Um produto impermeabilizante provocou o incêndio que levou à morte três pessoas de uma família, há quase dois meses, em um apartamento em Valparaíso (GO). A informação, que o Correio antecipou, foi confirmada, ontem, pela Polícia Civil do Estado de Goiás (PCGO) durante uma coletiva à imprensa.
A substância teria sido manipulada por Renan Lima Vieira, contratado para aplicá-la em um sofá que pertencia às vítimas. O aplicador vai responder, em liberdade, a um processo judicial que será aberto. Contra ele pesam as acusações de cometer crimes de incêndio culposo, que resultou em mortos, e de lesões corporais graves. Contudo, a perícia verificou que o rapaz resgatou uma quarta moradora da residência.
No encontro organizado para apresentar as conclusões da investigações sobre o ocorrido, a PCGO apontou que, para fugir das labaredas, o casal se aproximou — com seu bebé de 19 dias — da janela de um cômodo em sua residência no sétimo andar. Eles acabaram caindo e morrendo devido ao impacto com o chão. As vítimas eram Graciane Rosa de Oliveira, 35 anos, o marido dela, Luiz Evaldo de Lima, 28, e o pequeno Léo.
O fogaréu se deu na manhã de 27 de agosto, no condomínio Parque das Árvores. Imagens de câmeras de segurança do residencial colhidas pelos policiais ajudaram a perícia a compreender o que ocorreu. No dia da aplicação da substância no móvel, Vieira chegou ao prédio às 9h34 com um galão vazio. Outra filmagem mostra o momento exato em que chamas aparecem na parte inferior da porta de entrada do apartamento. Isso se deu às 10h20, menos de uma hora após a chegada do prestador de serviços. Instantes depois, a gravação o mostra saindo apressado do corredor.
Apesar de supostamente, segundo as investigações. ser quem causou a tragédia, a polícia apontou que Vieira salvou a vida da mãe de Graciane, Maria das Graças Oliveira, 78. Isso porque ele retornou ao apartamento que queimava e a tirou de lá rapidamente. "Ela (Maria das Graças) permanece internada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Teve uma recaída, mas está se recuperando bem. Saiu da entubação", afirmou o advogado que representa a família das vítimas, Paulo Henrique Gomes.
Checagem
O primeiro passo da polícia para desvendar o caso foi verificar se, de fato, o impermeabilizante teria sido o causador do incêndio. "Soubemos que o produto tinha sido comprado pela Graciane e pedimos a quebra do sigilo bancário. Constatamos que a aquisição foi feita em um site dias antes da aplicação", explicou o delegado à frente da investigação, Bruno Van Kuyk.
O produto de cinco litros custou R$ 380. Em seu rótulo são algumas orientações quanto ao uso, mas não há nenhum alerta que indique ser inflamável e sobre riscos quanto a chamas. Constam garantia de secagem rápida e de não provocar alterações na cor e textura das superfícies onde for utilizado, entre outras informações das quais se destaca: "Pronto para uso. Agite antes!".
O perito criminal Fernando Lerbach, da Polícia Técnico Científica de Goiás, disse a jornalistas, ontem, que foram feitos testes, com o apoio do Corpo de Bombeiros, para analisar como o fogo se iniciou. "Voltamos ao apartamento por três vezes, fizemos escavação nos escombros e buscamos vestígios. Na análise de todos os cômodos, ficou claro que a ignição se iniciou entre a cozinha e sala", detalhou.
No momento da aplicação do produto, duas bocas do fogão estavam sendo utilizadas para o preparo do almoço. "O composto do impermeabilizante é borrifado e as moléculas ficam em suspensão no ar. Por serem mais densas que o ar, elas se acumulam e, ao entrar em contato com uma chama, ocorre a explosão", explicou Lerbach.
Graciane, o marido e o bebê estavam em um dos quartos do apartamento quando as chamas começaram, enquanto a mãe dela e Renan, na cozinha. Houve uma explosão e o fogo se alastrou pelo imóvel criando uma barreira que impossibilitou as vítimas de fugirem do local.
A perícia concluiu que o casal com o bebê não se jogaram da varanda, mas, sim, caíram. "Com base nos estudos, percebemos que eles não se jogaram. É possível ver que o homem, no momento que cai, segura na tela de proteção. A mulher estava com o filho no colo e ele (Luiz Evaldo) tentou segurá-la. A tela se rompe e os três caem", frisou o perito.
Próximos passos
Na reunião com a imprensa, Elivelton Lima, irmão de Luiz, chorou ao falar sobre o familiar. "Nunca imaginei que eu ia ter que presenciar isso. Nunca esperamos acontecer com um ente querido. Eles nos deixaram muitas lembranças boas e que vou levá-las para a vida toda", declarou.
O seu advogado, Paulo Gomes, por sua vez, considerou que os policiais realizaram um trabalho profissional e cauteloso: "Em um momento desses, os parantes (das vítimas) ficam abalados. A investigação, de certa forma, trouxe acalento para a família, que soube de uma vez por todas o que de fato aconteceu". Ele afirmou que pedirá à Justiça que Vieira responda por dolo eventual, quando o investigado tem intenção de que o crime ocorra.