TRAGÉDIA

Acidente fatal no Cruzeiro alerta para a importância do recall

Marcela Gonçalves morreu após o veículo que ela dirigia colidir com a traseira de um carro e acionar o sistema de airbag. O Correio conversou com especialistas que explicaram a necessidade de atender aos chamados das montadoras

Marcela trabalhava como assistente social no CIEE. Toyota se solidarizou com a família da vítima -  (crédito: Reprodução/ redes sociais)
Marcela trabalhava como assistente social no CIEE. Toyota se solidarizou com a família da vítima - (crédito: Reprodução/ redes sociais)

O acidente ocorrido na Avenida das Jaqueiras, em frente ao terminal rodoviário do Cruzeiro, na terça-feira, levantou debates acerca da segurança dos sistemas de airbag. A assistente social Marcela Gonçalves Feitosa de Melo, 37 anos, perdeu a vida após o veículo que dirigia, um carro modelo Toyota/Etios SD XS, 2015/2016, colidir com a traseira de um veículo HB20, que havia parado na faixa para a travessia de um pedestre.

De acordo com a Policia Militar (PMDF), um Etios colidiu na traseira de um veículo HB20, que havia parado na faixa para a travessia de um pedestre
De acordo com a Polícia Militar (PMDF), o Etios colidiu na traseira de um HB20 que havia parado na faixa (foto: Reprodução/PMDF )

Segundo o delegado-chefe da 3ª Delegacia de Polícia do Cruzeiro, Victor Dan, as investigações preliminares apontam que a vítima perdeu a vida após ter a cervical perfurada por um projétil, supostamente expelido durante o acionamento do airbag. O ferimento causou lesões nos vasos cervicais, o que provocou a morte. Marcela será velada e enterrada hoje, às 13h, no cemitério de Taguatinga. 

O Correio conversou com especialistas que explicaram o que pode ter ocasionado o acidente e deixaram alertas aos condutores. Engenheiro mecânico pela Universidade de Brasília (UnB), João Carlos Wohlgemuth explica que, para se inflar em milissegundos, é gerada uma carga explosiva dentro do airbag. "O saco do airbag é mais grosso do que uma calça jeans. Ele se abre a uma velocidade de, aproximadamente, 300 km/h", detalhou. "No caso do acidente, o receptáculo explosivo perfurou o airbag e causou a tragédia. A espoleta — dispositivo que teria atingido a carótida de Marcela — dá início à queima e é acionada por eletricidade", completou.

A perícia vai analisar se o projétil retirado do corpo da vítima trata-se de uma peça do airbag
A perícia vai analisar o projétil retirado da vítima (foto: Reprodução )

Wohlgemuth ressaltou que o airbag é um item com durabilidade prevista para toda a vida útil do carro. "Por ser um item de segurança, qualquer anomalia (indicada por uma luz de aviso específica no painel) deve ser prontamente verificada e, no caso de campanha de recall, deve ser substituído o quanto antes", alertou.

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Proprietário de um centro automotivo, João Pedro Fonseca do Nascimento alertou para a importância de realizar os recalls. Ao pagar impostos como IPVA e licenciamento, fica visível no documento a pendência, fora os anúncios feitos pela montadora. "Como esse recall está ativo desde 2017 e engloba quase todos os Etios do mercado fabricados desde 2012, a montadora fez um esquema de recall por agendamento, que em primeira instância, reuniu todos os carros, desabilitou o sistema de airbag e colou um aviso na bolsa, indicando que o sistema não estava operante e seria substituído em breve. Depois, foi trocando as bolsas de todos esses veículos afetados aos poucos", lembrou Nascimento.

"A bolsa de airbag que acionou e levou a óbito a condutora do Toyota Etios tem um funcionamento similar a uma arma. Ele tem um recipiente com pólvora, que no momento da colisão é acionado em frações de segundos, fazendo com que a bolsa se expanda rapidamente e amorteça o impacto da cabeça dos ocupantes", observou João Pedro. "O problema é que o deflagrador, com o tempo, apresentou problemas e, com o impacto, se solta do conjunto da bolsa do airbag, podendo atingir o ocupante", acrescentou.

Recall pendente 

O carro de Marcela estava com dois recalls pendentes, segundo informações obtidas pelo Correio no portal de serviços da Secretaria Nacional de Trânsito (SENATRAN). A reportagem constatou que o veículo faz parte do lote que apresenta defeitos no airbag do motorista e do passageiro. "O proprietário deverá procurar imediatamente a concessionária fabricante do veículo. A não reparação do feito coloca em risco a segurança de todos", apontou o resultado da consulta. 

Consta que o registro de recall foi anexado em 23 de novembro de 2020, para o airbag do motorista, e em 24 de novembro de 2020, no caso do airbag do passageiro. Na consulta, não consta data de notificação via e-mail para a proprietária do veículo. O defeito foi descrito como "ruptura da carcaça do deflagrador com riscos de dispersão de fragmentos metálicos junto com a bolsa do airbag".

Icaro Morais, engenheiro automotivo pela Universidade de Brasília (UnB), explicou que a espoleta trata-se de um dispositivo eletromecânico, instalado atrás da almofada do airbag, que, quando acionado, liga uma resistência elétrica que literalmente explode e cria os gases responsáveis por inflar a bolsa.

"O airbag não precisa de manutenção preventiva. A indústria automotiva não orienta que seja feita manutenção periódica porque esse sistema tem uma confiabilidade muito alta. Algumas marcas determinam um prazo de validade, mas geralmente são grandes, como uma década. Nesse caso, se o laudo pericial indicar que a espoleta realmente foi arremessada contra a ocupante, isso com certeza terá sido um erro de projeto, porque esse dispositivo tem de ficar preso no colo do volante", apontou.

