A produção de soja no Distrito Federal será impactada pelo El Niño, fenômeno que influencia significativamente os padrões climáticos em diferentes regiões do mundo, incluindo o Brasil. A constatação é de um estudo realizado pela Embrapa Meio Ambiente e pela Embrapa Cerrados, publicado na revista Agrometeoros. Isso ocorre por conta da demora maior na chegada das chuvas, notada nos anos de El Niño, que muda as datas de semeadura da cultura e altera o ciclo da plantação.
Segundo o levantamento, nos anos de El Niño, o volume de chuvas é 40% menor durante os meses mais importantes para o ciclo vegetativo desse cultivo na região (setembro, outubro, novembro e dezembro), se comparado com os anos de La Niña. A pesquisa analisou registros da série histórica de 1974 a 2022, além de observações diárias na estação meteorológica localizada na área experimental da Embrapa no DF, em Planaltina.
Normalmente, no Distrito Federal, o plantio de soja começa em setembro e vai até dezembro, com a colheita entre fevereiro e maio. Os pesquisadores usaram um simulador de crescimento e rendimento de plantas e, com o uso desse modelo computacional, foi possível simular a produtividade da soja para plantios em diversas datas.
A produtividade da soja foi muito inferior no grupo de anos de El Niño em comparação com os demais grupos, diferença que foi ainda mais evidente quando o plantio simulado se deu nos meses de setembro e outubro.
No pior caso, foi simulado o plantio da soja do tipo BRS 8383IPRO no início de setembro. Nesse caso, a produção média foi de 2.418kg por hectare nos anos de La Niña, enquanto nos anos de El Niño, foram produzidos 493kg por hectare, uma redução de quase 80%. Segundo o estudo, a diferença diminuiu muito quando a semeadura simulada da soja se deu nos meses de novembro e dezembro.
Nesse sentido, o pesquisador Fernando Macena, da Embrapa Cerrados, orienta que o plantio da cultura deve ser evitado em setembro, independentemente da fase do chamado El Niño Oscilação Sul (Enos) e, caso seja realizada, deve ser levada em consideração a maior probabilidade de que a produtividade fique abaixo dos 50 sacos por hectare, o que é um risco. "Nunca se deve pensar em produtividade abaixo de 50 sacos de soja, porque o custo de produção é muito elevado", afirma Fernando Macena.
"Esse fenômeno é conhecido por ter efeitos mais fortes nas regiões Sul, Norte e Nordeste do país. Porém, nesse estudo constatamos que também tem um efeito significativo aqui na região central do Brasil", conclui.
Produtores
Com a aproximação do período de plantio da soja em meio ao fenômeno El Niño, os produtores da região do Planalto Central reforçam a importância de práticas agrícolas adaptadas às condições climáticas adversas. José Guilherme Brenner, presidente da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), explica que uma das principais estratégias utilizadas é o Sistema de Plantio Direto, que consiste em manter a palhada do cultivo anterior sobre o solo, protegendo-o contra erosões, mantendo a umidade e garantindo uma melhor resiliência das lavouras. "A palhada é fundamental para a produtividade e para a saúde do solo, prevenindo a perda de matéria orgânica, que empobrece as terras e reduz a eficiência das lavouras", destaca.
Ronaldo Trecenti, engenheiro agrônomo com décadas de experiência na produção agrícola em Brasília, reforça a necessidade de um bom preparo do solo e tratamento adequado das sementes em períodos de El Niño. "O produtor precisa estar atento à umidade do solo e aguardar até que ele esteja idealmente úmido para iniciar o plantio", afirma. Segundo ele, "isso geralmente requer um acumulado de 50 a 100 milímetros de chuva em uma semana". Além disso, ele enfatiza o papel crucial da palhada, que "funciona como um guarda-chuva e guarda-sol, permitindo uma melhor infiltração da água e evitando a perda de umidade por evaporação", assinala.
Trecenti também menciona a importância da rotação de culturas e da diversificação de variedades para otimizar a produtividade. "É essencial escalonar o plantio com diferentes variedades de soja, considerando o tipo de solo e o ciclo de cada uma. O produtor pode reduzir os riscos de perdas, especialmente durante fases críticas, como o enchimento de grãos, quando as plantas demandam mais água", explica.
