Karolyne Guimarães, líder da chapa A OAB que eu preciso, que disputa a presidência da OAB-DF, foi a convidada do CB.Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília — de ontem. Aos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre de Souza, ela falou sobre a violação de prerrogativas dos advogados e advogadas e sobre a necessidade de tirar o poder das mãos das “panelinhas” da OAB-DF, ou seja, dos grupos que, segundo ela, estão se alternando no poder há mais de 20 anos.
Qual é a sua plataforma em defesa dos advogados e das advogadas?
Nosso pilar é baseado em um tripé prioritário: defesa das prerrogativas, dos honorários advocatícios e da liberdade de expressão. Chegamos a esse ponto após uma escuta qualificada da advocacia, onde trabalhamos com uma metodologia que nos indicou que essas são as necessidades sentidas, principalmente em relação a duas questões: a necessidade de respeito no trabalho e a falta de oportunidades, ou seja, de colocar dinheiro no bolso. Essa é a base do nosso princípio. O diferencial da nossa chapa é que nunca estivemos em seccionais, nunca tivemos o poder nas mãos. Somos a advocacia que sente a real necessidade do dia a dia, que compreende a dor da advocacia. O que mais falta hoje, na vida e na política, é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de sentir a dor do próximo. Eu sou formada por programas sociais e sei o que é ser excluída e depois ser incluída. Hoje estou aqui porque fui incluída por intermédio de projetos e programas, e é isso que quero fazer. Essa é a proposta da nossa chapa: incluir 100% da advocacia na Ordem.
As prerrogativas são sempre tema principal dos candidatos à presidência da OAB, que prerrogativas estão sendo descumpridas?
Segundo pesquisa do Conselho Federal da OAB, a questão central é sobre os honorários, que não são respeitados. Muitas vezes, eles são arbitrados de forma que não condiz com o que a lei determina. Às vezes, nem somos recebidos; somos ameaçados e xingados, e não temos acesso aos tribunais. Isso é algo tão básico. A nossa chapa não quer inventar a roda, não deseja mudar tudo de forma radical; queremos apenas que o que já existe na lei seja cumprido, pois isso não está sendo respeitado. É o mínimo necessário. Todo trabalhador com carteira assinada já possui o direito a respeito em seu trabalho e a um salário digno. Nós, advogados, estamos lutando por esse respeito no nosso trabalho. Ao ir ao trabalho, queremos ser respeitados na nossa profissão, que é o básico. A nossa plataforma de propostas é baseada nisso, no resgate do que deveria ser cumprido.
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A senhora mencionou um exemplo que ocorre no sistema prisional. Como isso está acontecendo, inclusive, com a sua experiência própria?
As violações às prerrogativas no sistema prisional não têm precedentes na história de Brasília. Sou uma advogada criminalista e já realizei inspeções em todos os presídios daqui. Minha pesquisa de mestrado é sobre o sistema carcerário, e o que acontece ali é inadmissível. Além de ser uma afronta aos direitos humanos dos presos, é uma violação à Constituição Federal e às nossas prerrogativas como advogados, que devem ter acesso aos presos, mas não temos. Por exemplo, se um cliente meu é agredido no presídio, só poderei vê-lo em 15 dias, o que impossibilita uma defesa eficaz. Atuo em grandes operações, com processos que chegam a ter 30 mil ou 50 mil páginas. Como posso entrar no presídio com todo esse material se só tenho 40 minutos para conversar com o meu cliente? Preciso de uma semana inteira para me preparar e preparar o cliente para a audiência.
E a OAB não está observando isso?
A OAB assinou essa norma, o que é ainda pior do que a omissão. A omissão ocorre quando você não vê ou não enxerga. A OAB concordou com normas que violam nossas prerrogativas. Isso é pior, é ser complacente e conivente com normas que nos prejudicam. Essa norma exige que o advogado agende a visita, o que pode demorar a ocorrer. Por exemplo, temos três parlatórios em cada bloco do sistema prisional, mas apenas um está funcionando. Portanto, só existe uma grade horária para esse parlatório, o que já é um problema.
Além disso, se não encontro horário naquele dia, não posso falar com o cliente. Antes, eu poderia ir ao sistema prisional e, numa brecha de horário de um advogado que não compareceu, ou esperar até o fim do dia, conseguir acesso ao meu cliente. Isso não acontece mais; agora, o atendimento avulso é feito apenas por videoconferência, o que não supre as necessidades da advocacia. Eu quero falar com o cliente pessoalmente. No ano passado, fui ao sistema prisional e ainda havia uma quarentena, mesmo quando essa restrição já havia sido encerrada em todo o Brasil.
