OCUPAÇÃO

PPCUB revogou lei que permitia atacadão nos arredores do Mané; entenda

Ibaneis vetou a construção de um empreendimento atacadista nas proximidades do estádio. Sanção do PPCUB não traz atividades de uso para a área, mas revogou decreto anterior que estabelecia parâmetros

Com a sanção do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), em agosto, diversas leis complementares foram revogadas, entre elas a Lei Complementar nº 946/2018, que permitia a instalação de atividades comerciais nas proximidades do Estádio Mané Garrincha, pilar de uma construção recente que gerou polêmica na capital.

A norma revogada, vigente até a sanção do PPCUB, estabelecia regras de uso e ocupação do solo para o Setor de Recreação Pública Norte (SRPN), região onde se planejava construir um empreendimento atacadista. Além dessa possibilidade, a lei também permitia a implementação de mais de 100 atividades, abrangendo usos comerciais, institucionais e de prestação de serviços.

Com 782 páginas, o texto do PPCUB, que agora regula as permissões para áreas tombadas de Brasília, não contempla autorizações específicas para o SRPN. A reportagem apurou, junto a fontes do governo local, que o Executivo pretende enviar à Câmara Legislativa (CLDF) um projeto de lei complementar para restringir o uso da região a atividades exclusivamente esportivas, de lazer e turismo.

Nesta sexta-feira (20/9), o governador Ibaneis Rocha (MDB) anunciou o veto à construção do empreendimento atacadista nas proximidades do Estádio Mané Garrincha. A decisão foi confirmada pelo chefe do Executivo ao Correio.

O Governo do Distrito Federal (GDF) também decidiu por suspender dois alvarás de construção, de 2021 e 2022, que permitiam a construção da obra nos arredores do estádio. O despacho foi assinado pelo pelo secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), Marcelo Vaz, endereçado a Central de Aprovação de Projetos (CAP) — responsável pela área.

“O presente processo foi instaurado com o objetivo de apurar possíveis irregularidades veiculadas por portais de notícias que relatam a construção de um estabelecimento atacadista no Setor de Recreação Pública Norte (SRPN) – Área A, especificamente na unidade imobiliária onde está localizado o Estádio Nacional Mané Garrincha”, cita o documento.

Os alvarás permanecerão suspensos, de acordo com o texto, "até que sejam apuradas as características das edificações em construção e a respectiva conformidade com as licenças emitidas".

Reação

A decisão de Ibaneis fez com que a concessionária Arena BSB, responsável pela gestão da área, recuasse e optasse por suspender as obras "até garantir o alinhamento do projeto com os interesses dos cidadãos de Brasília" (veja a nota completa abaixo).

A área, até antes da publicação do PPCUB, era destinada a edificações voltadas para o esporte, lazer e comércio associado. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu um inquérito para investigar o caso.

Já o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou à reportagem que realizará uma vistoria no empreendimento. Equipes serão enviadas ao local até terça-feira (24/9) para verificar se a intervenção está de acordo com as etapas previstas no projeto. Era previsto no local um atacadão do grupo Costa.

Polêmicas

A reportagem do Correio mostrou, na noite de quinta-feira (19/9), que a construção tem gerado polêmica entre urbanistas, por ferir regras do uso e ocupação do solo, além de contrastar com a qualidade das construções que fazem parte do Eixo Monumental. Mesmo que a área seja destinada a edificações de caráter esportivo, lazer e comércio associados, o urbanista Pedro Grilo apontou irregularidades. "O que vemos é uma concessão que realizou um concurso a contragosto. O projeto vencedor é magnífico, mas nunca foi executado. Em vez disso, a concessionária tem feito uma série de intervenções inadequadas no entorno do estádio, cercando-o para a realização de eventos. Isso é inaceitável, pois nada no Eixo Monumental deveria ser cercado", criticou.

Grilo ainda acrescentou sinalizando que a qualidade das obras é duvidosa. "Essas ações tornam o local, que já é inóspito e precário, ainda mais desagradável. As intervenções provisórias contrastam fortemente com a qualidade das obras existentes no Eixo, como o Palácio do Buriti", concluiu.

Frederico Flósculo, urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), destacou que ainda existem impasses sobre o uso do solo. "Há um problema sério na condução das propostas, que deveriam ser baseadas em análises diagnósticas e pesquisas. Brasília tem espaço suficiente para que muitas intervenções ocorram sem afetar o tombamento", criticou.

Flósculo também ressaltou a falta de fundamentação técnica nas decisões. "As políticas públicas precisam ser realizadas de maneira científica e técnica. Não estamos vendo isso acontecer. Algumas decisões podem não violar o tombamento, mas ferem o bom senso. O GDF deveria ouvir mais a população, e isso não está sendo feito", completou.

Veja nota da Arena BSB: 

"A concessionária Arena BSB esclarece que as obras iniciadas recentemente são parte de uma nova área comercial e de entretenimento, que vai trazer ainda mais opções de lazer para a população brasiliense.

Buscando sempre a transparência e o diálogo, paralisaremos estas obras até garantir o alinhamento do projeto com os interesses dos cidadãos de Brasília, através do diálogo com as autoridades competentes.

Desde que assumiu a concessão, a Arena BSB sempre esteve empenhada em modernizar os equipamentos concedidos, e já se tornou uma referência no turismo de nossa cidade, recolocando Brasília no roteiro dos grandes shows e eventos esportivos nacionais e internacionais."

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