Eleições municipais

Cidades do Entorno têm poucas candidaturas de negros e de mulheres

Levantamento feito pelo Correio mostra que esses grupos da população têm espaço pequeno na disputa para prefeitos e vereadores na região. Especialista aponta a discriminação de gênero e o racismo estrutural como motivos

A representatividade de mulheres e de pretos entre os candidatos dos seis maiores colégios eleitorais das cidades do Entorno do Distrito Federal está baixa. Um levantamento feito pelo Correio, com base nos dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que, nesses municípios, a quantidade de homens com candidaturas aptas é bem maior do que a de mulheres. Além disso, entre as três principais raças declaradas pelos concorrentes, o menor quantitativo foi o de pretos.

Professor da PUC-GO e mestre em direito eleitoral, Alexandre Azevedo destaca que, apesar de as candidaturas estarem cumprindo a cota mínima de 30% para as mulheres, prevista no Art. 10 da Lei 9.504/97, o quantitativo está muito abaixo daquilo que é o representativo da população dessas cidades. "O público feminino compõe uma média de 51% da população total nesses municípios. Mesmo assim, elas representam no máximo 35% das candidaturas, mas somente porque há uma exigência legal para que isso ocorra", pontua.

Sobre as candidaturas por raça, o especialista afirma que há uma exigência constitucional para que os recursos públicos aplicados nas campanhas eleitorais sejam divididos de forma proporcional à participação de pretos e pardos (Art. 17 da Constituição Federal). "Essa situação pode ter levado alguns candidatos, que em pleitos anteriores se declararam brancos, a se afirmarem como pardos ou pretos", opina. "Ou seja, há uma participação maior, em 2024, dessas raças, mas não temos como saber até onde isso corresponde à realidade ou se é apenas uma manobra para burlar essa determinação constitucional", pondera o especialista.

A advogada eleitoralista e mestra em direito, estado e constituição pela Universidade de Brasília (UnB) Bianca Gonçalves comenta que, apesar de vivermos uma democracia representativa, infelizmente, a sociedade ainda não se vê completamente representada no parlamento, de forma geral. "Mulheres e pessoas negras são maioria da população, mas ainda são minorias nos espaços de poder", lamenta.

Análise

De acordo com o último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na população de todos os seis maiores colégios eleitorais do Entorno, o público feminino é maior. Em Águas Lindas de Goiás, enquanto 111.618 dos moradores são homens, 114.075 são mulheres. Mesmo assim, no município, são 184 candidaturas masculinas aptas, contra 100 femininas. Em relação a raça, somente 39 se declararam como pretos.

A cidade que tem a menor desigualdade — no quesito raça — de acordo com o levantamento feito pelo Correio, é o Novo Gama, que tem uma população com 51.065 homens e 52.739 mulheres. Entre os candidatos, 57 se declararam brancos e 52, pretos. A disparidade fica, novamente, quando se fala do gênero dos concorrentes: 164 masculinos e 80 femininos.

Em Valparaíso de Goiás, no entanto, a situação é o oposto. São 251 candidaturas aptas, sendo 156 de homens e 95 de mulheres, a menor diferença entre os maiores colégios eleitorais, quando o assunto é gênero. Só que, na comparação entre postulantes brancos (69) e pretos (39), a proporção segue o exemplo dos demais municípios, com a última raça sendo bem menos representada.

Nas seis cidades analisadas pela reportagem, os pardos predominaram na declaração de cor/raça dos candidatos: Águas Lindas de Goiás (171), Formosa (164), Luziânia (176), Novo Gama (132), Planaltina de Goiás (149) e Valparaíso de Goiás (142).

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Ambiente hostil

Um dos principais fatores que afasta as mulheres da política é a violência política de gênero. O ambiente político ainda é muito hostil para as mulheres, mesmo as que exercem algum mandato. O baixo investimento dos partidos políticos em candidaturas femininas, desde a preparação dessas mulheres para concorrerem, até durante a efetivação das candidaturas também afasta as mulheres da vida política.

Quanto às pessoas negras, sem dúvida o maior problema se deve ao racismo estrutural, atrelado ao baixo financiamento das campanhas eleitorais de pessoas negras. Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 133, o repasse de recursos para candidaturas negras ficou praticamente limitado a 30% dos recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). A todo momento se diz que campanhas eleitorais custam caro, que não é possível fazer campanha sem recursos. Daí porque a falta de investimento proporcional ao percentual de candidaturas negras diminuiu drasticamente os recursos para essas campanhas o que, certamente, dificulta a eleição de mais pessoas negras.

Bianca Gonçalves, advogada eleitoralista e mestra em direito, estado e constituição pela Universidade de Brasília (UnB)