Cris Damasceno, líder da chapa Inovar a Ordem, na disputa à presidência da OAB-DF, foi a convidada do CB.Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília — desta terça-feira (29/10). Aos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre de Souza, ela apresentou suas propostas para a gestão, que estão focadas em melhorar a governança e a gestão administrativa.
Por que a senhora quer ser presidente da OAB?
Acredito que minha vontade de ser presidente é muito clara, pois tenho um propósito. Quando entramos no ambiente político, a justificativa para nos colocarmos ali é ter um propósito firme. No meu caso, é servir à advocacia. Tenho mostrado isso ao longo dos 10 anos em que estou na política de Ordem. Sou uma advogada da base e não procuro estar nesses ambientes para simplesmente fazer negócios ou expor minha atividade profissional para captação de clientela. Tenho mostrado isso com os projetos que apresentamos e deixamos à disposição da advocacia. Acredito que a advocacia merece o respeito de ter pessoas comprometidas. Em outros países, como Noruega e Finlândia, as pessoas dedicam parte de suas vidas à comunidade dentro da política. E acredito que é isso que a política deve ser: uma doação de tempo para fortalecer, no meu caso, a advocacia.
Tem gente que concorre e preside a Ordem apenas para divulgar o próprio escritório e ganhar grandes causas?
Sim, o ambiente é um ambiente político. Como a pessoa tem alta exposição e contato com todas as principais autoridades da República, tanto do Judiciário quanto do Ministério Público, acaba ganhando visibilidade e um espectro muito grande dentro da cidade. Muitas pessoas usam isso para impulsionar seus escritórios e para ter uma circulação importante entre juízes e magistrados. Essa, porém, não tem sido a minha postura durante todo esse tempo. Agora, como conselheira federal, viajei para 105 subseções, todas em capitais, com o objetivo de levar à advocacia os projetos do Conselho Federal, pois meu foco sempre foi atender à advocacia.
Quais são os maiores problemas que a senhora enxerga na OAB hoje e qual seria sua primeira medida?
Eu vejo dois problemas principais. O primeiro é a questão da governança e da gestão administrativa. Temos dívidas muito sérias que precisam ser resolvidas. Uma delas é uma dívida de um plano de saúde que existe há quase 30 anos, acumulando um valor de R$ 30 milhões em um processo no TRF, e que nunca foi resolvido. Além disso, temos dívidas trabalhistas, com ações que totalizam R$ 2,5 milhões, e uma dívida do pagamento do Clube da Advocacia, que é uma parcela mensal de R$ 120 mil. A falta de compromisso com a governança, com um fluxo de trabalho eficiente e com a redução de despesas prejudica a instituição, forçando-nos a pedir ao Conselho Federal recursos financeiros para obras e atividades que a própria seccional poderia financiar com uma administração melhor. A advocacia precisa entender que, muitas vezes, não há recursos para investimentos justamente por causa dessa falta de gestão. Temos que lembrar que, do valor arrecadado, há uma inadimplência de cerca de 25%, e ainda há uma destinação de 20% para a Caixa de Assistência. Com a OAB utilizando 60% de seus recursos em estrutura de funcionamento, resta muito pouco para investir na advocacia. A primeira medida seria, então, realizar um saneamento financeiro para fortalecer as prerrogativas.
Falando em prerrogativas, falta estrutura administrativa. Precisamos contratar advogados com mais experiência na OAB para atuarem como procuradores na defesa das prerrogativas, espalhados por todo o Distrito Federal. Precisamos de um plano de ação preventivo e repressivo. Isso inclui, por exemplo, enfrentar problemas como o não atendimento no STJ. Temos que apresentar um plano de ação ao presidente do tribunal e, se não for executado, buscar o CNJ para que as medidas necessárias sejam tomadas.
Quanto é o orçamento da OAB? Quanto a OAB arrecada por ano?
Em tese, seria R$30 milhões, mas como nós temos que descontar os 25% de inadimplências, dão R$22,5 milhões, mais ou menos. Desse valor, você tem que tirar 20% para a caixa de assistência, obrigatoriamente.
A senhora foi questionada diretamente sobre sua postura porque fez parte de uma gestão da OAB e agora lança sua própria candidatura. Como a senhora enxerga isso? A OAB está dividida em grupos, e a senhora faz parte de algum grupo ou é independente? Como se apresenta para o eleitor?