Segundo o especialista, o recall é uma "engenharia reversa". Quando a montadora identifica falhas, os veículos fabricados no lote passam por vistoria para fazer a manutenção das peças e os ajustes necessários. 

Para consultar a necessidade de reparos em qualquer veículo, basta acessar o site da Secretaria Nacional de Trânsito e informar o número do chassi ou da placa para obter detalhes do recall. 

O Correio teve acesso ao aviso de risco enviado pela Toyota aos proprietários do veículo modelo Etios, mesmo carro de Marcela. Segundo o comunicado, uma investigação realizada pelo fornecedor do airbag, que fica no Japão, mostrou degradação do componente do deflagrador após longos períodos de exposição a altas temperaturas. "O fato torna a peça mais suscetível a romper-se inadequadamente no caso de colisão do veículo, o que pode provocar a dispersão de pequenos fragmentos de metal da carcaça do deflagrador, juntamente com a bolsa, e causar danos materiais, lesões físicas graves, ou até mesmo fatais, ao motorista e aos ocupantes do veículo", disse o informe da montadora.

Pronunciamento

Por meio de nota, a Toyota posicionou-se sobre o acidente. Leia na íntegra: 

"A Toyota se solidariza com a família da vítima e lamenta o ocorrido. Com relação ao veículo, informa que se encontra com campanha de recall pendente desde 2019. Para que a Toyota possa fornecer mais informações, será necessária perícia técnica.

Aproveitamos para pedir aos proprietários que verifiquem se os seus veículos estão envolvidos na campanha de recall pelo site https://www.toyota.com.br/meu-toyota/servicos/recall, pelo Toyota Assistência 24 horas, no telefone 0800 703 0206, ou diretamente com o concessionário mais próximo. Caso o veículo esteja envolvido na campanha de recall, pedimos que o proprietário entre em contato com a Rede de Concessionárias Toyota para realizar o agendamento. O serviço consiste na substituição do deflagrador da bolsa do airbag, tem duração estimada de até 1 hora e é realizado de forma gratuita."

Investigação

Em coletiva de imprensa realizada na manhã de ontem, o delegado Victor Dan revelou que as investigações apontam que a peça encontrada na cervical da vítima é compatível com a espoleta de um airbag. Ele ressaltou que a confirmação será feita dentro de 30 dias. "Apesar de a peça ser muito semelhante a um projétil de arma de fogo, essa possibilidade já foi descartada", disse. 

O delegado-chefe, Victor Dan, declarou que as informações serão confirmadas em 30 dias
O delegado Victor Dan: informações serão confirmadas em 30 dias (foto: Letícia Guedes )

Perguntado sobre as próximas etapas da investigação, o delegado respondeu que farão questionamentos às empresas envolvidas. "Precisamos saber se houve uma revisão daquele veículo e se durante essa inspeção constatou-se essa falha no sistema." Ele destacou, ainda, que averiguarão se o veículo teve outros proprietários ou se Marcela foi a única dona. Isso porque precisam descobrir se em algum momento houve omissão de quem deveria ter feito o recall no sistema de segurança do veículo. 

Justiça pode ser acionada

Advogada especializada em direito do consumidor, Caroline Panizza explica que, juridicamente, o proprietário do veículo não se compromete diretamente com os recalls no ato da compra, mas é importante que esteja atento às notificações da montadora para realizar as adequações necessárias em seu veículo. "Mesmo com o recall pendente, a família da vítima pode entrar com uma ação judicial contra a Toyota caso seja comprovado que o defeito relacionado ao recall contribuiu para o acidente e resultou na morte da moça. A montadora pode ser responsabilizada pela omissão ou negligência em resolver o problema de segurança previamente identificado", destacou.

"Embora o cumprimento de um recall não seja legalmente obrigatório, é altamente recomendado por razões de segurança e para evitar complicações legais ou financeiras futuras", ponderou a advogada especialista em direito civil e sócia do Carvalho & César Advogados Associados, Solange de Campos.

Segundo a especialista, a montadora pode ser responsabilizada pela tragédia causada pela necessidade do recall. "A responsabilidade pelo defeito de fabricação é da montadora, e a omissão em realizar o recall pode ser considerada uma falha na prestação de serviço", afirmou Solange. "A família pode alegar que a Toyota não tomou as medidas adequadas para garantir que todos os proprietários fossem informados e que o defeito fosse corrigido. Entretanto, se a montadora comprovar, por meio de protocolo de entrega, que informou ao proprietário do veículo sobre a necessidade de se fazer o recall para correção do defeito, pode minimizar sua responsabilidade e culpa, diante da negligência do interessado direto", completou.

Pela lei, a família de Marcela tem direito de receber o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT).

 

Recall: como saber se o carro precisa de reparo da montadora


  • Investigações preliminares apontam que Marcela foi atingida, no pescoço, por uma peça do airbag
    Investigações preliminares apontam que Marcela foi atingida, no pescoço, por uma peça do airbag Foto: Reprodução/Redes sociais
  • A perícia vai analisar o projétil retirado da vítima
    A perícia vai analisar o projétil retirado da vítima Foto: Reprodução
  • De acordo com a Polícia Militar (PMDF), o Etios colidiu na traseira de um HB20 que havia parado na faixa
    De acordo com a Polícia Militar (PMDF), o Etios colidiu na traseira de um HB20 que havia parado na faixa Foto: Reprodução/PMDF
  • O delegado Victor Dan: informações serão confirmadas em 30 dias
    O delegado Victor Dan: informações serão confirmadas em 30 dias Foto: Letícia Guedes
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postado em 03/10/2024 06:00 / atualizado em 03/10/2024 11:57
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