O calor segue sem dar trégua. Pelo segundo dia consecutivo, Brasília registra a temperatura mais quente do ano, quando os termômetros marcaram 36,9°C no Gama, no Plano Piloto chegou a 36° em média, a umidade do ar chegou a 11%. Além disso, a capital passa pelo maior período de estiagem da história completando nesta sexta-feira (4/10) 165 dias sem chuva. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), há previsão de precipitações isoladas para quarta-feira. Especialistas recomendam cuidados com os impactos das mudanças climáticas.
A temperatura na capital está cinco graus celsius acima da média prevista para o mês, que era de 29°C. Além disso, a umidade para os próximos dias está bem abaixo do recomendado e varia de 12% a 15%, quando o ideal seria acima de 60%. Ainda segundo o instituto, as características para as precipitações só começam a surgir, de fato, no fim do mês e início de novembro.
Foco na hidratação é a principal precaução que as pessoas podem adotar para evitar os problemas gerados pelo calor, é o que recomenda o clínico geral e coordenador da Clínica Médica do Hospital Santa Lúcia, Lucas Albanaz. "O consumo de líquidos claros em abundância, hidratação da mucosa, pele, olhos e narinas são muito importantes. São cuidados que devemos ter nesse período de maior calor", destacou. "Evitar o consumo de alimentos muito pesados e gordurosos, como frituras, bem como o uso de roupas muito pesadas e a prática de exercícios físicos em locais abertos nos horários de exposição ao sol", acrescentou.
Segundo o médico, também é necessário um olhar atento para crianças e idosos. "Os mecanismos regulatórios em relação à sudorese e ao controle de temperatura do corpo, muitas vezes podem não funcionar tão adequadamente quanto em um indivíduo adulto", reforçou.
Complicações
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Desde segunda-feira, a gestante Isabela Barbosa, 23 anos, tem sentido os efeitos do calor. "Às vezes minha pressão baixa de uma vez, e, como tenho pressão alta, fica bem difícil, principalmente nas escolas, porque sou professora e nem todas as salas possuem ar-condicionado ou ventilador funcionando", ressaltou. "Passo por uma dificuldade muito grande dentro do ambiente de trabalho", acrescentou.
Os sintomas vão de falta de ar, suor e dor de cabeça. "Também tenho sentido muita fraqueza e falta de apetite. Me receitaram paracetamol para mitigar esses efeitos", disse, enquanto esperava atendimento na emergência do Hran.
O frentista Leonardo Pedro de Sousa, 50, morador de Águas Claras, também está sofrendo com o calor e a seca. Ele contou ao Correio que sofre com o calor e com a poeira ocasionada pelas obras públicas que estão ocorrendo em todo o trecho da Epig. "Está sendo muito difícil trabalhar, o calor é intenso, muito abafado. Com essa obra aqui ao lado, fica difícil respirar. Reclamamos com o engenheiro; eles dizem que vão mandar um caminhão-pipa, mas passou uma única vez. Eu saio de casa no sol de 12h para chegar aqui às 14h. Dentro dos transportes públicos é pior ainda, não tem ar-condicionado. No metrô, por exemplo, fica insuportável", disse.
Maykon Douglas, 20, trabalha dia e noite vendendo doces nas quadras e semáforos da cidade e comenta sobre os desafios que enfrenta trabalhando nesse calor escaldante. "Passei por uma gripe, mas acho que é por causa do tempo. Fica quente e frio, aí fica difícil não ficar doente. Minha boca e o corpo ressecam por causa do calor, e acabo passando mal. Esse tempo faz a gente ficar cansado, bastante cansado. Trabalho todos os dias pelo Plano Piloto, debaixo desse sol, acabo andando muito para vender meus produtos", relatou o morador de Luziânia.
*Estagiários sob a supervisão de José Carlos Vieira
Conversa com especialistas
Christian Della Giustina, ambientalista e doutor em Desenvolvimento Sustentável
Quais políticas públicas poderiam mitigar os efeitos negativos das mudanças climáticas no DF?
Cuidar dos parques, recuperar áreas degradadas, reflorestar, oferecer incentivos econômicos para manter o Cerrado. Trabalhar a educação ambiental também é importante. Melhorar o transporte público permitindo que as pessoas deixem os carros em casa também seria uma importante adaptação. Melhorar também a questão da drenagem, é essencial melhorar a drenagem pluvial. Cuidar dos mananciais também é importante. Mundialmente, trabalha-se a mitigação com a de retirada do CO2 da atmosfera para reverter o efeito estufa. Uma maneira de fazer isso é plantando árvores. Evitar o consumo de combustíveis fósseis é outra forma.
Quais são os impactos que essas mudanças climáticas podem trazer?