Já fiz parte de um grupo, mas rompi com essa situação, pois percebi que meu propósito não se encaixava mais ali. Esse propósito de servir, de abraçar a diversidade e de conduzir as ações de uma forma que a advocacia se sinta protagonista, é algo que valorizo muito. A advocacia pede um posicionamento em questões importantes, e percebi que minha visão já não era mais atendida naquele grupo. Saí porque acredito que é hora de uma mulher ser lançada à presidência. A OAB, com 65 anos de instituição, teve apenas uma presidente, Stefânia Viveiros. A decisão de lançar minha candidatura não foi somente por uma questão de gênero, mas porque me sinto preparada, após 10 anos de atuação, tanto no âmbito administrativo quanto político da instituição. Acredito que sou a candidata que mais entende das complexidades da instituição e do Conselho Federal, e estou pronta para implementar as mudanças necessárias.
Passei por outro grupo político, que prometia abraçar essas ideias, mas, quando percebi que não seria assim, tive a coragem de deixar a polarização de verde e laranja e formar um grupo independente. Nosso grupo é novo e vem ganhando adesão, pois as pessoas percebem que nosso projeto é verdadeiro. Minha história de luta nas três gestões em que atuei já apresentou resultados reais para a advocacia, e é isso que farei se eleita em uma futura gestão.
Houve uma tentativa de unir as duas chapas, a sua e a da doutora Karolyne?
Sim, houve uma tentativa. Conversei com ela várias vezes para que isso fosse possível, pois acredito que as mulheres precisam caminhar juntas nesses ambientes. Hoje em dia, não vejo mais espaço para mulheres como "abelhas rainhas" — como eu costumo dizer —, que tentam alcançar sozinhas estruturas de poder que já são muito concorridas. Fiz o convite para compor uma aliança, trazendo minha experiência dentro da OAB, algo que ela ainda não possui. Isso não a desmerece de forma alguma, pois ela tem experiência em outras áreas de gestão.
Ela iria para a Caixa de Assistência e a senhora seria candidata a presidente?
O acordo seria ela assumir a Caixa de Assistência, e eu seria candidata à presidência. Em uma pesquisa realizada em janeiro, notamos que as mulheres tinham uma pontuação maior, curiosamente. Nomes como Thais, Lenda e o meu apareceram nas pesquisas, enquanto os homens não se destacaram tanto.
Essa divisão acaba favorecendo os outros candidatos?
Mas com certeza absoluta, a situação sempre se favorece com essa quantidade de oposições, mas aí é a questão, ninguém quer abrir mão da cabeça. As pesquisas, já do ano passado e do começo de janeiro, mostram que as mulheres foram vistas como mais competentes, como com possibilidade de arrematar e acolher e atrair mais votos, mas nós não percebemos, dentre os homens postos, aqueles que teriam coragem de abrir essa possibilidade para que uma mulher fosse cabeça de chapa.
O que a senhora tem a dizer especificamente para a advogada? Por que uma advogada deveria votar na senhora?
Acredito muito na importância da representatividade. Recentemente, vi uma pesquisa que mostra como é essencial que as mulheres ocupem posições de liderança para inspirar as próximas gerações a se imaginarem nesses cargos. Isso tem até uma base química: quando vemos constantemente homens nesses espaços de poder, nosso cérebro não nos estimula a querer alçar voos maiores. Para transformar essa realidade e mudar uma geração, precisamos quebrar essas barreiras e ocupar esses espaços. Nossa presença nesses cargos encoraja as mulheres que virão depois a seguirem esse caminho com mais confiança. Dessa forma, estamos abrindo portas para que outras mulheres, no futuro, encontrem menos dificuldades em concorrer e se destacar.
Mas existem também projetos voltados especialmente para as advogadas?
Sim, temos uma preocupação grande com duas questões principais. A primeira é o combate ao assédio, que aparece frequentemente em pesquisas como uma das principais razões que afastam mulheres do ambiente de trabalho na advocacia. Esse assédio pode ser moral ou sexual e ocorre tanto em audiências quanto dentro dos escritórios. Tivemos dois casos recentes aqui no Distrito Federal: uma colega foi cumprimentada pelo chefe com um beijo na boca, e outra foi trancada em uma sala sozinha, conseguindo sair apenas porque a ronda chegou mais cedo. Muitas advogadas não denunciam esses abusos por medo de retaliação ou de perderem seus empregos. Para combater isso, primeiramente, já existe uma lei que define o assédio como infração ético-disciplinar. Em seguida, precisamos criar comitês para receber as denúncias. Esses comitês devem ser coordenados por mulheres e seguir regras de compliance, contando com profissionais de assistência social e psicólogos, para garantir um ambiente seguro para que as advogadas possam denunciar sem medo. Na Comissão Nacional da Mulher, que presido, já iniciamos o treinamento de julgadores do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) para que eles possam entender e lidar adequadamente com processos que envolvem violência contra as mulheres.