Estive no presídio para pedir uma procuração e, como quem estava na quarentena só poderia receber por e-mail, fui chamada de malandra e disseram que eu teria que falar com o diretor do presídio, porque não poderia mais atender lá. Eu expliquei que queria a procuração pessoalmente, pois estava lá naquele momento. É algo muito sério. Sinto-me revoltada, porque esses grupos que se revezam no poder fingem que estão fazendo algo. Um advogado mencionou que parece que a advocacia recebe como um mendigo, de forma fracionada, o que deveria ser um direito. O que eles oferecem é apenas 1% da advocacia, como se fosse uma migalha.Na gestão, você não pode atingir apenas 1% da classe que representa. O mínimo deveria ser 50% da advocacia a ser convocada e atendida. Infelizmente, numericamente, só 1% é impactado.
Muitas vezes as eleições não entusiasmam os advogados. Vemos que metade, um pouco mais da metade, dos advogados inscritos vão votar. A senhora acha que eles não têm consciência da importância que a OAB pode ter na vida deles?
Eles têm, sim, essa consciência de que a OAB pode fazer mais. No entanto, como esses grupos que fazem campanhas milionárias estão enraizados, é difícil furar a bolha do poder. Quando digo que estou aqui nessa guerra, nesse front, assim como Davi para matar Golias, é exatamente isso: é uma guerra desleal, injusta, porque eles dominaram nossa instituição para se beneficiar e fazer projetos individuais. Hoje, temos aproximadamente 20% da advocacia inadimplente. Essa inadimplência é deliberada, pois a Ordem não traz elementos que incentivem esses advogados a regularizar sua situação, o que os impede de influenciar neste pleito. Convoco você, advogado e advogada do Distrito Federal que está inadimplente, a lutar pela chapa 99. Você pode, sim, fazer a diferença. Você não pode votar, mas pode trazer pelo menos 10 advogados que venham votar na nossa chapa 99 para que possamos fazer a diferença.
O discurso da senhora chama a atenção para sua postura hoje, bem menos agressiva do que na semana passada no debate promovido pelo Correio e pela TV Brasília. Por que essa mudança de postura? É notório. A senhora deixou muito claro que existem divisões na OAB. Quando fala sobre isso, acredita que seu discurso e seu posicionamento vão conseguir unir a categoria ou, ao contrário, trazer mais divisão?
Em primeiro lugar, aquela minha postura no debate refletia a indignação diária da advocacia ao ver essas panelinhas enganando a nossa classe, falando de inovação, renovação e que a OAB é para todos, mas estão há 20 anos fazendo rotatividade no poder e nada muda. Isso é um tapa na nossa cara. Para eles, é um tapete vermelho. Eles não são atendidos no balcão, como nós, que temos que enfrentar portas fechadas diariamente. Eles vêm aqui fazendo um faz-de-conta. Por exemplo, a candidata Cris Damasceno afirmou no debate que está acima de mim nas pesquisas, mas antes de ontem, postou nos stories dizendo que não tem pesquisa. Isso é não apenas fake news, mas também um crime eleitoral, passível de punição.
Nós não estamos brincando. Antes do debate, declarei que a verdade deve prevalecer e, sinceramente, fico com sangue no olho ao ver como somos tratados nos fóruns, nas delegacias, nos presídios e nas audiências.
Os grandes escritórios de advocacia, de filhos de ministros ou advogados conhecidos, também enfrentam dificuldades em conseguir atendimento nos presídios ou audiências com ministros e tribunais?
A realidade é que o tratamento é privilegiado para um grupinho, uma panelinha. Mesmo os advogados que estão nessas chapas ainda não perceberam que existe um núcleo duro que determina quem vai fazer o quê e quem deve lutar por qual causa. Eles, de fato, ainda não compreenderam essa dinâmica. Não é uma máscara ou uma encenação, isso é real. Sinto a dor da advocacia na pele e me revolto com isso. Não estou de brincadeira. Quando deixei meus filhos em casa, minha família e meu escritório para lutar por essa causa, é algo muito sério e real. Essa postura tem tido uma aderência muito grande da advocacia nesse período. O debate foi muito bom e, com certeza, será produtivo também este programa aqui do CB. Poder, pois queremos deixar mais claro para a advocacia quem somos nós, os 99% que estamos representando, em contraste com aqueles que se beneficiam do sistema.
A questão das prerrogativas é uma das prioridades, assim como os honorários. O que está afetando os honorários? Os advogados não estão recebendo? Qual é o problema?
Sou uma militante pelos direitos da advocacia dentro do Congresso Nacional. Desde que enfrentei dificuldades na advocacia, percebi a importância dessa luta. No fim do ano passado, protocolamos um projeto de lei junto ao deputado federal Kleber Verde, que é advogado aqui em Brasília, para que os honorários no sistema de Justiça tenham prioridade na tramitação.
