Desde que as chuvas retornaram, no início de outubro, 2 mil casos suspeitos de dengue foram registrados no Distrito Federal. Para evitar uma nova epidemia, o Governo do Distrito Federal (GDF) está reforçando campanhas públicas de combate à doença e deve contratar, em breve, 800 novos agentes de saúde. Especialistas ouvidos pelo Correio destacaram a necessidade de uma força-tarefa também por parte da sociedade no combate ao mosquito e eliminação de focos.
Especialista em dados quantitativos e estatística e professor da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Breno Adaid explica que, historicamente, este é o período em que os casos de dengue começam a crescer. "Geralmente, aumentam agora para estourar no ano seguinte. O mosquito precisa de outras pessoas contaminadas para a doença se disseminar. Na última epidemia, criou-se uma bola de neve, e os números de casos dispararam porque o controle não começou no tempo correto", analisa.
Epidemiologista e professor da UnB, Wildo Navegantes de Araújo destaca que o fato de o DF ter passado por uma epidemia de dengue neste ano não impede que o mesmo ocorra em 2025. "Tivemos a maior epidemia de dengue, não só no DF, como no Brasil e nas Américas. Mas é importante entendermos que há quatro tipos de vírus da dengue. Se a pessoa é infectada com um tipo de vírus da dengue, ela fica imunizada para este tipo, mas nada impede que ela seja infectada novamente por outro", esclarece. "Se providências não forem tomadas pelo governo e pela sociedade, pode haver, sim, uma epidemia de magnitude similar", acrescenta.
De acordo com o especialista, a proteção por um tipo de vírus não assegura proteção para outro típo de vírus da dengue. "O que se sabe é que a resposta do sistema de defesa é uma resposta incompleta e transitória para um outro tipo de vírus da dengue. De forma que sim, o paciente pode estar suscetível a uma nova infecção para outro tipo de vírus, e com isso, apresentar um quadro clínico até mais grave de que a primeira infecção", detalha.
A Secretaria de Saúde do DF (SES) vem reforçando as ações de controle vetorial com a incorporação de novas tecnologias. No momento, as equipes estão implementando Estações Disseminadoras de larvicida em locais de maior risco, bem como ações de borrifação residual intradomiciliar, que é uma estratégia de controle químico de vetores que consiste na pulverização de inseticida de efeito residual nas paredes internas dos imóveis. Estas ações vêm para reforçar as demais rotineiramente implementadas, como a realização de levantamento de índices de infestação, monitoramento de armadilhas ovitrampas — constituídas de um vaso de planta preto, no qual são adicionados água, uma palheta de madeira e substância atrativa para o mosquito —, visitas domiciliares para eliminação de focos de transmissão, orientações à população e tratamento de focos que não sejam passíveis de eliminação.
Segundo a SES, cerca de 5 mil imóveis são visitados diariamente pelos agentes de saúde. No início deste ano, o Governo do Distrito Federal (GDF) nomeou 150 agentes de vigilância ambiental (Avas) e 115 agentes comunitários de saúde (ACS´s). Atualmente, há 512 agentes de Vigilância Ambiental em Saúde (Avas) trabalhando e, hoje, o DF conta com 25 carros fumacê.
Combate
A moradora da Estrutural Fernanda Alves de Jesus, 23 anos, teve dengue em abril desde ano e conta que passou por momentos complicados. "Senti muita dor no corpo e febre, fiquei cinco dias tomando remédio para ver se baixava a dor, mas chegou um momento que tive que ir para o hospital tomar soro. Quando achei que estava melhorando, tive uma coceira terrível", lembra.
"Uma das coisas que fiz depois que recuperei, é passar repelente", disse Fernanda sobre os cuidados que tem tomado para tentar evitar pegar dengue novamente. "Os vasos na minha casa não têm mais o pratinho embaixo, e tento de todas as formas evitar o acúmulo de água em qualquer recipiente da casa", acrescenta.
Claudia Tavares, 50, também moradora do Santa Luzia, diz que teve muitos problemas e demorou para se recuperar quando teve dengue em julho deste ano. "Começou com uma diarreia, então acreditei que era apenas algo que tinha comido e fez mal. Os dias foram passando e sintomas, como dor de cabeça e febre, apareceram. Quando fui ao hospital, tive o diagnóstico de dengue. Precisei ficar um dia tomando soro", conta.
"Foi mais de um mês após terminar os sintomas que comecei a me sentir bem", conta Cláudia. Ela acrescenta que aumentou os cuidados em casa para tentar evitar a proliferação do vírus. "Doamos todos os nossos vasos de plantas para evitar a água acumulada, temos um bar aqui em casa, então temos muitas garrafas que deixamos viradas e ficamos atentos a qualquer recipiente, entulho que possa acumular água, porque precisamos pensar na gente e no próximo", diz.