Além disso, é importante preparar pessoas para lidar com a violação das prerrogativas das mulheres nas audiências. Esses abusos vão além do assédio sexual e incluem ações como interromper a fala das advogadas. Vemos que não são apenas advogadas que sofrem esses abusos, mas também magistradas e desembargadoras, o que levou a magistratura a adotar normas para proteger suas profissionais. A segunda questão é o estímulo profissional para as advogadas mães. Muitas vezes, ao retornarem da licença-maternidade, elas perdem espaço e são rebaixadas, independentemente do quanto contribuíram antes. Para combater essa discriminação, vamos criar um selo de reconhecimento para os escritórios que oferecem um ambiente de acolhimento e igualdade para as advogadas, promovendo uma cultura mais justa e inclusiva.
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Doutora Cristiane, a senhora falou dessa questão do rombo de R$ 30 milhões na caixa de assistência. A Caixa de Assistência sempre volta, como tema em todas as campanhas. O que originou esse rombo, essa dívida? E o que fazer para que daqui para frente não haja outros rombos?
A questão do rombo de R$ 30 milhões na Caixa de Assistência da OAB é, de fato, um tema recorrente nas campanhas, refletindo um problema de gestão que precisa ser abordado com seriedade. O que originou essa dívida foi, em grande parte, a gestão inadequada de planos de saúde pela OAB ao longo de décadas. Quando essas OABs se envolveram na administração desses planos, enfrentaram a complexidade de gerenciá-los sem os devidos aportes para mitigar os problemas financeiros que surgiriam, especialmente com o envelhecimento dos associados.
Além disso, a rescisão contratual gerou uma dívida inicial de aproximadamente R$ 4,5 milhões, que, devido à morosidade do processo judicial e ao acúmulo de juros e multas, cresceu para R$ 30 milhões. A questão não é apenas sobre a origem da dívida, mas também sobre como lidar com ela agora. Em vez de paralisar o processo, é crucial que a OAB busque um diálogo com a empresa envolvida para explorar opções de negociação, como a possibilidade de descontos, eliminação de juros e multas, e parcelamento da dívida. Para evitar futuros rombos financeiros, é essencial que a OAB contrate profissionais capacitados para a gestão financeira, como um CEO, que possa implementar um fluxo de trabalho eficiente. Isso inclui a criação de uma estratégia financeira sólida, que não apenas busque resolver as pendências atuais, mas que também evite a repetição de erros do passado. Transparência e responsabilidade na administração são fundamentais para garantir a saúde financeira da instituição e a confiança dos advogados que dela dependem.
Como a senhora acha que deve ser o posicionamento da OAB? Qual a relação que deve existir entre o meio político e o jurídico talvez, na sua avaliação?
Nossa independência e autonomia da OAB são fundamentais para a sua função como órgão de classe, especialmente considerando que é o único conselho de classe com previsão constitucional no Brasil. Essa autonomia deve ser a linha mestra nas ações da OAB, permitindo que ela se posicione de forma imparcial em relação às questões que envolvem tanto as prerrogativas da advocacia quanto os direitos da sociedade. É essencial que a OAB não se afilie a nenhuma corrente ideológica ou política, mantendo sua postura de defesa da advocacia e da sociedade. Isso assegura que suas decisões e ações sejam guiadas pela ética e pelo compromisso com a justiça, sem influência externa que possa comprometer sua integridade. O compromisso de não envolver padrinhos políticos na campanha é um ponto importante, pois demonstra uma intenção clara de agir com transparência e responsabilidade. O diálogo deve ser sempre a primeira opção para resolver problemas, mas é igualmente importante ter a coragem de tomar medidas firmes quando necessário. Essa abordagem não apenas reforça a credibilidade da OAB, mas também assegura que ela continue a cumprir seu papel vital na defesa das prerrogativas dos advogados e na promoção da justiça.
A senhora avalia que a postura da atual gestão, presidida pelo Délio, foi atuante em relação aos problemas que houve nesse período que ele esteve no poder?
Acredito que a OAB não tem sido suficientemente incisiva em sua atuação. Até pouco tempo atrás, eu dizia que havia problemas simples a serem resolvidos, como o acesso das pessoas com deficiência ao elevador da rodoviária. Perguntei se já havíamos conversado com o governo do Distrito Federal sobre isso, e a resposta foi não. O mesmo se aplica às questões relacionadas às vagas escolares para autistas; não atuamos nesse sentido.
