São diversos os tópicos considerados fundamentais para a união de uma família — diálogo, apoio, presença e compreensão são tidos como essenciais, só para citar alguns. Apesar disso, há os grupos que, em sua singularidade, encontram outras maneiras de aprofundar conexões e estabelecer laços de alma. O Correio conheceu histórias de famílias nas quais os membros partilham o amor pela arte. Seja no picadeiro, nos instrumentos musicais e na atuação ou seja nas brincadeiras com os tradicionais mamulengos, eles carregam dons transmitidos de geração em geração.
Juntos no picadeiro
Os integrantes do Circo Real Português, o primeiro a ser aberto em Brasília, em 1960, são exemplos da arte que conecta. Entre palhaços, trapezistas, mágicos e bailarinas, cinco gerações da família já estrearam no topo do picadeiro. O integrante mais antigo é o Palhaço Formiga, 83 anos, considerado o mais velho do Brasil. O caçula da trupe é Luan Portugal, que, aos 14, atua como uma das estrelas do temido globo da morte.
Para as irmãs Joici Portugal, 38, e Juliana Portugal, 36, à frente da gestão geral do espaço, a arte circense corre no sangue da família. "Acho que é um dom, está no DNA e na genética, principalmente porque não tem como influenciar. No circo, a gente não questiona o que as crianças querem fazer, tudo evolui naturalmente, elas aprendem brincando", diz Joici.
Apesar de boa parte da família fazer parte dos espetáculos, seja de forma indireta ou não, e viver lado a lado nos trailers, Joici ressalva que, às vezes, algum membro percebe que, na verdade, almeja outros horizontes e, nesse caso, está tudo bem. "Temos um tio que acabou indo morar com a nossa vó em Goiânia. Preferiu estudar e trabalhar na cidade, porque, diferentemente dos seis irmãos, incluindo o meu pai, que era trapezista, ele não teve facilidade para executar nenhuma função", comenta.
Questionadas sobre as delícias e os desafios de atuar ao lado dos familiares, as irmãs ressaltam que se sentem privilegiadas de estar sempre tão perto de todos os parentes, mas salientam que é preciso haver, acima de tudo, responsabilidade e consciência individual. "Durante o dia, é a nossa casa. À noite, é nosso local de trabalho. No horário dos espetáculos, a gente vira a chave coloca na cabeça que estamos trabalhando. Independentemente de sermos irmãs, primos, tias e mães, somos colegas de trabalho e é preciso haver profissionalismo e responsabilidade como em qualquer outra profissão", destacou.
Desde que foi inaugurado, o circo viajou o país inteiro. Em 2014, porém, fixou-se em Brasília e passou a transitar entre as regiões administrativas. Até o fim deste mês, os espetáculos estão em cartaz no Bahamas Center, em Águas Claras.
Unidos pela música
No caso do maestro, pianista e arranjador Rênio Quintas, 69, e da cantora, arte-educadora e produtora Célia Porto, 57, a música foi o cupido responsável por cruzar seus destinos, em 1995. À época, Célia decidiu lançar um CD e fazer um show no teatro, então convidou Rênio para criar os arranjos e dirigir o evento. A partir daí, uniram-se e permanecem juntos.
Se a música foi a responsável pelo encontro, certamente não sairia de cena ao longo do relacionamento. Juntos, Rênio e Célia executam diversas empreitadas. "A gente desenvolve projetos culturais, e essas iniciativas envolvem a família inteira, como acontece com o festival de música para crianças Em Cantos. O Rafael já trabalhou na produção e coreografia, o Rênio (filho) é fotógrafo e faz os registros dos eventos e, assim, a gente vai atuando juntos, fora o trabalho artístico — cada um tem o seu", conta Célia.
Rênio tem dois filhos do primeiro casamento, Rafael Quintas, 36, e Ana Quintas, 31. Da relação com Célia, nasceu Rênio Porto Quintas, hoje com 22 anos. Herdeiros da paixão pela arte, seguiram os passos do pai, atuando por diferentes nichos. "O mais velho, Rafael, é bailarino e coreógrafo; Ana Luiza é atriz, diretora e doutoranda em artes cênicas pela Universidade de Brasília (UnB); e Rênio é músico, DJ, e atleta de parkour, estudante da UnB", detalha.
"Eu tenho muito orgulho, porque eles assistiram toda a minha trajetória, vivenciaram a luta que é ser artista no Brasil. Pelo jeito, apaixonaram-se pela forma como a gente desenvolve, porque decidiram seguir a arte também", brinca Rênio.
Legado por gerações
No Mercado Sul, em Taguatinga, a conexão familiar se deu por meio dos mamulengos de Chico Simões, 64. O teatro de bonecos faz parte da vida do artista desde que ele tinha 3 anos. "Eu assistia aos teatros da igreja evangélica que eu frequentava, e a duplicidade de poder ser duas coisas ao mesmo tempo me chamava a atenção, então, logo comecei a atuar também", recorda. O que antes era uma distração de infância, tornou-se trabalho de "gente grande". Aos 20 anos, Chico passou a viajar pelo Nordeste e a conviver com mestres da cultura popular tradicional, para enriquecer sua bagagem.
Quando voltou para Brasília, em meados de 1994, Chico avaliou que o movimento precisava ser fortalecido na capital. "Criei, com amigos, a Associação Brasileira de Teatro de Bonecos e a Federação de Teatro Amador do DF, justamente para juntar pessoas e conversarmos sobre nossas lutas", explica. O mestre bonequeiro tornou-se amplamente conhecido pelo seu trabalho.
Paralelamente a isso, cuidou de sua vida pessoal e, ao longo dos anos, tornou-se pai de quatro filhas — Clara Nugoli, 38, Helena Neves, 37, Débora Monteiro, 24, e Mel Monteiro, 22. Elas celebram que a arte sempre esteve presente em seus caminhos, a ponto de não conseguirem desassociar o tema de suas vivências. "O trabalho dele não era como um expediente de oito horas que, ao chegar em casa, era deixado de lado. Se eu lembro do meu pai, eu lembro de arte, minhas memórias são todas misturadas", observa Clara.
"Quando éramos crianças, por muitas vezes, nosso pai se apresentou nas escolas nas quais estudávamos, então, a gente ficava cheia de orgulho e, à época, eu não entendia, pensava que o trabalho de ventriloquia era mágica. Eventualmente, questionei nosso pai e entendi, de fato. Sempre achei um trabalho muito especial", lembra Débora.
E se filho de peixe, peixinho é... Com as quatro meninas não foi diferente. Clara tornou-se produtora cultural, apesar da formação em moda; Helena é designer; Débora atua como professora de dança e Mel trabalha com desenhos e ilustração. "Nós sempre tivemos muitos incentivos, na questão do desenho, dos bonecos, da música, houve muita influência", aponta Mel. Débora completa que, apesar do cenário propício, seguir na arte nunca foi uma imposição do pai, que sempre deixou claro que todas poderiam ser o que quisessem. E assim aconteceu.
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