ENTREVISTA | EVERARDO GUEIROS

'Ainda vemos colegas serem desrespeitadas', diz canditado à OAB-DF

Ao CB.Poder, o advogado disse que se vê poucas mulheres no tribunal do júri e destacou que elas não têm sequer preferência na hora dos julgamentos e despachos

A falta de mulheres no tribunal do júri e a forma como muitas ainda são desrespeitadas foram temas discutidos pelo candidato à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional do Distrito Federal, o advogado Everardo Gueiros. Em entrevista aos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre de Souza, no programa CB.Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília — de ontem, o ex-desembargador eleitoral destacou ações que podem ajudar as trabalhadoras. A Ordem também foi criticada pelo convidado.

O senhor foi o primeiro a inscrever sua chapa, o que acabou com as dúvidas de que sua candidatura iria até o fim, uma vez que o senhor é meio dissidente de um grupo dos verdes, não é? Qual é a ideia de tocar a campanha e como será seu discurso?

De fato, criamos um grupo novo para dar voz à advocacia que não é ouvida. Hoje, quase não temos mais balcão. Eminentemente criamos esse grupo porque não víamos mais nossas prerrogativas sendo respeitadas e não enxergávamos uma atuação ativa por parte da OAB. A OAB está muito passiva, aguardando que as coisas na advocacia, como em tudo no mundo, aconteçam com muita velocidade, mas os últimos que estavam sendo ouvidos em questões da justiça e da legislação são os advogados. O Poder Judiciário começou a tomar decisões que se refletem na nossa vida, sem ouvir a advocacia, e a Ordem simplesmente silenciando. Hoje temos colegas que, infelizmente, não conseguem acessar os autos dos processos que eles estão defendendo.

Se o senhor for eleito presidente da OAB-DF, acredita que numa seccional é possível mudar esse sistema? Como é que, de uma seccional, se pode pensar em mudar isso?

É perfeitamente plausível e possível mudar, sim. Principalmente porque tem que se dar os bons exemplos. O próprio Tribunal de Justiça daqui mudou a forma de pagamento das custas judiciais há uns 15 ou 20 dias, e não perguntou à advocacia, e tampouco a própria advocacia falou, porque a Ordem silencia. Você imagina que a OAB está aqui durante esse período da atual gestão, que é de seis anos, e, se eu não me engano, um único parecer da OAB foi dado frente a uma legislação. Teve um deputado federal que me confessou: “Everardo, eu oficiei mais de 10 vezes a OAB para que ela se posicionasse sobre as normas”. Qual o trabalho da Ordem? É ajudar também no aperfeiçoamento da legislação. Não dá para ser só reativa, a Ordem precisa ser ativa, como foi outrora. Aqui no DF nós já tivemos a questão, independentemente do que ocorreu ou não, mas a Ordem foi ativa na questão do ex-governador Arruda, ainda quando ele era governador. A Ordem foi ativa na questão do presidente Fernando Collor, a Ordem foi quem protocolou o impeachment. Então, a Ordem era ouvida para todas as questões no Brasil.

O senhor acha que é papel da Ordem também se posicionar politicamente até em relação aos temas sensíveis do país?

Sem dúvida, essa é uma obrigação legal. A Ordem não só representa os advogados e faz ou deveria fazer a defesa da classe, mas também do Estado Democrático de Direito e da legislação. Isso está na nossa lei. Então, é um papel da Ordem, para além do papel de cartório dos advogados, mas também um papel social e institucional.

Quando o senhor fala dessa paralisia da OAB, acredita que as mudanças que defende devem ocorrer apenas de uma mudança de postura ou existem questões que devem ser tratadas no âmbito do estatuto da OAB ou da norma?