Embora a independência tenha sido uma bandeira levantada por ele durante toda a gestão, essa postura não se refletiu em relação ao governo do Distrito Federal. Por exemplo, quando o TJ fez um concurso, pedi que a OAB entrasse com um mandado de segurança porque as vagas reservadas para pessoas negras não foram obedecidas. Observamos que pessoas aparentemente brancas estavam concorrendo com pessoas negras, e, novamente, nenhuma providência foi adotada. Para mim, esse é o papel da OAB: ser uma entidade combativa em favor da sociedade. A autonomia e independência da OAB, me parece, não ficaram evidentes nesses seis anos, e precisamos urgentemente retomar essa postura de luta e defesa dos direitos de todos.
A senhora sente que as prerrogativas dos advogados estão sendo violadas em processos que estão em tramitação no Tribunal Superior, como no STF, por exemplo?
Acredito plenamente que sim, e isso é uma afirmação fundamentada na minha experiência como advogada criminalista há 17 anos. Um exemplo claro é o caso dos processos relacionados ao 8 de janeiro, que ainda tramitam de forma física, enquanto todos os outros processos são virtuais. Isso obriga os advogados a contratarem correspondentes ou se deslocarem até o tribunal, o que dificulta o acesso à Justiça.
Outro problema é a exigência de múltiplas procurações. Ao protocolar um documento, o advogado precisa apresentar várias procurações para processos apensados, o que é inédito e desnecessário. Normalmente, uma procuração é suficiente para representar um cliente em todas as suas demandas. Além disso, para acessar os autos, é exigido que o advogado entregue um pendrive e aguarde a autorização, mesmo que a lei, no artigo 7º assegure o direito de acesso, inclusive sem procuração. Isso demonstra claramente que há uma violação das prerrogativas da advocacia. Quando as prerrogativas dos advogados são desrespeitadas, o direito do cidadão envolvido no processo também é comprometido, especialmente no que diz respeito ao direito de defesa e ao devido processo legal. Sobre o movimento no Congresso, que discutiu a anistia para os envolvidos no 8 de janeiro, é importante destacar que a retirada dessa pauta pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, revela uma complexidade nas discussões e um delicado equilíbrio entre as demandas sociais e as questões jurídicas que precisam ser respeitadas. Acompanhar essa situação e garantir que o debate seja feito de forma ampla e justa é essencial para a integridade do nosso sistema jurídico.
A senhora, como advogada, qual é o seu posicionamento em relação ao julgamento dos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro?
Acredito que as pessoas devem ser julgadas de acordo com suas ações. Aqueles que quebraram a lei precisam responder por seus atos. No entanto, é fundamental que haja proporcionalidade nas penas. Tenho notado que, em muitos casos, os envolvidos têm recebido penas extremamente longas, como 17 ou 20 anos, mesmo que todos tenham praticado condutas semelhantes. Isso não é comum nem mesmo em crimes de homicídio, onde as penas são ajustadas de acordo com a participação de cada indivíduo no crime. É crucial que as penas reflitam a gravidade da infração e o impacto que as ações causaram, especialmente em relação à desestabilização do país. Devemos fazer essa distinção entre o que se passa nas urnas e o que acontece em situações de vandalismo. Além disso, essa abordagem punitiva, que parece refletir o que se chama de "direito penal do inimigo", é preocupante. A ideia de punir de forma severa, desconsiderando o devido processo legal, é alarmante e cria uma divisão entre "amigos da lei" e "inimigos da lei". É essencial que todos sejam tratados de acordo com os princípios do devido processo legal.
Portanto, se um indivíduo participou de um ato ilegal, deve ser responsabilizado, mas a pena deve ser justa e proporcional. Não se pode aplicar uma pena uniforme a todos os envolvidos, pois isso representa uma violação do devido processo legal e da justiça.
A OAB falhou nesse sentido?
Sim, acredito que houve uma falha no posicionamento da OAB. É importante que a Ordem não se envolva no mérito dos casos, pois isso pode prejudicar as estratégias de defesa dos advogados. No entanto, a OAB deve se posicionar claramente sobre questões relacionadas à proporcionalidade das penas e à aplicação do devido processo legal. Se olharmos para casos emblemáticos, como latrocínios que envolvem múltiplos autores, percebemos que, mesmo diante de crimes graves, as punições podem variar bastante. A OAB deveria ter sido mais incisiva e atuante nesse debate, defendendo a necessidade de um tratamento equitativo e proporcional nas penas, além de garantir que todos os advogados e seus clientes tenham seus direitos respeitados durante o processo judicial. Essa postura ajudaria a fortalecer a confiança na justiça e a defender os princípios fundamentais que regem a advocacia e o estado de direito.
*Estagiário sob a supervisão de Ana Maria Campos
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