A olho nu e na garganta não houve quem não sentisse o impacto do incêndio que massacrou o Parque Nacional de Brasília, nesta semana. Detido em dados físicos, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Henke (do Departamento de Ecologia) foi a campo, tão logo dos primeiros efeitos do agravamento da respiração para os brasilienses. O intuito foi abastecer de dados o Projeto Prometeu, e, na observância da relação entre incêndios florestais e poluição urbana, o pesquisador teve por meta alertar sobre a "ponta do iceberg" na condição alarmante atual e a necessidade da valorização dos órgãos ambientais, capacitados a antever padrões de clima urbano.
Preocupante, mas não alarmista, foi parte do resultado: índice para a aferição de poluição estimado a gravitar até 40 microgramas por metro cúbico de material particulado fino, a pontuação teve picos de elevação para mais de 900 no DF. Mesmo seis dias depois do incêndio, há reflexos com índice que chega a 164.
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"A fumaça das queimadas é muito nociva. O material particulado pode trazer em si muitas coisas, desde vírus, poeiras, argila, fuligem. Há possibilidade de chegar aos alvéolos pulmonares e até atingir cérebro ou tecidos cardíacos. Crianças com asma sofreram, os valores tornaram agudos efeitos em pessoas com comorbidades", exemplifica Carlos Henke. A exposição por curto período, ao cenário desolador da capital, amenizou a situação, pelo que pontua o professor.
Cancelamento de aulas, desperdício de alimentos no comércio (dada a restrição de consumidores) e exposição de bombeiros (na esfera civil) com inexistência de insalubridade são elencados, para além dos impactos na biodiversidade. Distante do modelo do sistema Purple Air (fixo), implementado em escola pública da 115 Norte, as aferições da equipe de Henke aderiram à circulação, com uso da sonda meteorológica Obá por circuito da cidade — contemplando UnB, trecho da EPIA, Eixo Monumental e trechos da W3. Foi a primeira do Projeto Prometeu nesta escala.
Impacto regional
Os índices do experimento tratam de uma exceção em cena atípica da degradação da qualidade do ar. Um sinal preocupante está no fato de o quadro pintado não estar exclusivamente associado à situação no DF — complicações de focos de outras áreas do país afetaram os dados (e seguem impactando). "Não se trata de uma situação pontual, estende-se para o regional. É uma circunstância que não pode ser ignorada, para que o pior não venha a ocorrer", explica o ecólogo.
Junto com as medidas de material particulado fino, a pesquisa também traçou o comportamento dos valores de monóxido de carbono (gás capaz de ocasionar mortes). Brasília chegou a registrar praticamente a décima parte de situações dadas como intoleráveis. "Dá para se ficar esperto: houve índices de 10 partes por milhão. Numa atmosfera dada como ideal, a quantidade é de 0.5 ppm. O aceitável em um padrão urbano é de 2 ppms. A 9 ppms, a Organização Mundial da Saúde orienta que um cidadão fique exposto, ao máximo, em oito horas", observa Carlos Henke. A exposição circunstancial bateu a casa das duas horas e meia, no índice 10 ppms.
Luz amarela
Ligar a luz amarela veio como efeito para o pesquisador, atento ainda a níveis de saúde social e mental, não apenas atido à questão física. "Não gosto de investir, nunca, numa perspectiva de futuro distópico. Grosso modo, as pessoas que estavam em altitudes mais baixas (houve variações de 180 metros, no levantamento) sofreram mais (como caso das imediações do lago Paranoá). Críticas situações futuras ainda virão derivadas do incêndio florestal. As cinzas terão impacto nos rios, quando vierem escoadas pelas chuvas", avalia. Numa jornada de 16 minutos, pela internet, é possível acompanhar resultados da jornada de Henke, que coletou dados na terça passada (17/9), em duas voltas pelo circuito citado.
Em uma hora, entre as curiosidades, ele levanta a redução na carga de poluentes (mais perceptíveis ao fim do dia e especialmente à noite). Num dado momento do vídeo (sob produção da Fundação de Apoio à Pesquisa do DF e do CNPq), o professor atenta para a ação nociva do fogo subterrâneo no Ribeirão do Bananal — que demandou "hercúleo" trabalho dos bombeiros, destacados para cavar trincheiras a fim da contenção das chamas. A presteza na ação dos bombeiros, que controlaram a situação em três dias, é exaltada pelo pesquisador, num comparativo com chamas que se arrastam por semanas no Brasil.
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