CERRADO

Cristalina (GO) abriga espécies raras de plantas ameaçadas de extinção

No município goiano foram catalogadas três espécies endêmicas, ou seja, que somente são encontradas em Cristalina. No entanto, as últimas queimadas eliminaram uma delas, a Jacaranda intricata

Cristalina fica a 130 quilômetros de Brasília. Além de ser um polo do agronegócio, o município goiano se destaca por abrigar várias espécies de plantas do Cerrado. No entanto, o avanço das queimadas, do desmatamento e da expansão urbana colocam em risco a diversidade da flora. 

O Correio visitou um campo preservado da fazenda Recanto dos Cristais, onde o biólogo e pesquisador Marcelo Simon, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mostrou espécies que estão ameaçadas de extinção. Dessas, três são endêmicas, ou seja, só são encontradas em Cristalina. O solo arenoso e rochoso combinado com a altitude elevada fazem com que as plantas sejam adaptadas especificamente ao município goiano.

Entre as espécies alvo de pesquisa está a Jacaranda intricata, pertencente à família dos ipês. As queimadas que atingiram Cristalina neste ano fizeram com que essa planta desaparecesse antes mesmo de os pesquisadores coletarem sementes para estudá-las e conservá-las. No entanto, tendo em vista a resiliência do Cerrado, há a expectativa de que a jacaranda volte a brotar.

Para que essa planta reapareça, é necessário o fim das queimadas nos arredores de Cristalina. Marcelo Simon pontua que, embora o Cerrado seja adaptado ao fogo, o alastramento das queimadas é uma ameaça. "O inimigo não é o fogo em si, mas a alta frequência dele", diz.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), o Cerrado é o segundo bioma mais atingido por incêndios em 2024, com 31,6% de devastação — ficando atrás apenas da Amazônia, que registrou 49,5% dos focos de fogo. 

Além da jacaranda, outras espécies nativas endêmicas de Cristalina são a Eriope cristalinae, da família da hortelã, do alecrim, do orégano, da lavanda e da sálvia, e a Pombalia cristalina, que é da linhagem das violetas.

Coleta de sementes

Uma das medidas adotadas pelos pesquisadores da Embrapa no trabalho com espécies ameaçadas de extinção é a coleta de sementes. Depois, esses elementos fundamentais para a reprodução das plantas são armazenados em uma câmara fria para a conservação ou germinados e cultivados in vitro de acordo com a resistência da semente ao congelamento.

O armazenamento das sementes forma um gigantesco banco genético, sendo a Embrapa detentora da maior coleção da América Latina. Atualmente, existem cerca de 119 mil exemplares vegetais de 1.117 espécies, 28 mil animais e sete mil linhagens de microrganismos.

Quando as plantas são raras ou aparentam serem inéditas, os pesquisadores coletam amostras de flores, folhas ou frutos, que passarão por um processo de prensagem, e serão encaminhadas para secagem em estufa e depois para um herbário. Os herbários são coleções de plantas secas, chamadas de exsicatas. Após ser desidratado, o vegetal é fixado em uma cartolina, acompanhado de um rótulo com informações sobre quem coletou, além de quando e onde foi encontrado.

A descoberta de uma nova espécie gera muita alegria entre os pesquisadores. Para constatar que a planta coletada é única, os biólogos fazem a comparação com outros vegetais parecidos e também realizam uma análise genética. "Nem sempre, no campo, nós reconhecemos a espécie como nova, mas, quem estuda aquele grupo específico e se depara com uma planta muito diferente, na hora, fala: 'ah, isso aqui é espécie nova, que legal'. Tem a perspectiva de estudá-la, de dar um nome e divulgá-la para o mundo. No Brasil, em torno de 250 a 300 espécies são descritas todo ano. Estamos descobrindo uma grande diversidade", conta Marcelo.

Conservação

O pesquisador da Embrapa alerta sobre a urgência de preservar a vegetação do Cerrado que ainda permanece intacta, pois a recuperação de áreas devastadas deve ser feita com plantas nativas, e as espécies cerratenses levam mais tempo para crescer e dependem das condições de solo e clima. Nesse sentido, uma das ações essenciais para a conservação do bioma é a conscientização da população acerca da biodiversidade.

"Se pedimos para uma pessoa pensar em uma área natural de grande biodiversidade vão pensar na floresta, e as savanas ficam em segundo plano. Porém, no Cerrado, onde predominam campos e savanas, temos uma quantidade de espécies muito grande. No Brasil, há mais de 12 mil espécies cerratenses, e é quase empatado com a Amazônia. Geralmente, as pessoas não sabem que há espécies raras e endêmicas por aqui. O Cerrado é uma das áreas de alto valor de conservação, e quem quiser pensar em conservação não pode excluir o Cerrado", avalia Marcelo.

Só em Cristalina, mais de 68% da cobertura de vegetação natural foi perdida. No município goiano, a área dedicada a parques ou reservas ambientais públicas é limitada. Por isso, algumas propriedades privadas são aliadas na preservação da vegetação do Cerrado, como é o caso da fazenda Recanto dos Cristais. O espaço tem, ao todo, cerca de 800 hectares. Uma pequena parte dessa extensão é reservada para pastagem e o restante abriga a biodiversidade do bioma.

O caseiro da fazenda, que preferiu manter o anonimato, disse ao Correio que ele e os proprietários evitam ao máximo retirar as árvores do local e que se recusam a ceder a área para atividades que possam contribuir para a destruição ambiental. Logo na entrada, há placas avisando que o espaço é preservado e que é proibida a depredação ou a retirada de pedras.

O projeto da Embrapa faz parte do Plano de Ação Territorial Veredas Goyaz-Geraes, que é um instrumento para a conservação das espécies ameaçadas. Ele abrange 33 municípios, sendo 18 em Goiás e 15 em Minas Gerais. A iniciativa é coordenada pelos órgãos estaduais de meio ambiente dos dois estados e envolve diferentes instituições governamentais, de pesquisa e ONGs. Pesquisadores da equipe da Embrapa Cenargen têm colaborado, considerando a experiência em coleta e conservação de espécies da flora do Cerrado.

Além disso, o projeto é apoiado pela iniciativa Pró-Espécies: Todos contra a extinção, financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e implementado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), sendo a WWF-Brasil a agência executora.

 

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