Sob um céu nublado e forte comoção, familiares, amigos e irmãos de farda despediram-se, neste domingo (13/10), de Iury Araújo Azevedo, soldado de 19 anos que morreu após ser atingido por um pinheiro na sexta-feira (11/10), quando arriava a bandeira nacional, no quartel do Batalhão de Polícia do Exército, no Setor Militar Urbano (SMU), durante a chuva que atingia a região.
A cerimônia fúnebre, no Cemitério Campo da Esperança do Gama, foi marcada pelo pranto daqueles que, vestidos com camisetas estampadas com uma fotografia de Iury fardado, questionavam-se sobre o motivo da partida precoce.
O Exército apura as circunstâncias da tragédia. Membros da corporação participaram da cerimônia e, em meio às lágrimas, também lamentaram a perda. Os abraços que os presentes distribuíam uns aos outros, na tentativa sem sucesso de abrandar a dor da perda, evidenciavam o vazio que Iury, descrito pela família como "dedicado", "sonhador" e "esforçado", deixará em seus corações.
Nascido e criado em Santa Maria, Iury estudou a vida inteira em escola pública. Ele deixa enlutados — além dos avós e pais — três irmãos, Suyene Azevedo, 22; Iudy Araújo Azevedo, 16; e Pietro Araújo Azevedo, 9. Há cerca de 90 dias, a família havia passado por um momento de muita alegria, com a chegada do pequeno Brayan, filho de Iury e Ketheley de Castro, com quem ele mantinha um relacionamento.
Homem de bem
Os depoimentos de quem convivia com Iury carregam, em comum, o respeito e a admiração. Irmão mais novo do soldado, Iudy estava extremamente abalado. "Ele significava tanto para mim. Era um cara muito engraçado, nunca me deixava ficar triste, estava sempre me distraindo e me fazendo dar risadas, brincamos tanto, soltamos pipa..." Iudy contou que o jovem era fonte de inspiração, que fazia questão de influenciar irmãos e primos no caminho positivo. "Ele puxava nossa orelha. Se fosse preciso, brigava com a gente, mas sempre falava para nós seguirmos pelo bom caminho", disse. Pietro, o caçula, sorriu ao lembrar que o irmão sempre o levava para soltar pipa.
Caio Gabriel Araújo, 19, primo, que considerava Iury um irmão, estava indignado com a partida. "Iury tinha um coração muito grande. Era um menino tão bom, não existia momento ruim perto dele. Era esforçado, trabalhava desde os 15 anos, se esforçava em tudo que fazia. Estar aqui (no velório) é um baque", lamentou. Emocionado, Caio lembrou dos últimos momentos ao lado do primo. "Nós estávamos juntos no dia 5, conversamos e, agora, percebo que ele estava se despedindo, depois daquele dia nunca mais vi o meu irmão", contou, com a voz embargada.
A mãe, Pâmella Araújo e a avó materna, Maria Valdineide Araújo estão inconsoláveis. Segundo familiares, ambas estão com dificuldade para dormirem e se alimentarem, devido à perda. No velório, não saíram do lado do caixão um minuto sequer. Pediam a Deus que deixasse Iury ficar.
Sonho de ser PM
Tio de Iury, o auxiliar de serviços gerais Cleiton Rodrigues relembrou o sobrinho com amor e saudade. "Ele era carinhoso, atencioso, um menino bom que aprendia as coisas com facilidade. Ele não tinha qualquer envolvimento com drogas ou crime", recordou.
De acordo com Cleiton, Iury pretendia sair do Exército, onde prestava Serviço Militar Obrigatório, mas a família o incentivou a continuar. O jovem sonhava ser policial militar. "Estava planejando fazer uma faculdade e depois entrar para a PM. O Exército estava sendo uma escola para que ele virasse policial", contou o tio. O irmão e o primo disseram que o soldado deixaria o Exército em janeiro. "Tinha feito planos de viajar com a esposa e com o filho, para depois focar nos estudos e estudar para a prova da PM."
Avô de Iury, Anízio Rodrigues Paulo, 70, disse que Brayan, o bisneto, é "caladinho e saudável", uma semente de Iury. Layane Araújo, 28, mulher de Cleiton, completou que o bebê é, agora, uma herança aos que ficam. "É uma cópia do Iury que fica para nós", disse ela. O avô lembrou da última vez que conversou com o neto. "Sexta-feira passada (11/10), ele foi lá em casa para mostrar o som que tinha instalado no carro dele e disse: 'Olha, meu vô, rebaixei meu carro e montei um sonzinho nele', aí eu disse 'rapaz, tenha juízo', e essa foi a última vez que vi ele."
