aberta e lideranças da comunidade fizeram pedidos para que o governo ajude as famílias em zonas de perigo. A mesma apreensão atinge os moradores da Vila Cauhy, região onde, no início do ano, chuvas fortes causaram inundações e desalojaram parte da população, deixando 110 moradias em situações críticas.
Lucineide Santos da Silva, dona de casa de 38 anos, mora no Sol Nascente há 13 anos e conta que, quando comprou a casa, não havia erosões. "Era uma chácara, com muitas plantas. Tinha um rapaz que morava onde a cratera se encontra, mas a casa foi derrubada pelo DF Legal, pois estava em área irregular. Assim que derrubaram a casa e as árvores que ele plantava, como a água todinha da Ceilândia escoa por essa área, o terreno ficou mais sensível", argumentou.
A mulher afirma que a fissura apareceu há cerca de 10 anos e faz oito anos que a administração regional está monitorando a área. Ela reclama que a situação piora toda vez que chove e diz que um aterro foi feito, mas a chuva desaba tudo de novo. "Tenho muito medo quando está chovendo à noite, nós não dormimos. O nosso medo é um dia abrir a porta e cair dentro do buraco. Tenho uma menina de 6 anos que chora quando começa a chover. Depois que eles começaram a aterrar ao redor do buraco, ficou mais alto, e isso trouxe a enxurrada toda para minha casa", relata Lucineide.
A família fez uma parede na porta para a água não entrar na casa. Depois de perder seus móveis na enxurrada, a dona de casa hoje vive com doações recebidas. O DF Legal a notificou para que deixe a residência, por estar em uma área de risco. Outras três famílias receberam o alerta após a distância para a cratera chegar a cerca de 5 metros.
"A gente sabe que está na área de risco, mas, saindo daqui, não tenho para onde ir. Se for me tirar de casa, eles têm que dar uma opção, porque não adianta dar quatro meses de auxílio aluguel, sendo que os quatro meses acabam. A gente não tem condições nem para se alimentar direito, imagina para pagar um aluguel. É impossível viver nessa situação. Estamos esperando a decisão do governo, porque eu não invadi, comprei com o meu suor. Eu trabalhei por oito anos para ter um teto. O medo é esses anos de trabalho irem embora com a chuva", desabafa.
Morador do Sol Nascente há 20 anos, Edson Batista é uma liderança comunitária da região e usa seu papel para cobrar do governo que ajude as famílias que residem nas áreas afetadas. Ele reconhece que o GDF tomou medidas para combater a erosão no ano passado, mas alerta que a enxurrada enfrentada vem causando danos que afetam a qualidade do solo e trazem de volta os riscos.
"Nós precisamos que os órgãos agilizem essas obras definitivas do nosso setor e que retirem essas famílias para uma área segura, antes que aconteça alguma tragédia. Porque estamos só nas primeiras chuvas. Quando der uma chuva sequencial, que nós recebemos aqui no Sol Nascente direto, a situação pode piorar", cobra o líder comunitário.
Enchentes
Depois de enfrentar fortes tempestades no início do ano, os moradores da Vila Cauhy viram suas ruas se inundarem e a água do Córrego Riacho Fundo invadir as casas da região. Pessoas foram desabrigadas, móveis foram perdidos e estruturas da comunidade, como as pontes que conectam o local ao Núcleo Bandeirante, foram danificadas. Apesar disso, a promessa do Governo do Distrito Federal (GDF) é de que a chegada da nova temporada de chuvas não terá efeitos tão devastadores. Foram tomadas providências para evitar que a tragédia se repita e, alguns meses depois, a volta das chuvas faz com que o investimento na infraestrutura de prevenção aos desastres naturais volte a ser prioridade para os órgãos locais.
Morador de uma casa em frente ao córrego, Antônio Santos lamenta ter perdido móveis com a chegada das chuvas. "A água foi até lá em cima e entrou pelas casas, muitas pessoas perderam móveis, inclusive a gente perdeu também. O alagamento levou até a ponte, tinha uma passarela ali e a água levou. Um bocado de gente teve que sair das casas", relembra o pedreiro de 56 anos.
Ele conta que pensou em se mudar com a família. Morando com a mulher e três filhos, a possibilidade de novos prejuízos do tipo assusta, mas ele confia que as medidas tomadas pelo governo impedirão novas situações de perigo no local. A reconstrução da Ponte Liverpool, que fica em frente a sua residência, e a instalação do muro de gabiões tranquilizaram Antônio de que a região está mais segura.
