A mulher que insultou seguranças do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em dezembro de 2022, em um shopping de Brasília, foi condenada a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 2.840 a cada uma das vítimas.
A decisão foi proferida no dia 30 de outubro pelo juiz Marcos Francisco Batista, da Vara Criminal e do Tribunal do Júri do Guará. De acordo com a denúncia apresentada pelo Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NED) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Elisângela Rocha Pires de Jesus estava passeando pelo shopping, no Guará, quando abordou o ministro Dino, que ocupava cargo no governo Lula à época.
No episódio, a acusada chamou Dino de “ladrão” e o parabenizou por “roubar o país”. O ministro estava acompanhado de sua equipe de segurança, que interveio e solicitou que Elisângela se acalmasse. Mesmo assim, ela persistiu com os insultos.
Ao receber voz de prisão da equipe de segurança de Dino, composta pelos policiais Thiago Brasil Arruda e Alexandre Guimarães Nascimento, a acusada prosseguiu com as ofensas, chamando os policiais de “macacos”. Ao saber que eles eram do Maranhão, fez comentários pejorativos, demonstrando desprezo. “Estou sendo presa por esses policiaizinhos, que não sei onde fica isso, que não sei onde fica o Maranhão”, declarou Elisângela, conforme registrado nos autos do processo.
Quando levada à Polícia Federal, a acusada debochou dos investigadores. Na sentença, o juiz destacou que não restam dúvidas quanto à ocorrência do crime, considerando as atitudes da ré típicas, antijurídicas e culpáveis.
“A conduta da ré demonstra preconceito e intolerância, que são incompatíveis com a convivência em sociedade e contrárias aos objetivos fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil, que busca construir uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, incisos I e IV, da Constituição Federal)”, escreveu o juiz.
Além da indenização aos dois policiais que realizavam a segurança do ministro, a condenada deverá prestar serviços comunitários, em moldes a serem definidos pela Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas.
O que diz a outra parte
O advogado que representa Elisângela, Cláudio de Jesus, afirmou que o suposto xingamento dela aos policiais, utilizando o termo "macaco" não foi objeto de julgamento. "A sentença incorre em contradição ao afirmar que 'não há dúvida, pois, quanto à prática de injúria racial, em razão da procedência nacional das vítimas', mas ao mesmo tempo reconhecer que 'as testemunhas de defesa foram claras em afirmar que a ré não tem preconceito com o nordeste, ou com pessoas nordestinas, e que nunca viram ou presenciaram manifestações preconceituosas por parte desta'".
A sentença incorre em contradição ao afirmar que "Não há dúvida, pois, quanto à prática de injúria racial, em razão da procedência nacional das vítimas", mas ao mesmo tempo reconhecer que "as testemunhas de defesa foram claras em afirmar que a ré não tem preconceito com o nordeste, ou com pessoas nordestinas, e que nunca viram ou presenciaram manifestações preconceituosas por parte desta".
Há evidente contradição entre essas duas afirmações, que não podem coexistir logicamente. Se as testemunhas atestaram de forma inequívoca que a ré não possui preconceito contra nordestinos, não é possível concluir, sem ressalvas ou fundamentação adicional, que houve injúria racial por procedência nacional.
A sentença foi omissa ao não considerar, na dosimetria da pena, o arrependimento manifestado pela ré em seu interrogatório judicial. A ré afirmou expressamente que se arrependeu de suas palavras e pediu desculpas caso as vítimas tenham se sentido ofendidas, declarando que não teve intenção de ofendê-las.
O arrependimento posterior é circunstância relevante que deve ser considerada na fixação da pena, conforme art. 65, III, "b" do Código Penal. A omissão quanto a este aspecto favorável à ré configura error in procedendo essencial para a defesa, que merece ser sanado.
A sentença incorre em contradição ao afirmar que apenas a ré estava nervosa, ignorando os depoimentos que atestaram que os ânimos de todos os envolvidos estavam exaltados.
O policial federal Flávio (nome abreviado) declarou que "as duas partes estavam nervosas e alteradas". A própria vítima THIAGO BRASIL ARRUDA admitiu que o marido da ré pedia para ela parar e ao mesmo tempo tentava acalmá-lo, indicando que ele próprio estava exaltado.
Há evidente contradição entre essas provas e a afirmação da sentença de que somente a ré estava nervosa. Esta contradição prejudica a compreensão dos fatos e merece ser esclarecida.
A sentença foi omissa ao afirmar que "O processo não traz elementos que permitam acurada análise da personalidade e a conduta social da acusada", ignorando os depoimentos das testemunhas de defesa que fizeram claras menções às boas práticas sociais da ré/embargante.
As testemunhas foram unânimes em atestar o bom caráter, a conduta social exemplar e o envolvimento da ré em atividades beneficentes e comunitárias.
Destaca-se, por exemplo, o depoimento de Ivoneide (nome abreviado), que trabalhou com a ré por 17 anos e afirmou que ela sempre tratou a todos muito bem, independentemente da origem, inclusive nordestinos. Também relatou que a ré participava de eventos sociais.
Gregório (nome abreviado) declarou que a ré participava de atividades comunitárias e era conhecida por ser conciliadora, atenciosa e preocupada com todos.
Tais elementos probatórios são relevantes para a análise da personalidade e conduta social da ré, não podendo ser simplesmente ignorados na dosimetria da pena.