O Projeto Empoderando Mobilidade e Autonomia (EMA) irá representar o Brasil em Zurique, na Suíça, na edição de 2024 das Olimpíadas Biônicas, conhecidas como Cybathlon. O torneio será entre 25 e 27 de outubro, mas a equipe viaja nesta segunda-feira. O Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB) desenvolveu um triciclo com uma neuroprótese acoplada e irá acompanhar o paratleta Estevão Lopes, que usará o aparelho para competir. Esta será a terceira vez que o EMA participa da competição, nutrindo o seu objetivo de seguir proporcionando melhores condições de saúde para os paraplégicos por meio do exercício físico.
O aparelho foi desenvolvido pelo grupo em 2016, quando convidaram Lopes para ser seu piloto. Eletrodos acomodados nas pernas do atleta produzem pequenas cargas que fazem os músculos se moverem, fazendo com que, mesmo tendo perdido o movimento dos membros inferiores, o ciclista possa pedalar.
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Popularização
O projeto surgiu entre 2014 e 2015 na universidade, já tendo o Cybathlon em mente. Por meio de uma junção dos departamentos de engenharia, fisioterapia e educação física da UnB, o veículo foi elaborado e treinos preparados visando a edição de 2016 do torneio, na qual os brasileiros competiram pela primeira vez. Esses parceiros se juntaram e formaram um projeto com essa aplicação específica, que é o ciclismo com a eletroestimulação.
Coordenador do projeto e professor de engenharia eletrônica na universidade, Roberto Baptista se juntou ao EMA em 2015, quando era aluno de doutorado na UnB. Desde 2019 ele coordena a iniciativa e diz que a maior preocupação do projeto é conseguir disponibilizar essa tecnologia para o grande público, ajudando um maior número de pessoas com deficiências físicas e motoras.
"A gente está caminhando para transformar essa tecnologia em uma tecnologia de mercado, para conseguir disponibilizar (para quem precisa). É um processo árduo e mais demorado do que a gente gostaria, mas temos essa preocupação, e o próximo passo é justamente incluir mais usuários na prática dessa atividade e disponibilizar a tecnologia para o grande público", destaca o professor.
Mobilidade e autonomia
O professor explica que o aparelho funciona por meio do uso de uma neuroprótese, que estimula os músculos paralisados. O veículo inovador permite que pessoas paraplégicas, como Estevão Lopes, possam pilotá-lo com suas próprias pernas. Depois de uma etapa de alongamento e um começo de pedalada assistido, o condutor consegue movimentar suas pernas e controlar a velocidade na qual pilota.
"Quando a pessoa tem uma lesão medular, o que acontece é que tem uma interrupção da comunicação entre o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico. Mas as fibras musculares das pernas ainda estão lá. Com esse tipo de técnica, a gente consegue estimular a contração muscular nos membros paralisados. Se a gente fizer isso de uma forma ritmada e coordenada, a gente consegue fazer com que essa contração sequenciada gere um movimento e é justamente isso que faz com que a pessoa consiga pedalar com as próprias pernas", detalha Baptista.
Já tendo participado do Cybathlon duas vezes, ele diz acreditar que a tecnologia produzida na UnB hoje compete de frente com as dos principais centros de pesquisa europeus, asiáticos e norte-americanos. Por esse motivo, ele declara que as expectativas para a performance brasiliense em Zurique este ano são altas. A equipe já chegou às finais da competição, mas ficou fora do pódio.
Recomeço
Vítima da violência em Brasília, Estevão Lopes perdeu o movimento das pernas após ser atingido por uma bala perdida em 2012. Formado em educação física, ele redescobriu sua paixão pelo esporte durante a reabilitação no Hospital Sarah Kubitschek, onde se tornou paratleta nas modalidades de vela adaptada e paracanoagem.
"Hoje eu sou um cara realizado, costumo dizer que mesmo usando uma cadeira de rodas a minha vida é mil vezes melhor do que era antes. Não porque eu tinha uma vida ruim, mas eu não tinha um propósito. Hoje eu motivo várias pessoas, estou à frente de vários projetos sociais onde, de forma direta ou indireta, eu ajudo mais de 500 pessoas com deficiência. Então, não tem como não ser um cara feliz", celebra Lopes.
A oportunidade de participar do Projeto EMA veio como choque para o esportista, que não acreditou na proposta quando a ouviu pela primeira vez. Apesar de hoje já ter se tornado rotina em sua vida, o ciclismo era algo que ele acreditava ser impossível voltar a fazer, por conta de sua deficiência. Hoje, graças à prática, ele diz que vê os seus músculos das pernas se mantendo saudáveis, combatendo a atrofia.
"Eu já era um atleta de alto rendimento, e a Juliana, fisioterapeuta que era responsável pelo Projeto EMA, me procurou com essa história de que era possível pedalar por meio de um estímulo elétrico. Eu achei que ela era maluca, pois eu não mexo nem um dedo, como ia voltar a pedalar? Ela insistiu até que eu aceitei o convite. Vim fazer uns testes e foi amor à primeira eletroestimulação. A partir do momento que eu tive o primeiro estímulo elétrico na minha perna e meus músculos começaram a funcionar, eu falei que isso estaria comigo para sempre", relata o piloto.
Ele afirma que as expectativas são de sucesso entre a equipe. Além do pódio, o EMA busca mostrar a força da tecnologia brasileira em ambiente internacional e servir de inspiração para pessoas que tenham passado por situações similares e queiram voltar a ser atletas. Lopes diz esperar que a tecnologia sirva um dia não apenas para o esporte, mas também para aqueles que queiram melhorar sua qualidade de vida.
*Estagiário sob supervisão de Eduardo Pinho
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