Metodologia
O estudo realizado pela Embrapa usou um simulador de crescimento e rendimento de plantas chamado STICS. O sistema recebeu dados de clima, solo e planta, considerando o plantio de duas variedades de soja nos campos experimentais da Embrapa Cerrados.
Os dados de planta e solo foram sempre os mesmos. Segundo o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Alfredo Luiz, na variante clima, no entanto, foram utilizados os registros de chuva, temperatura e radiação solar observados diariamente para cada ano analisado. Foram usados ainda os valores mensais do Indicador Oceânico Niño (ION) — um índice fornecido pela Agência Espacial Norte-americana (Nasa), que desde 1950 traz uma média da temperatura da superfície do mar no Oceano Pacífico.
"O próximo passo será identificar períodos-chave, anteriores ao plantio da soja, nos quais a variabilidade do ION ou de outro indicador do ENOS esteja fortemente relacionada com a produtividade da cultura, uma forma de reconhecer com antecedência a maior probabilidade de aumento ou redução da chuva durante a fase crítica do ciclo da cultura, de forma que os tomadores de decisão possam, a tempo, planejar alternativas de manejo, data de plantio, mudança de cultura ou ciclo de cultivar para reduzir os prejuízos com possíveis efeitos adversos ou obter vantagem quando as condições climáticas previstas forem mais favoráveis", afirma Alfredo Luiz.
Três perguntas para
Leonardo César, advogado especialista em direito empresarial e agronegócio do ALE Advogados Associados
Quais são os direitos que os produtores têm em casos de perda da produção agrícola?
Em se tratando de uma atividade econômica segmentada e verticalmente ligada por elos, a perda da produção agrícola, popularmente conhecida como "quebra de safra", acarreta inúmeros efeitos, a começar pela diminuição da oferta de produtos, impactando, imediatamente, os preços, a arrecadação tributária e o próprio PIB.
Do ponto de vista do produtor rural, que está em um desses elos (dentro da porteira), as consequências acabam se revelando mais gravosas, em uma perspectiva microeconômica, uma vez que esse produtor poderá descumprir contratos de compra venda antecipada dos seus produtos, de financiamento da sua atividade, bem como da aquisição de novas máquinas e terras, entre muitos outros.
De que maneira os produtores podem cobrar seus direitos?
Para exercer o direito de renegociação/prorrogação dos seus contratos de financiamento da atividade, é necessário reunir toda a documentação comprobatória de sua perda e as respectivas causas. Um laudo elaborado por um profissional qualificado, que acompanhou todo o processo produtivo ou que pertença à região afetada, descrevendo os fatores que resultaram na perda de produtividade, é essencial. Além disso, obter decretos de estado de emergência, a nível municipal, estadual ou federal, também pode ser fundamental para sustentar e justificar o exercício do direito, facilitando a obtenção de apoio e dos recursos necessários.
Quais são os trâmites realizados? De que forma a Justiça ampara essas pessoas?
Em posse desses documentos, o produtor afetado poderá se dirigir ao seu credor para solicitar administrativamente a renegociação/prorrogação dos vencimentos dos seus contratos, dentro de uma perspectiva de reposição das perdas. Caso lhe seja negado o benefício ou lhe seja imposto o pagamento de multas, juros e a inclusão de seu nome nos cadastros de inadimplentes, esse produtor, igualmente, poderá recorrer ao Judiciário para obter o bloqueio dessas cobranças ou negativas ilegais.
Noutro giro, é necessário consignar a importância do seguro rural para prevenir que situações como essa gerem consequências ainda mais graves, sobretudo porque a indenização resultante desse contrato será fundamental para a recuperação financeira do produtor. Nessa contratação, o produtor contará com subsídios do Governo Federal, por via do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), que custeia até 8% (oito por cento) do valor do prêmio estipulado na apólice contratada.
Saiba Mais
Para saber mais
O El Niño Oscilação Sul (Enos), caracterizado pela interação entre a atmosfera e o oceano, no Pacífico Equatorial, é dividido em duas fases: El Ninõ e La Ninã. No primeiro, é registrado um aumento na temperatura dos oceanos. Já o segundo, corresponde ao resfriamento dessas águas.
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