A orientação sexual fez Chlisman Toniazzo enfrentar grandes desafios na vida. O chapecoense, de 33 anos, nasceu e foi criado em um lar evangélico, mas a sexualidade dele e os ideais religiosos dos familiares fizeram com que ele fosse expulso de casa com apenas 19 anos. A família entendia o fato de Toniazzo ser gay como uma condição que divergia das vontades de Deus, um pecado.
Antes que os familiares ficassem sabendo do segredo que ele guardava, entre o medo do julgamento e a busca por respostas, Toniazzo procurou um pastor de outra igreja, na esperança de achar uma cura para a homossexualidade. Ele foi aconselhado a fazer jejuns, orações e vários outros tipos de provações para que renunciasse a orientação sexual.
Após todas as tentativas, ele foi incentivado a se envolver com uma mulher, para que assim ele descobrisse que, na verdade, a forma como ele se sentia não passava de um engano. “Se você conhecer uma menina e namorar com ela, você vai experimentar o outro lado e saber que não é gay”, relembra Toniazzo sobre uma orientação dada pelo pastor.
“Eu tentei namorar com uma menina, fiz toda aquela cena de pedir aos pais dela a mão dela em namoro. Isso não durou um mês porque toda vez que eu tinha que beijá-la, eu não me sentia confortável”, relembra.
Desafios pelo preconceito
Os parentes descobriram a sexualidade do jovem por meio da exposição da igreja. O antigo pastor da instituição que eles frequentavam foi responsável por dar a notícia que conturbou a relação dele com a família. “Claro, eles não lidaram bem com isso uma vez que, para eles, essa condição sexual era um pecado”.
Toniazzo contou que lidar com a expulsão de casa foi uma situação muito difícil, principalmente por ele ser muito jovem. Os parentes tomaram essas atitudes na expectativa de conseguir reverter a “condição” dele, porém, essa realidade, além de ter trazido um abalo emocional pela ausência de um “porto seguro”, também implicava na necessidade de um amadurecimento para a vida, para que ele pudesse se organizar e se sustentar de forma digna.
Apesar de não ter sido um processo fácil, Toniazzo afirma que a experiência lhe concedeu condições de entender a vida além dele mesmo, de entender outras pessoas que também podiam ser ajudadas na busca pelo autoconhecimento. “Enxergar outras pessoas que podiam ser alcançadas e a partir de uma comunidade como é a Arena (igreja fundada por ele), poderem se assumir e saberem que são quem são”.
Após ser expulso de casa e demitido do emprego, o jovem ficou sem apoio de familiares e amigos. A solução foi foi morar com um jovem da igreja que lhe ofereceu suporte. Ele foi atrás de qualquer trabalho que o ajudasse a se sustentar e a continuar os estudos. “Não foi fácil. Poderia ter sido diferente se não fosse esse fundamentalismo religioso tão presente, se não fosse a forma como a minha família absorveu minha sexualidade”.
Foi neste momento de maior vulnerabilidade, em que ele estava afastado da religião, da família e, também enfrentava a perda do avô, que ele se viu em meio a uma depressão. A culpa o levou a atentar contra a própria vida por três vezes. “Bom, se eu vou pro inferno, eu vou logo, porque não tem solução pra mim”, conta.
A relação com Deus
A busca por ajuda psiquiátrica ocorreu após o jovem chegar ao fundo do poço. Conforme o tratamento, Toniazzo percebeu que as coisas não precisavam ser tão radicais como ele havia aprendido na igreja. Ele enxergou a reconexão com Deus como a grande oportunidade de sair do estado depressivo em que se encontrava.
“À medida em que eu fui colocando cada coisa no lugar, me equilibrando psicologicamente, a minha reconexão com Deus foi o ponto-chave para que eu pudesse superar até os preconceitos da própria religião”, afirma Toniazzo. Ele também acrescentou que saber separar o que a religião fala de Deus, da forma como ele se relaciona com Deus, foi fundamental para o desenvolvimento que o permitiu chegar aonde chegou.
Mesmo com tudo que vivenciou, Toniazzo ainda tinha uma boa relação com Deus e via como maior problema a visão tradicionalista e preconceituosa que é enraizada no meio religioso. Foi a partir disso que, em 2015, ele criou a primeira Arena Church, em Curitiba, que alguns anos depois veio para o Distrito Federal e mudou o panorama de aceitação LGBTQIAPN+ na igreja.
Hoje, um pastor da própria igreja, Toniazzo contou que a relação com a família, apesar de ter melhorado, continua fragilizada, de certa forma. “Hoje a gente tem uma relação de respeito maior, embora talvez algumas convicções deles com relação à sexualidade e a fé permaneçam como naquela época. A gente já consegue desenvolver uma relação de diálogo e de respeito muito maior do que foi no passado”, finalizou o pastor.
A igreja
A Arena Church é uma igreja que nasceu de um grupo de reuniões de pessoas LGBTQIAPN+ que não se conformaram que não poderiam assumir a verdadeira identidade e ao mesmo tempo seguir os valores cristãos. À princípio, o grupo tinha o foco em estudos bíblicos para entender as questões entre sexualidade e da religião, com uma abordagem menos fechada e limitante do que as de igrejas mais convencionais. O movimento foi ganhando força por ser um espaço que acolhia minorias sem julgamentos.
Em 2018, ele veio para Brasília e estabeleceu a Arena Church em uma pequena sala alugada em Taguatinga, que cresceu para abrigar 400 pessoas.
*Estagiária sob supervisão Ronayre Nunes