As duas coisas. Primeiro, nós temos legislação que permite começarmos a dar os passos, a Ordem começar a ser protagonista, mas vamos precisar alterar a legislação. Por exemplo, estamos no ano de 2024 e a última vez que se falou de Diretas Já — movimento popular que tinha o objetivo da retomada das eleições diretas ao cargo de presidente da República no Brasil — neste país foi em 83, ou seja, depois veio a Emenda Dante de Oliveira, 84, isso há quarenta anos, e até hoje na OAB não tem eleições para presidente do Conselho Federal de forma direta. É uma democracia que eles pregam da porta para fora. Da porta para dentro, em todos os últimos pleitos, pelo menos nos últimos sete da OAB para o Conselho Federal, chapa única foi escolhida por um colégio eleitoral.

Está faltando democracia na OAB?

Certamente está faltando democracia e aí precisa de alteração legislativa porque a casa não quer fazer de modo próprio.

A sua proposta seria que todos os advogados inscritos na Ordem pudessem votar para eleger o presidente do Conselho Nacional?

Claro. Pensa um pouco: já se vota para o presidente da seccional e para o presidente da subseção. Por que não votar para o presidente do Conselho Federal? Vou fazer um paralelo para que fique compreensivo, pois talvez algumas pessoas que não são advogados não entendam. É como se você votasse para prefeito e governador e não pudesse votar para presidente da República. Dizer que para fazer essa eleição é muito cara é uma inverdade. Primeiro, porque tudo hoje é feito através da internet. Até a nossa eleição aqui, a nossa votação, vai ser o voto digital. O que significa que é mais barato ainda. Essa justificativa não é plausível.

A burocracia para as inscrições das chapas dificulta a renovação? Porque, no fim das contas, acabam sempre ficando os mesmos, dificultando a entrada de novos concorrentes. É isso mesmo?

Aqui, a vida toda, foram dois grupos que dominaram a OAB e quase nunca houve uma verdadeira renovação. Esses grupos, ao longo do tempo, vieram se encastelando cada dia mais. Então, quando se fala em verdadeira representação, vá lá e pergunte aos advogados do entorno e àqueles que não são tão abastados se eles se sentem representados pela nossa casa. Tenho feito essa pergunta. E a resposta é não. Eles têm respondido para mim, muitas vezes, que a Ordem só serve para duas coisas: para cobrar anuidade ou para processar a gente no Tribunal de Ética. Eu pergunto aos advogados se eles sentem que a Ordem defende as prerrogativas deles.

E a OAB tem um papel histórico, político e social. Então precisa se posicionar, é uma referência para a sociedade, não é?

Sem dúvidas. Tenho uma grande referência aqui, que foi presidente da nossa casa, o ministro (da Justiça) Maurício Corrêa. Inclusive, a Cléa Corrêa, filha dele, é nossa candidata no Conselho Federal. Em visita à Cléa, estávamos olhando os documentos do doutor Maurício e vi uma foto que foi muito impactante para mim. Era o retrato do presidente Tancredo Neves indo à OAB visitar o presidente Maurício Corrêa logo após ter sido eleito presidente da República. Naquela época, o presidente da República visitava a OAB, a seccional do DF recebia a visita do presidente da República. Atualmente, quem visita a OAB? Quem acredita na OAB? Ela tem perdido esse papel histórico. Precisamos, de verdade, resgatar isso. Porque não pode haver uma sociedade sem advogados, não há uma sociedade que seja justa sem a advocacia. O advogado é o último bastião entre o Estado todo poderoso e o cidadão comum. Por isso temos as prerrogativas, e elas devem ser respeitadas.

Por que o senhor quer ser presidente da OAB-DF?

