A emoção da despedida e a gratidão marcaram o velório de Vladimir Carvalho, um dos cineastas mais prestigiados do país. A cerimônia, realizada no Cine Brasília, nessa sexta-feira (25/10), teve a presença de cerca de 300 pessoas, entre autoridades, familiares e amigos, que descreveram ao Correio a importância do cineasta e documentarista para suas vidas, para o cinema e para Brasília. O sepultamento ocorreu no Campo da Esperança, sob aplausos e brados de “Viva Vladimir”, por parte daqueles que o admiravam.
Márcia Abrahão, reitora da Universidade de Brasília (UnB), esteve na cerimônia e falou sobre a importância do cineasta para a instituição. "Para a UnB, é uma tristeza enorme. Para mim, como ex-aluna, também. O Vladimir foi uma das pessoas que resistiram à ditadura. Ele é professor emérito da UnB. É um nome da Faculdade de Comunicação, um dos criadores do nosso curso de audiovisual", disse a reitora.
Márcia destacou que o legado deixado será eternizado e deve ser seguido pelos que ficam. "A nossa história é uma história que se confunde, em muitos aspectos, com a própria história do Vladimir", declarou.
Admiração
A cineasta Dácia Ibiapina, professora aposentada da UnB, dirigiu, em 2004, um documentário sobre o cineasta e, mais tarde, trabalhou ao lado dele. "O documentário foi exibido em uma sessão especial no Cine Brasília, durante um festival de Brasília. Ele estreou nas TVs públicas, como TV Cultura e TV Brasil", relembrou.
Amigo, o cineasta e crítico de cinema Sérgio Moriconi tinha uma relação de muita admiração com Vladimir Carvalho e o considerava seu mestre. "Conheci ele na universidade, pois o Vladimir me deu aula, fui um de seus monitores, sempre que precisava. Desenvolvemos nossa amizade e nos tornamos família. Era um irmão para mim. Uma parte minha está indo junto", afirmou ao Correio.
Moriconi considera que Vladimir estabeleceu as bases para o campo cinematográfico em Brasília. "Escrevi um artigo colocando que, para mim, existe o cinema antes, com o Vladimir, e, agora, depois, é algo muito incerto. Ele era brilhante e sempre lutou pela produção local", relatou.
Além de ser ex-aluno do cineasta, Moriconi recorda como foi conhecê-lo nos bastidores. "Nós saíamos bastante. Ele não tinha carro, então, eu o carregava para cima e para baixo. Algumas vezes, íamos comer uma pizza e não conversávamos nada de cinema, apenas uma prosa de boteco."
Acervo
Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass prestou homenagem a Vladimir Carvalho. Grass ressaltou que o cineasta é uma grande referência cultural e que, em breve, o acervo do Cinememória — reunido pelo cineasta — será tratado e popularizado.
Ao Correio, Grass relatou que, nos últimos meses, sua relação com Vladimir se estreitou por conta do vasto acervo do Cinememória. "Nós estamos na fase de verificação de possíveis espaços que receberão esse material. Ele estava muito feliz e, agora, vamos homenageá-lo entregando essa obra para a população, que era o desejo dele", garantiu.
O presidente do Iphan falousobre a importância de perpetuar o legado de Vladimir. "Ele, como vanguardista, conseguiu um feito inédito, no sentido de mostrar uma outra Brasília. Temos um certo glamour dessa cidade monumental, mas não podemos esquecer quem a ergueu e o Vladimir mostrou isso", enfatizou.O acervo de 52 anos é uma relevante contribuição para o audiovisual e para a cultura, opinou Joelma Gonzaga, secretária de audiovisual do Ministério da Cultura (Minc). "Esses dias, o Vladimir falou que, olhando para aquele acervo, deu-se conta de que havia três senhorinhas que sempre o acompanhavam — a cultura, a democracia e a história. E relatou que estava orgulhoso de ter contribuído para elas", revelou Joelma.
"Enquanto gestora do Estado, o que posso dizer, e o que eu preciso dizer, como cidadã e amante de cinema e cultura, é que a gente precisa preservar esse acervo, o legado e a memória de Vladimir", completou.
Justiça social
Cláudio Abrantes, secretário de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec) discursou durante a cerimônia. "Brasília amanheceu triste. Por mais que a gente tenha tido um bom tempo com o Vladimir, a gente sempre ia querer mais", declarou.
O secretário do GDF enfatizou que Vladimir dignificou o audiovisual. "Há uma obra que precisa ser preservada e repassada às gerações futuras", comentou, sobre o acervo do cineasta. Ele assegurou que a pasta vai trabalhar para que o acervo do documentarista seja estabelecido em Brasília e adiantou que há estudos internos para outras homenagens.
Fosse na vida, "pela coerência na luta pela justiça social, pela democracia e pela autonomia de Brasília", Vladimir foi descrito por Cristovam Buarque, ex-reitor da UnB e ex-governador do DF, como exemplo de um cidadão brasileiro que amou Brasília sem nunca esquecer o laço fundamental com o Nordeste. "Nós tivemos uma ligação forte na UnB, por conta de sermos professores, e de ele ter sempre estado comigo nos momentos de reitoria, e nos tempos de luta. Mas ainda convivi com ele na Academia Brasiliense de Letras. Eram conversas maravilhosas, e ele com a simpatia extraordinária", contou.
"Nos símbolos de Brasília, Vladimir está no nível de Oscar Niemeyer, de Lucio Costa e de Juscelino Kubitschek. Vladimir é Brasília!", exaltou Cristovam.
A deputada federal Erika Kokay (PT-DF) também prestou condolências. "Vladimir tinha tanta energia, sonhos e disposição para a vida, que acreditávamos que ele driblaria a finitude do corpo", disse. "Ele marcou as nossas vidas pela coerência, pelo seu compromisso com a democracia e com um país mais justo. Ele tinha coragem, tinha rebeldia", destacou.
A parlamentar o classificou como um candango inventado. "Em todos os momentos nos quais Brasília e o Brasil movimentaram-se na perspectiva de conquista da democracia e justiça social, a gente pôde contar com Vladimir", apontou.