O Serviço de Limpeza Urbana (SLU) iniciou, na última semana, uma série de visitas às administrações regionais do Distrito Federal com o objetivo de consolidar parcerias em ações de educação ambiental e ampliar a divulgação de informações de interesse público, como a importância do descarte correto de resíduos. A iniciativa teve início no Itapoã e no Paranoá. Durante as visitas, foram entregues panfletos informativos sobre o perigo do descarte irregular de resíduos, destacando o aumento do risco de proliferação do mosquito da dengue. Também foram compartilhadas orientações sobre a destinação correta de resíduos, especialmente aqueles que podem ser descartados nos papa-entulhos.
Novos agentes
A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) aprovou, semana passada, o Projeto de Lei nº 1.405/2024, de autoria do poder Executivo. O projeto altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), permitindo a nomeação de 400 agentes de Vigilância Ambiental em Saúde (Avas) e 400 agentes Comunitários de Saúde (ACS). Os Avas atuam diretamente na prevenção de doenças como a dengue, com ações de campo como visitas domiciliares e comunitárias.
Presidente da Comissão dos Avas e ACS´s aprovados, Willian Alencar, destacou que as nomeações são fundamentais para evitar uma nova epidemia de dengue no DF. "Além disso, a nomeação desses aprovados contribuirá para o controle de surtos de doenças e para o acompanhamento e a prevenção de doenças crônicas entre as comunidades", pontua. "Os novos profissionais terão um papel crucial na vigilância ambiental e na atenção comunitária à saúde. A atuação conjunta de ACS e Avas garantirá uma resposta mais eficaz às necessidades de saúde da população", acrescenta.
Vacina
Infectololgista do Hospital Brasília, André Bon reforça que a dengue é uma doença viral, para a qual não existe tratamento específico, por isso as medidas de prevenção são fundamentais. "É importante a utilização de repelentes, que precisam ser de substâncias ativas específicas em concentrações adequadas, como a icaridina sendo acima de 20%, e o DEET, de 20% a 50%", detalha. "Outras medidas, como a existência de tela nas janelas dentro de casa e ar-condicionado ligado em baixas temperaturas, ajudam a reduzir a quantidade ou a atividade do mosquito. E o clássico cuidado com o acúmulo de água parada é fundamental para evitar a multiplicação do mosquito e a transmissão do vírus da dengue", completa.
No Distrito Federal, a vacina contra dengue no Distrito Federal é exclusiva para todas as crianças e adolescentes de 10 anos completos a 14 anos de idade (14 anos, 11 meses e 29 dias). São duas doses, com intervalo de 90 dias entre elas. O imunizante está disponível nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
Saiba Mais
Três perguntas para o epidemiologista e professor da UnB, Wildo Navegantes de Araújo
Qual deve ser o papel do governo no combate à dengue?
Cabe ao governo organizar o sistema de saúde para atender as pessoas. Não adianta esperar janeiro para colocar tendas, chamar o Exército, etc. Tudo precisa estar planejado desde já. O GDF precisa se organizar com um plano de emergência antes que a doença se estabeleça e isso passa também pela capacitação profissional de todos os agentes envolvidos no combate e no tratamento. Vale lembrar que o Aedes aegypti não transmite só dengue, transmite também zika, chicungunha, entre outras doenças.
Como a sociedade pode atuar neste combate?
Temos três fatores a considerar: o ser humano, o vírus e as condições ambientais. Do ponto de vista das medidas de controle, se a sociedade não fizer sua parte, pode acontecer outra epidemia. É preciso evitar resíduos em pneus, água parada em tampas, garradas pets, etc.
Qual a importância da contratação de novos agentes de saúde para o controle da dengue?
Imprescindível. Os agentes precisam ser contratados na quantidade necessária para a ocupação do território. Recomenda-se fazer um processo de territorialização, que é a identificação de grupos, famílias e indivíduos de um território, bem como os fatores que determinam a sua saúde. É uma ferramenta metodológica que permite reconhecer as condições de vida e de saúde da população. É importante priorizar áreas mais vulneráveis, com baixo saneamento básico, sem coleta regular de lixo.
Casos de dengue até a última semana de outubro no DF
2024 - 281.947
2023 - 29.288
2022 - 68.413
2021 - 15.400
2020 - 45.643
2019 - 44.500
*Fonte: Secretaria de Saúde/DF