O documento da Polícia Federal que aponta “falhas evidentes” da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) no dia 8 de janeiro de 2023 menciona um relatório de inteligência que a pasta não adotou. O documento, elaborado pelo setor de inteligência da própria SSP-DF e obtido pela reportagem do Correio, mostra que a pasta tinha conhecimento dos riscos de uma invasão no Congresso Nacional.
O relatório de inteligência registra que manifestantes estavam mobilizados em frente ao acampamento na área do Quartel-General do Exército e que havia convocação pelas redes sociais para novas mobilizações em Brasília naquele fim de semana. O documento descreve que o ato era intitulado como a “Tomada de Poder pelo povo”.
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As cinco páginas do relatório, destinadas a subsidiar o então secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, indicam que as divulgações sobre o ato nas redes sociais orientavam que os participantes fossem adultos “em boa condição física, sendo vedado a participação de crianças e daqueles que apresentam dificuldade de locomoção”.
“As divulgações apresentam-se de forma alarmante, dada a afirmação de que a ‘tomada de poder’ ocorreria, principalmente com a invasão do Congresso Nacional. Entre os organizadores da manifestação estariam integrantes de grupos autodenominados de patriotas, além dos segmentos do agronegócio e caminhoneiros. Importa destacar que em transmissão realizada ao vivo, em rede social, houve destaque para manifestação a partir do dia 07JAN23, com participação de milhares de pessoas e vindas de caravanas”, detalha um trecho do relatório da área de inteligência.
O documento também menciona que Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) tinham a intenção de “sitiar Brasília”. “Assinala-se ainda grupo de mensagem, no qual os integrantes seriam conhecidos por CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) e com postagens sobre ‘sitiar Brasília’ e que denotam a intenção de prática de atos de violência no dia 08JAN23. Por meio de grupos de aplicativo de mensagem, constata-se a intenção de organização de caravanas de outros Estados com destino a Brasília para participação dos referidos atos”, aponta o relatório.
O relatório de inteligência foi emitido no mesmo dia em que Anderson Torres viajou aos Estados Unidos, em 6 de janeiro. Mesmo assim, investigadores da PF indicam que a SSP-DF teve conhecimento do conteúdo do relatório, mas não tomou providências.
Os investigadores responsáveis pelo caso explicaram à reportagem que a omissão da pasta ficou clara em uma reunião realizada no dia 7 de janeiro entre o diretor-geral da PF, Andrei Passos, o então secretário-executivo da SSP-DF, Fernando de Sousa Oliveira, e a subsecretária de operações, coronel Cíntia Queiroz. No encontro, solicitado às pressas pela PF, Passos manifestou a preocupação da corporação, informando que o movimento golpista pretendia “ocupar a Esplanada dos Ministérios e contestar o resultado das urnas eleitorais”. Como solução, o diretor-geral solicitou medidas, como o isolamento da Esplanada.
A resposta, no entanto, teria sido contrária ao pedido, com integrantes da SSP-DF afirmando que se tratava de uma “simples manifestação de cunho pacífico”, sem necessidade de fechamento. Com a negativa, Andrei redigiu uma minuta de ofício destinada ao então ministro da Justiça, Flávio Dino, relatando o cenário crítico e os possíveis desdobramentos que poderiam ocorrer. O documento elaborado por Dino foi despachado no mesmo dia para o governador Ibaneis Rocha (MDB).
Todo evento que ocorre em Brasília, é necessário da emissão de um Protocolo de Ações Integradas (PAI). O daquele fim de semana, elaborado também no dia 6 de janeiro, determinava que veículos e caminhões não poderiam adentrar na Esplanada, assim como manifestantes não poderiam chegar até a Praça dos Três Poderes, mas não indicava o potencial risco, de fato, dos atos antidemocráticos que poderiam ocorrer em 8 de janeiro.
"Falhas evidentes"
A Polícia Federal concluiu que houve "falhas evidentes" por parte da SSP-DF, chefiada por Torres, na prevenção dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, que culminaram na invasão e depredação dos prédios do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal, no centro de Brasília.
O parecer faz parte de um pedido de manifestação enviado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), à Procuradoria-Geral da República (PGR). No documento, Moraes solicita um parecer do procurador-geral, Paulo Gonet, e inclui trechos do relatório da PF que apontam falhas da SSP-DF no dia 8 de janeiro.
“Conclui-se que as falhas da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) no enfrentamento das manifestações de 08/01/2023 são evidentes, especialmente pela ausência inesperada de seu principal líder, Anderson Gustavo Torres, em um momento de extrema relevância, aliado à falta de ações coordenadas e à difusão restrita de informações cruciais contidas no Relatório de Inteligência nº 6/2023, foram fatores decisivos que contribuíram diretamente para a ineficiência da resposta das forças de segurança”, cita o relatório.
O processo tramita no âmbito do inquérito 4.923, no STF. O relatório da PF também revela o despreparo da pasta no domingo dos atos golpistas, em 8 de janeiro. “Em suma, a ausência de articulação e de difusão de dados comprometeu a capacidade de antecipar e enfrentar os atos de violência, revelando um despreparo que não pôde conter a escalada dos eventos ocorridos em 08 de janeiro de 2023.”
A PGR terá 15 dias para se manifestar sobre o relatório da PF. As defesas de Torres e Ibaneis solicitaram acesso ao documento, que contém mais de 15 páginas.
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