Hoje, o que acontece? Precisamos ficar mendigando na vara, pedindo: "Por favor, aguardo meu alvará, pois estou doente, meus filhos estão doentes, preciso pagar o aluguel e viajar". É uma situação em que realmente mendigamos por justiça. E o que ouvimos do outro lado, na videoconferência ou no balcão? “Se der, doutor, se der, porque temos outras coisas para fazer.” A Justiça precisa entender que esse sistema só funciona por causa de nós, advogados e advogadas. É o mínimo que podemos exigir: que nossos alimentos sejam expedidos como prioridade. Além disso, a OAB deve se posicionar como instituição sobre os honorários que a Justiça não tem fixado. Recentemente, na Justiça de Goiás, em uma causa de R$ 56 milhões, o tribunal fixou apenas 0,01% do valor, alegando que o advogado não merece os honorários mínimos estipulados no Código de Processo Civil, que seriam 10% sobre esse valor milionário. O direito do advogado não foi respeitado. Portanto, é algo que a OAB precisa tratar. Essas decisões estão públicas no Diário de Justiça Eletrônico, e pretendemos fiscalizar os tribunais de ofício, utilizando inteligência artificial, para que a OAB atue proativamente. É muito complicado para nós, advogados e advogadas, enfrentarmos um magistrado, um juiz, um desembargador ou um ministro, porque temos outras causas e audiências. No entanto, se necessário, nos impomos e defendemos nossas prerrogativas. Contudo, existem outras circunstâncias a serem consideradas. A Ordem precisa se posicionar.
Gostaria de saber quais são suas propostas, tanto em relação às prerrogativas quanto a outras urgências para a senhora.
Eu sou uma advogada, militante e mãe. Tive minhas duas crianças enquanto advogava, e isso é uma realidade muito séria. Precisamos de um apoio maior. A Lei Júlia Matos, da ministra Daniela Teixeira, da qual sou co-autora, aborda a questão da paternidade, e a maternidade precisa de ajustes. Precisamos de uma licença-maternidade mais longa e, além disso, de um auxílio maior na Caixa de Assistência dos Advogados. Atualmente, esse auxílio se resume a uma anuidade recebida quando temos filhos. Costumo dizer que, ao parir, temos direito a uma anuidade, mas precisamos de outros elementos que a Ordem pode e deve oferecer. Uma pesquisa da OAB Nacional indica que três grupos enfrentam muitas dificuldades financeiras: mulheres negras, advogados e advogadas com deficiência (PCD) e as minorias, incluindo a população LGBT. Portanto, é essencial que criemos medidas para aumentar o apoio na Caixa de Assistência dos Advogados, como seguro-saúde e planos de saúde, além de oferecer cursos e pós-graduações na ESA. Acredito que advogados e advogadas não precisam de programas como o Bolsa Família. O que realmente precisamos é de oportunidades para nos qualificar e colocar nosso dinheiro no bolso.
Em relação à anuidade, alguns candidatos estão propondo a redução desse valor. Você acha que isso é viável? O orçamento da OAB comporta uma redução?
Ao analisar a gestão atual sob a perspectiva das anuidades em todo o Brasil, a administração se gaba de ter a menor anuidade do país. No entanto, na prática, ela é a maior anuidade do Brasil em relação ao que realmente oferece. Proporcionalmente, como a OAB não oferece muitos benefícios — na verdade, apenas 1% —, a anuidade é considerada cara. Os advogados não recebem retorno efetivo por isso. A maioria da advocacia, que representa os 99% dos excluídos, realmente precisa que a anuidade seja revista. Isso não se refere apenas ao seu valor, mas também aos benefícios que devem ser oferecidos. Recentemente, um advogado me disse que não se importaria com o valor da anuidade se sentisse que era bem representado e que isso retornasse para ele de alguma forma. Isso é muito sério e simples: gestão. A gestão deve implementar medidas diárias para que advogados sintam que sua anuidade vale a pena. Precisamos de um sistema que permita, por exemplo, que advogados preservem suas prerrogativas, como um botão inteligente que grave e filme as interações. A OAB precisa estar presente no dia a dia da advocacia. Um exemplo é o prefeito mais bem avaliado do Brasil, ACM Neto, que se destacou em Salvador ao implementar ações que aproximavam o Estado do cidadão. Da mesma forma, como presidente da OAB, faremos atos no cotidiano da advocacia para que os profissionais sintam a OAB mais próxima, atuando como um agente das prerrogativas. Pretendemos criar cursos para advogados que desejam trabalhar com prerrogativas, oferecendo um crachá que os identifique como agentes de prerrogativas. Além disso, lutaremos junto ao Tribunal de Justiça para implementar um botão inteligente nas audiências virtuais, que permitirá a ativação imediata de um advogado especializado em prerrogativas caso surjam problemas. Essas são as situações em que precisamos nos adequar à tecnologia e à inteligência artificial para melhorar nossas atividades. É isso que realmente precisamos.
Confira a íntegra da entrevista
*Estagiário sob a supervisão de Eduardo Pinho