Cidadania

Conheça algumas histórias de refugiados instalados no Distrito Federal

No núcleo rural Café sem Troco, um grupo de imigrantes foi acolhido pela comunidade. Vindos da Venezuela, os Warao Coromoto foram recebidos pela Escola Classe Café sem Troco, onde têm aulas em português e espanhol e na própria língua Warao

Alberto, Santa e seus colegas misturam português, espanhol e warao na turma de Maria Janerrandra -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
Alberto, Santa e seus colegas misturam português, espanhol e warao na turma de Maria Janerrandra - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

De acordo com o DataMigra BI, base de dados federais sobre Migração e Refúgio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Distrito Federal recebeu 214 solicitações de refúgio no primeiro semestre de 2024, vindas de 34 países diferentes. A vida desses imigrantes requer adaptação, mas há comunidades estrangeiras que encontram seus espaços e contam com o acolhimento do povo brasiliense para superar os obstáculos encontrados.

No núcleo rural Café sem Troco, um grupo de imigrantes foi acolhido pela comunidade local. Vindos da Venezuela, os Warao Coromoto foram recebidos pela Escola Classe Café sem Troco, onde têm aulas em português e espanhol e na própria língua Warao.

A oportunidade de aprender em seu idioma natal vem do Cacique Eduardo Vaz e de Ismena Del Valle Sánchez, dois membros da comunidade indígena que trabalham na escola como educadores voluntários. Ismena conta que, desde que chegaram, receberam ajuda para vender suas peças de artesanato e até com a construção de alojamentos, uma cozinha e um banheiro na comunidade. Outro ponto importante foi a introdução das crianças Warao à escola onde ela hoje ensina.

"Nos ajudaram com um pouquinho de dinheiro quando chegamos. Passamos três anos aqui e estamos conhecendo (o local). Tenho dois filhos, que não estavam estudando na Venezuela, e hoje eles estudam e estão aprendendo espanhol e português", celebra Ismena. 

Uma das alunas indígenas que hoje frequentam a escola, Santa Eduviges Lorenzana diz que não teve tantas dificuldades de adaptação. A convivência com os colegas brasileiros foi facilitada pela professora Maria Janerrandra Pereira, que foi contratada para trabalhar no local por ser fluente em espanhol e hoje faz a mediação entre os alunos recém-chegados.

A menina de 15 anos lembra que, para chegar à capital federal, sua comunidade passou por outras cidades do país. Os Warao moraram temporariamente em lugares como Boa Vista, Manaus, Porto Velho e Rondonópolis buscando conseguir dinheiro o suficiente para continuar sua jornada. 

Colega de classe de Santa, Alberto Nazareth, 16, diz ter tido dificuldades para se adaptar à nova língua. Além disso, o menino ainda lamenta que seu pai não tenha encontrado emprego na nova cidade, algo que tem sido um empecilho para a família. Apesar disso, o menino se mostra bastante grato pela oportunidade de estudar e por seus novos amigos brasileiros.

Oportunidade

Além da comunidade Warao, a crise na Venezuela também fez com que muitos outros cidadãos do país vizinho buscassem um novo lar no Brasil onde pudessem ter um recomeço, com melhores oportunidades. No Itapoã, alguns desses imigrantes encontraram uma chance de sustento no Mercado Del Lago. Funcionário do açougue do estabelecimento, Leynnon Giron está há quase dois anos no Brasil e diz que está começando a se adaptar à nova realidade.

"Minha filha hoje está na escola, mas ela também custou a se adaptar. Aqui falam um idioma, e ela veio só sabendo espanhol. Pouco a pouco, ela está falando mais. Hoje, depois de dois anos, já tem feito muitos amigos e tem aprendido português, fala melhor que eu", explica o venezuelano. 

Apesar de hoje ter conseguido o emprego que procurava, ele lamenta que passou por dificuldades na chegada ao novo país. Antes de chegar à capital, Leynnon e a família moraram em Chapecó (SC), onde chegaram a passar dois dias em situação de rua. Mesmo trabalhando, ele diz que acredita que, em Brasília, encontra menos oportunidades do que tinha em Santa Catarina, o que lhe deixa grato por sua ocupação atual.