Quero ser presidente da OAB-DF porque a advocacia não tem mais a respeitabilidade de antigamente na sociedade, e a Ordem não cuidou para que a advocacia continuasse exercendo seu papel. A Ordem está calada, silente, e, infelizmente, essas administrações que estão aí estão preocupadas apenas com os próprios interesses. Precisamos de uma Ordem que se preocupe com os problemas da própria advocacia. Quero resgatar a Ordem que um dia existiu. Vi uma Ordem que era protagonista, ouvida, que defendia a sociedade e o advogado. Sou candidato por isso. Comecei meu escritório como todo mundo, pequenininho, no interior de Pernambuco. Advogava no sertão de Pernambuco e no sertão da Bahia. O escritório cresceu, evoluiu, e me mudei para o DF. Comecei lá, e sei quais são todas as etapas que você tem que passar. A Ordem poderia estar facilitando essas etapas para os colegas que estão entrando no mercado de trabalho, mas não está. Esses colegas não estão recebendo a ajuda necessária para deixar de ser bacharéis e se tornarem advogados de fato. A Ordem tem vários instrumentos que poderiam ser usados, como a Escola Superior de Advocacia, oferecendo cursos práticos, além de cursos que privilegiam o empreendedorismo e o marketing jurídico. Aliás, nesse ponto, faço um parêntese: temos que rever essa questão do marketing jurídico, que ainda é muito restritivo. Não é possível que todas as outras profissões possam fazer propaganda e apenas os advogados não possam.

O senhor integrou o governo Ibaneis, foi secretário de projetos especiais. Como é sua relação com o governador e qual será a participação dele, no seu entendimento?

Minha relação pessoal com o governador Ibaneis é maravilhosa. Ele é meu amigo. Nos encontramos, trocamos ideias, frequentei a casa dele várias vezes, e ele frequentou a minha. Mas essa é uma relação pessoal. Institucionalmente, o próprio governador não deveria se imiscuir nessa eleição da OAB. Ele mesmo, quando foi presidente, era muito crítico à ingerência de qualquer poder na Ordem dos Advogados, porque precisamos de uma Ordem independente. Ele, para exercer o governo, não pode exercer a advocacia, é impedido. Então, momentaneamente, o governador não pode exercer a advocacia. Se ele sequer pode atuar como advogado, por que ele se imiscuir nesse assunto?

Sua vice na chapa, a doutora Rute Raquel, é uma criminalista e tem mais de 500 júris realizados. Como foi essa escolha e como ela pode contribuir com seu trabalho?

Rute sempre foi uma mulher muito presente, muito forte, com uma história de vida linda. Ela perdeu o marido cedo, criou os dois filhos, que hoje estão bem formados. E, por sua vez, é uma advogada muito batalhadora no tribunal do júri. Você vê poucas mulheres no tribunal do júri, ainda existe um bloqueio, como se aquele fosse um ambiente machista. Ela enfrentou isso. Talvez, no DF, seja ela quem mais realizou júris. É realmente brilhante. Uma mulher simples, humilde, muito inteligente, aguerrida e trabalhadora. Ela costuma dizer que saiu do Gama e nunca imaginou que poderia disputar uma eleição para a diretoria da OAB. Eu digo: "Rute, a OAB perdeu por você não estar lá antes. Agora, a OAB vai ganhar com você." Na nossa chapa, privilegiamos muito a paridade de gênero, mas não apenas no discurso. O papel de destaque da mulher deve ser observado e respeitado de verdade, não apenas da boca para fora.

O senhor tem alguma proposta concreta sobre gênero?

Claro, tenho várias. A começar pela demonstração de que, na minha chapa, há mais mulheres que homens na diretoria. O único homem da seccional sou eu. Todos os outros membros da minha diretoria vêm das subseções. Estamos trazendo os advogados da base para dentro. Existem muitos pontos de atenção. Vemos colegas mulheres ainda sem serem respeitadas, por exemplo, na preferência em julgamentos e despachos. Nas subseções, que são 14 aqui, não há um espaço para elas deixarem as crianças. Uma pequena brinquedoteca já ajudaria para que as mães advogadas pudessem trabalhar em paz. São muitas pequenas coisas que poderiam facilitar a vida das nossas colegas advogadas e que não são feitas.

*Estagiário sob a supervisão de Ana Maria Campos

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