Mudanças climáticas são fenômenos normais na história da Terra. Segundo o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), há uma tendência de aumento da temperatura e isso vai se refletir em fenômenos como aquecimento e calor extremo. Pode acontecer também impactos na agricultura. Por exemplo, se as temperaturas estão entre 25 e 30º C e de repente sobe para 35 a 40º C, o produto já não será mais produzido como antes.
O que a sociedade pode fazer para lidar com os efeitos das mudanças?
Não desperdiçar água, proteger os nossos mananciais, que são valiosos para o abastecimento público e proteger o nosso bioma de modo geral. O Cerrado é conhecido como o berço das águas, a caixa d´água do país, uma região rica em nascentes. Não temos grandes rios, mas abastecemos as principais bacias hidrográficas do Brasil. Fica essa lição de respeito e cuidado com o meio ambiente, além do uso racional da água.
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José Stênio Ponte, otorrinolaringologista e CEO Grupo OtorrinoDF
Quais os principais cuidados com o calor?
O calor intenso de Brasília, com temperaturas variando entre 30 e 40 graus, somado à baixa umidade do ar, coloca o organismo sob estresse, exigindo adaptações que podem comprometer a saúde. O corpo humano reage a essas condições extremas de maneira a tentar manter o equilíbrio interno, mas o processo demanda energia e pode alterar o funcionamento de diversos órgãos, incluindo o sistema cardiovascular e respiratório. Entre os efeitos mais comuns estão o aumento ou a redução da quantidade de urina, aceleração ou desaceleração dos batimentos cardíacos e mudanças na ventilação pulmonar.
Quais os sintomas recorrentes do calor?
Durante períodos de calor extremo, os sintomas mais comuns são aqueles relacionados às vias respiratórias, como rinite, sinusite e faringite. Em alguns casos, podem ocorrer complicações mais graves, como pneumonia e bronquite. Pacientes hipertensos também estão mais suscetíveis a infartos e AVCs. Além disso, o calor pode agravar problemas dermatológicos, levando a surtos de dermatite. Crianças e idosos são grupos especialmente vulneráveis. As crianças, muitas vezes, se distraem e não ingerem líquidos suficientes, o que pode levar à desidratação rápida. Já os idosos, que frequentemente apresentam funções corporais mais lentas e estão em situações de cuidados contínuos, também podem desidratar com facilidade, especialmente se não houver atenção adequada por parte dos cuidadores.
Quando buscar atendimento hospitalar?
Pessoas que possuem condições de saúde pré-existentes, como imunodeficiência, pacientes em quimioterapia ou aqueles que fazem uso de medicamentos imunossupressores, devem estar particularmente atentos aos sinais de alerta. Sintomas como tontura, desmaios, cansaço excessivo e dor abdominal podem indicar desidratação severa, comprometimento renal ou outros distúrbios graves relacionados ao calor. Nesses casos, é fundamental procurar atendimento médico imediatamente. Além disso, os sintomas respiratórios, como sinusite e rinite, podem ser tratados em uma clínica ou ambulatório, evitando que a condição evolua para algo mais grave.
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Andrea Ramos, meteorologista da Climatempo
O calor extremo que o DF está vivendo pode ocasionar em períodos de chuvas intensas?
Nos primeiros dias da primavera, sim. A primavera começou dia 22 de setembro e vai até dezembro. Ela tem como característica uma estação de transição. Todos os primeiros momentos dela, tem característica da estação passada, que é o inverno. O inverno é quente, seco e com estiagem. À medida que vai se desenvolvendo, ela vai adquirindo as características da próxima estação, que é o verão, onde temos a estação mais chuvosa. Climatologicamente setembro e outubro são os meses mais quentes e quando você tem essa composição de calor em um momento de baixa umidade, você vai nessa condição de chuvas que podem vir em forma de pancadas, com trovoadas, rajadas de vento e até a possibilidade de queda de granizo.
Podemos esperar ondas de calor mais intensas nos próximos anos?
A tendência é essa. Podemos sim esperar ondas de calor, de frio e tempestades, como a que estamos vendo não só aqui no Brasil, mas no mundo todo. Independente das pessoas acreditarem ou não em mudanças climáticas, os efeitos dela estão acontecendo. Essa mudança está influenciando no aumento da temperatura média global e na frequência dos eventos extremos. Eu diria até que o que temos vivido é o novo normal.
Esse período sem chuvas tem ligação com o El Niño — fenômeno climático?
Tivemos o El Niño ano passado, que começou em junho de 2023 e foi até junho deste ano. Ele não foi considerado um super El Niño, mas foi de intensidade forte. O pico máximo dele foi de novembro a janeiro.
O El Niño tem algum padrão?
Uma das características desse fenômeno foi jogar chuva em excesso na região e diminuí-las na parte norte e nordeste. Na área central do país, que envolve o DF, a influência ficou mais ligada com a questão da temperatura, isto é, que teve várias ondas de calor e foi considerado o ano mais quente já registrado na história das medições meteorológicas, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). O El Niño tem essa característica de estar associado com o calor, e isso foi fato.