"O GDF colocou essa parede de pedras (muro de gabiões) aí em volta do córrego e eles garantiram que não vai ter mais enchentes. Acho que fizeram um serviço bem feito, botaram telas em volta e falaram que não teria mais como alagar. Então, este ano, mesmo com a chuva, não acho que vamos ter muito risco", observa Antônio, esperançoso.
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Isadora Soares, 19, mora na casa em frente de Antônio com cinco parentes. Trabalhadora autônoma, ela teve que se juntar aos pais e irmãos que também trabalham para recuperar os prejuízos sofridos na casa onde vivem há 13 anos. Ela diz que os efeitos não foram tão pesados em sua moradia quanto na de outros conhecidos, como o de sua avó, o que fez com que a família conseguisse diminuir as perdas.
"Aqui na Vila tem todo ano isso (inundações). Dessa vez, eles decidiram fazer outra ponte, tomar alguma providência. Pena que só aconteceu depois que várias pessoas tiveram prejuízo. Entrou água nos becos, entrou muita água na casa da minha avó. Ela perdeu o sofá e a geladeira. A gente teve tanto prejuízo, mas, graças a Deus, eles (GDF) tomaram providências", destaca a jovem.
A queda da Ponte Liverpool, em frente à sua casa, dificultou o transporte de Isadora para o Núcleo Bandeirante. Sem carro, a família tinha que contornar o córrego a pé, aumentando consideravelmente a comuta para deixar a Vila Cauhy para trabalhar ou estudar. Com a restauração, Isadora celebra a volta à normalidade após tanto tempo, e espera que outros incidentes do tipo não ocorram. "Se Deus quiser, eu espero que não tenha mais esse risco, porque todo ano acontece isso."
Ações do GDF
Ao Correio, a Administração Regional do Sol Nascente e Pôr do Sol informou que todas as erosões são monitoradas 24 horas por uma estação meteorológica da Universidade de Brasília (UnB), que fica instalada na sede do órgão. Com essa parceria, a administração regional notifica os órgãos do GDF envolvidos, os quais também fazem esse monitoramento 24 horas por dia, tanto por meio da estação meteorológica quanto por visitas periódicas. A UnB também instalou aparelhos conectados à erosão e ligados à residência da moradora Lucineide da Silva.
Já o administrador Regional do Núcleo Bandeirante, Cláudio Márcio de Oliveira, confirmou que medidas foram tomadas para impedir novos desastres naturais na Vila Cauhy. Ele afirma que mais de R$ 2,5 milhões foram investidos na instalação de um muro de gabiões, para evitar assoreamento em três locais do córrego, e na reinstalação das pontes que foram derrubadas, com estruturas e fundações fortificadas. Apesar dos esforços, o administrador alerta que "os riscos de novas enchentes ainda existem, mesmo que tenham sido minimizados".
A Secretaria de Estado de Obras e Infraestrutura do Distrito Federal (SO-DF) diz ter avançado com uma série de intervenções que ampliam a capacidade de drenagem em várias regiões do DF, garantindo mais segurança e qualidade de vida para a população. Novas redes de drenagem foram instaladas em áreas de risco, o que representa um esforço significativo para reduzir alagamentos e minimizar os impactos das chuvas. O órgão salienta que tem observado que os impactos causados pela chuva nessas regiões têm sido menores do que em anos anteriores.
"No Sol Nascente, importantes obras de infraestrutura estão em andamento nos trechos 1 e 3. Durante o período de estiagem, a Secretaria de Obras concluiu todos os serviços planejados, incluindo redes de drenagem e pavimentação em diversos pontos, alcançando cerca de 70% de execução de todos os serviços previstos nos contratos atualmente em vigor", declarou o órgão, por meio de sua assessoria de imprensa.
Mesmo com a chegada das chuvas, a Secretaria de Obras afirma que ainda está em processo de atividades na região como instalação de meios-fios, construção de calçadas, abertura de bocas de lobo e paisagismo. A previsão é de que a conclusão das obras de infraestrutura seja apenas em 2025, quando a pasta espera que os transtornos causados pela chuva sejam aliviados de vez.
Ao longo do dia, o governador Ibaneis Rocha (MDB) lamentou o ocorrido no Sol Nascente e responsabilizou as invasões irregulares de terreno pelos deslizamentos. "A rua tinha terminado 30 casas antes e as pessoas continuam invadindo. É o grande problema que nós temos no Distrito Federal, que é a questão das invasões de terra pública que ainda ocorrem. Nós vamos ter que fazer um trabalho muito sério de combate a essas invasões, e a gente tem encontrado muitas restrições no âmbito do Poder Judiciário", comentou.
*Estagiários sob supervisão de Patrick Selvatti