O Distrito Federal registrou, desde o início da pandemia de covid-19 até o dia 12 deste mês, mais de 955 mil casos da doença e cerca de 12 mil óbitos, segundo a Secretaria de Saúde do DF (SES-DF). O cenário de dezenas de mortes diárias, registradas ao longo de 2020, somente foi revertido com o início da campanha de imunização em janeiro de 2021. Especialistas ouvidos pelo Correio afirmaram que a maneira mais eficaz de proteger-se contra a enfermidade é manter os ciclos vacinais atualizados. A capital federal, no entanto, tem enfrentado desafios pela falta de abastecimento. A representante da SES-DF, Tereza Luísa, informa que há escassez tanto dos imunizantes aplicados com seringas quanto de frasco multidose. O Ministério da Saúde (MS), por sua vez, garante que a partir da semana que vem começará a reverter essa situação com o envio de doses de imunobiológicos a todas as unidades da Federação.
Tereza Luísa — gestora da Rede de Frio, que cuida do armazenamento, conservação, manipulação, distribuição e transporte de medicamentos — destaca que a imunização no DF alcançou cerca de 90% da população. Porém, ressalta haver problemas relacionados ao desabastecimento de vacinas. O estoque nacional delas para adultos, por exemplo, está esgotado. Os repasses de doses são feitos pelo MS, mas, hoje, não temos estoque", explica.
No DF, a vacina XBB 1.5 em frasco multidose estava disponível apenas para crianças de 6 meses a 11 anos, enquanto as injetáveis são indicadas para pessoas acima de 12 anos. "Nosso objetivo principal é evitar hospitalizações e óbitos. Com a chegada das chuvas e a proximidade do frio, é importante manter a vigilância, pois a covid-19 ainda não foi erradicada e precisamos continuar controlando a doença", salienta Tereza.
Por nota, o Ministério da Saúde informou que começará a distribuir aos estados nova remessa de 1,2 milhão de doses da vacina contra a doença nesta semana, regularizando os estoques voltados ao público infantil. Segundo a pasta, o quantitativo é parte de compra emergencial realizada em maio deste ano .
"Novo pregão foi concluído recentemente para aquisição de mais de 60 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, garantindo proteção contra cepas atualizadas pelos próximos dois anos. As entregas pelos fabricantes serão realizadas de forma parcelada, conforme a adesão da população à vacinação e as atualizações aprovadas pela Anvisa", acrescentou a mensagem do órgão.
Segurança
Desde o início da campanha de imunização contra a covid-19, foram aplicadas cerca de 7,4 milhões de doses vacinais no Distrito Federal. Embora o número seja expressivo, especialistas consultados pelo Correio manifestam preocupação em relação à conclusão dos ciclos vacinais, especialmente diante da necessidade de reforçar a proteção, mesmo com a doença controlada no DF.
Dados do MS e da SES-DF revelam que 2.629.884 brasilienses tomaram a primeira dose, enquanto 2.436.553 receberam a segunda, resultando em uma diferença de 193.331 pessoas. Desde janeiro, o ministério orienta que pessoas a partir de 5 anos, que não estejam nos grupos prioritários (idosos, puérperas, doentes crônicos, entre outros), que ainda não receberam nenhuma aplicação, precisam ao menos de uma para garantir proteção. No entanto, especialistas ressaltam que a vacinação continua crucial.
O infectologista Julival Ribeiro destaca que o coronavírus tem sofrido mutações, gerando novas variantes, o que reforça a necessidade de imunização, principalmente para quem ainda não aderiu à vacinação. "A vacina é muito eficaz na prevenção de formas graves da doença, hospitalizações e óbitos. Como o vírus causador da covid-19 continua a sofrer mutações, as vacinas são atualizadas periodicamente para ajudar a combater a doença. Um estudo recente mostrou que a covid-19 aumenta os riscos de infartos, derrames e até mesmo mortes, muito tempo após a fase aguda da infecção", pontua. Ribeiro aconselha que, embora os casos da enfermidade tenham diminuído, ela ainda está presente em várias partes do mundo, incluindo o Brasil.
O também infectologista Hemerson Luz chama atenção para manter o esquema vacinal completo das crianças. Segundo ele, isso é crucial na prevenção de complicações graves, como a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), que pode causar fadiga, dificuldade respiratória e outros problemas de saúde duradouros, conhecidos como covid longa. "Em 2023, mais de 5 mil casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em crianças menores de cinco anos foram registrados, com 135 mortes, sendo a maioria causada pela covid-19", acrescenta.
"Quando diminuímos a transmissão, limitamos as chances de surgirem novas variantes que possam escapar do sistema imunológico ou provocar quadros mais graves", explica o infectologista.
Breno Adaid, especialista em dados e estatística, além de professor da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), analisou, a pedido do Correio, os boletins epidemiológicos da doença publicados de julho a 12 de outubro deste ano. Segundo ele, de julho até metade do mês de setembro ocorreu aumento no número de casos, após esse período os registros têm caído lentamente. "Por outro lado, a subnotificação aumenta com as pessoas confundindo os sintomas com a gripe comum, quando desenvolvem um quadro pior que associam ao covid-19", alerta.
Sequelas
Para além dos pacientes que perderam a vida em decorrência da enfermidade, há aqueles que viram seus destinos modificados pelas marcas deixadas pós-doença. O Correio conversou com moradores do DF que relataram suas experiências com a covid-19.
Após o primeiro contato com o vírus, a vida de Yan Gabriel Oliveira tomou novo rumo. Ele foi um dos cinco primeiros moradores do DF a testar positivo, em março de 2020. "Eu era comissário de voo e fazia rota internacional. Peguei a infecção em Orlando (EUA)", conta.
Sem saber que estava doente, curtiu o carnaval de Brasília . Mas, após alguns dias, acordou com a sensação de que o lado direito de seu corpo estava dormente. Pouco tempo depois, o positivo para a covid veio acompanhado de outro diagnóstico: síndrome de Guillain-Barré (SGB), doença autoimune rara que causa fraqueza ou paralisia muscular.
Dali para frente, Yan perdeu 41kg e, morou por 1 ano no Hospital Sarah Kubitscheck. Atualmente, usa muletas e órteses nos pés porque perdeu o movimento e a rigidez muscular deles. O comissário teve de deixar os céus de lado e se tornou servidor da Controladoria-Geral da União.
Leonardo Matos, morador da Asa Sul, contraiu covid-19 duas vezes, e as sequelas da segunda infecção ainda afetam sua vida. "Após a segunda infecção, doenças pré-existentes na minha família, como diabetes e hipertensão, se manifestaram em mim. Cheguei a ter um princípio de infarto, além de desenvolver problemas de memória", explica.
A neurocientista Lúcia Willadino Braga, presidente da rede SARAH de Brasília, enfatiza que as sequelas da covid-19 vão além dos sintomas respiratórios. Desde junho de 2020, a rede gerencia um programa de reabilitação para pessoas que sofrem com as consequências da doença.
O professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB), Walter Ramalho, destaca que há diferenças entre a covid longa e as sequelas da doença. No primeiro caso, de acordo com o especialista, o paciente apresenta os sintomas da doença por semanas ou até meses, sendo que o vírus ainda permanece em seu corpo. Já as sequelas, são manifestações — comumente relacionadas à memória ou pulmões — que apresentam-se na fase em que o paciente é considerado curado da doença.