  • Na capital, o venezuelano Leynnor Giron conseguiu emprego como açougueiro
    Na capital, o venezuelano Leynnor Giron conseguiu emprego como açougueiro Henrique Sucena
  • O hondurenho Gustavo Velásquez contou sobre dificuldades para se adaptar ao DF
    O hondurenho Gustavo Velásquez contou sobre dificuldades para se adaptar ao DF Acervo Pessoal
  • Ismena Del Valle Sánchez é uma das líderes da comunidade e trabalha na escola como educadora voluntária
    Ismena Del Valle Sánchez é uma das líderes da comunidade e trabalha na escola como educadora voluntária Ed Alves/CB/DA.Press
  • Alberto Nazareth, de 16 anos, relatou dificuldades para se adaptar ao idioma local
    Alberto Nazareth, de 16 anos, relatou dificuldades para se adaptar ao idioma local Ed Alves/CB/DA.Press
  • Professora Maria Janerrandra chegou à escola para fazer a ponte com os alunos por falar espanhol
    Professora Maria Janerrandra chegou à escola para fazer a ponte com os alunos por falar espanhol Ed Alves/CB/DA.Press
  • Santa Eduviges, 15 anos, relembrou longa jornada da comunidade pelo país até chegar ao DF
    Santa Eduviges, 15 anos, relembrou longa jornada da comunidade pelo país até chegar ao DF Fotos: Ed Alves/CB/DA.Press

Adaptação 

Muitos jovens vêm ao país para estudar. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), são aproximadamente 19.700 estrangeiros que estavam registrados em cursos acadêmicos no Brasil em 2022. Um deles é o hondurenho Gustavo Velásquez, de 23 anos. Nascido em Tegucigalpa, capital de seu país, ele veio primeiramente para Goiânia e, em 2022, virou estudante de engenharia civil na Universidade de Brasília (UnB). 

O jovem de Honduras, entretanto, diz ter encontrado diversas dificuldades para se adaptar ao DF. Além das questões financeiras com um custo de vida mais alto, ele lamenta que não encontrou em Brasília a mesma recepção goiana. Velásquez afirmou que passou por experiências que dificultaram seu acolhimento na cidade, incluindo quando chegou e descobriu que a universidade não fornecia transporte aos estudantes na saída do aeroporto.

Assim como Velásquez, o guatemalteco Diego López de León, também de 23 anos, mudou-se para Goiânia antes de vir à capital federal. Estudante de engenharia aeroespacial na UnB, ele nasceu em Quetzaltenango e, apesar de concordar com o hondurenho que a cidade goiana foi mais receptiva, ele diz que vê Brasília como um lugar acolhedor. 

López afirma que ainda sente falta de coisas em seu país natal, como a comida e sua família. Esse sentimento de saudade é algo compartilhado por muitos imigrantes. Apesar disso, ele acredita já estar bem mais adaptado ao Brasil do que quando chegou em Goiás — ele está há três anos em solo brasiliense.

Condições necessárias

Professor do Departamento de Estudos Latino-Americanos do Instituto de Ciências Sociais na UnB e coordenador do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), Leonardo Cavalcanti compartilha a opinião de que esses imigrantes, quando chegam ao país, enfrentam dificuldades para se adaptar à língua e para achar acolhimento, além dos efeitos psicológicos da saudade do que deixaram para trás.

"Muitas vezes, os imigrantes vêm com uma visão diferente, gostam de outras comidas, adoram outros deuses e têm outros hábitos culturais. Essas pessoas vão ter que ir se adaptando e se integrando também à nova cidade, ao novo país. Portanto, é fundamental que a gente tenha as condições necessárias para que elas possam se desenvolver e minimizar um pouco essas dificuldades", comenta Cavalcanti.

*Estagiário sob supervisão de Patrick Selvatti


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postado em 10/10/2024 06:55
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