Grande amigo
Moradores de Santa Maria, o carregador Alisson Silva, 21, e o assistente de manutenção de frota Ítalo Duarte, 19, eram amigos de infância do soldado. "Ele era uma pessoa muito querida na minha vida, sempre sorridente, eu realmente tinha ele como um irmão. Ele era um bom filho e, creio eu, que seria um grande pai para o filho. É muito difícil falar neste momento", emocionou-se.
"Estudei com ele durante todo o ensino fundamental. Só tenho a agradecer pela amizade que construímos. A gente brincava na rua, ia junto para as festas, só tenho lembranças boas, o que aconteceu foi uma tragédia", disse Ítalo.
Homenagem
O caixão, coberto pela bandeira do Brasil, foi retirado da capela por membros do Exército. Como forma de reconhecer o serviço prestado pelo soldado, uma homenagem com uma salva de tiros foi feita antes do sepultamento. Depois, foi colocada a bandeira do time do coração de Iury — o Grêmio.
O tenente-coronel Silva Néto, comandante do Batalhão da Polícia do Exército de Brasilia (BPEB), discursou à família. "Iury partiu cumprindo sua missão da forma mais solene, fardado, ostentando o braçal de policial do Exército e arriando a bandeira nacional. Ele, como todos nós que aderimos à profissão das armas, jurou na última semana defender a pátria, mesmo que se preciso fosse o sacrifício da própria vida e assim ele fez", destacou.
O militar entregou a bandeira do Brasil à mãe do jovem "como forma de reconhecer e agradecer pelo valoroso serviço de Iury prestado à nação brasileira".
Inquérito
Ao Correio, o capitão Renê, oficial de Comunicação Social do BPEB, informou que o Exército está prestando todo apoio à família e investiga o ocorrido. "O inquérito policial militar já foi aberto para verificar as causas do acidente e da morte. Tudo será averiguado, imagens, se tiver, depoimentos, perícia." Segundo Renê, a investigação interna deve durar 45 dias.
Sobre o ocorrido, o capitão explicou que o arriamento da bandeira é um protocolo que acontece em uma cerimônia. "O arriamento da bandeira é nada mais que protocolar, todo dia a bandeira é hasteada pela manhã e, no fim da tarde, a gente arria. Esse trabalho é feito pela guarnição de serviço, da qual o soldado fazia parte. Quando o tempo está ruim, a cerimônia não é feita, que foi o que ocorreu naquele dia, a cerimônia foi cancelada e o pessoal retraiu. Mas a bandeira tem que ser arriada do mesmo jeito, então, rapidamente, sem a cerimônia, o protocolo é realizado. Essa é uma medida de segurança nossa para não colocarmos o pessoal em risco", detalhou.
Perguntado acerca do pagamento de pensão à companheira e ao filho do soldado, o capitão respondeu que a confirmação se dará somente ao fim do processo administrativo, que deve ser finalizado em 30 dias.
O capitão Renê disse ainda que a segunda vítima do acidente, cuja identidade não foi divulgada, permanece internada no Hospital das Forças Armadas (HFA) e passará por uma cirurgia no joelho. O quadro é estável e o soldado não corre riscos. Na esfera civil, o caso é investigado pela 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro Velho).
Parceria
No sábado, o Correio questionou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) acerca da responsabilidade pela manutenção da área arborizada dos quartéis do Exército. A empresa respondeu que não é competência dela, mas que se colocou à disposição do Exército para realizar uma força-tarefa com o objetivo de avaliar todas as áreas internas dos quartéis, a fim de monitorar e executar serviços, caso haja necessidade, para evitar acidentes.
Em nota ao Correio, o Comando Militar do Planalto (CMP) informou que há uma colaboração contínua com a Novacap para a realização de podas em árvores de grande porte e que apresentam risco, nas Vilas do QGEx (Quartel General do Exército), SMU e RCG (Regimento de Cavalaria de Guardas). "Entretanto, na próxima semana, reforçaremos o contato para intensificar essas ações", acrescentou.
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