DESENVOLVIMENTO URBANO

Combate às queimadas mira na ação de grileiros do DF

Para conter a ação das pessoas que querem, de forma irregular, expandir a terra que invadem, o governador Ibaneis Rocha acionou a Polícia Civil. O Correio ouviu especialistas sobre possíveis consequências e soluções para o uso de espaços públicos

Problema histórico no Distrito Federal, a grilagem de terras tem mobilizado o governo local e preocupado ambientalistas. Neste ano, a situação é agravada pelo avanço das queimadas na região que, segundo especialista, é causado, em boa parte, pela ação de grileiros.

Na última semana, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, declarou que a Polícia Civil (PCDF) está investigando o possível envolvimento de grileiros nas queimadas que têm atingido áreas florestais do DF. "Eu tenho aqui um acompanhamento que vem sendo feito pela Polícia Civil, e notamos que existem queimadas em áreas que os grileiros querem expandir a grilagem no Distrito Federal. Alguns casos precisam ser realmente apurados, mas as notícias que chegam primeiro são de pessoas que querem entrar nessa questão da grilagem", afirmou o governador.

Na opinião de Carlos Maroja, juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), titular da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, "o maior causador do problema ambiental no DF é a grilagem". "Provavelmente os incêndios vêm sendo causados para propiciar o avanço sobre terrenos, após a remoção da vegetação pelo fogo. As polícias até se esforçam para investigar e reprimir, mas parece-me que têm uma estrutura escassa para o tamanho do desafio", acrescenta.

Para o professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB), Reuber Brandão, as queimadas são propositais. Esses incêndios, que estão ocorrendo fora dos períodos de raios, são, certamente, resultado da ação direta e intencional de pessoas. Essa intencionalidade ocorre por costumes antigos arraigados na sociedade, como a "queima de lixo", a "queima para formação de pastagens", a "queima para a caça" e a queima para "limpar" áreas. No entanto, ao longo do tempo, e mais recentemente, parece que queimar a vegetação nativa tem sido utilizado como ferramenta ideológica, empregada por aqueles que querem, de alguma forma, manifestar agressividade contra o meio ambiente", desaprova o especialista.

Segundo o professor, os incêndios que ocorrem no DF podem ser considerados ecoterrorismo. "Podemos, sim, considerar que tais ações visam causar uma sensação coletiva de medo, ansiedade e horror. Com isso, podemos dizer, ao menos de forma retórica, que tais eventos são formas de ecoterrorismo", explica.

Na mesma perspectiva, Maroja afirma que é necessária a atenção do Legislativo para a prática. "Não só o ecoterrorismo, mas também o ecocídio deveriam ser objeto de atenção pelo legislador. Se o terrorismo e o genocídio são crimes abomináveis, com muito mais razão devem ser considerados o ecoterrorismo e o ecocídio, que atingem não apenas seres humanos, mas todas as formas de vida, inclusive e principalmente a humana", afirma.

De acordo com o diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Sinduscon-DF, Luciano Alencar, os grileiros têm hoje em dia um novo modo de agir. "Muitas vezes, os criminosos usam diversos artifícios para tentar descaracterizar uma área ambiental, porque uma área devastada chama menos atenção e é mais fácil para ser parcelada de forma irregular", aponta.

Por meio da Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal), o governo tem monitorado todo o território de forma constante, utilizando equipes de campo e tecnologias, como drones e imagens de satélite. Ao todo, a secretaria realizou 575 operações de desobstrução de áreas públicas neste ano, que resultaram em 6.045.755 m² desocupados em todo o DF.

Kayo Magalhães/CB/D.A Press -
Kayo Magalhães/CB/D.A Press -

Em 2023 foram feitos mais de 300 relatórios para diferentes pontos de todo o DF. Esse trabalho de monitoramento ajuda a balizar ações realizadas pela fiscalização de obras e as operações de desconstituição de ocupações irregulares de áreas públicas.

A unidade de geoprocessamento da DF Legal conta com o monitoramento de satélite, em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente (Sema) e do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), por meio do Sistema Distrital de Informações Ambientais (Sisdia) e do Secure Whatch, uma plataforma geoespacial que permite acesso às imagens de satélite. A secretaria conta também com o programa Brasil Mais e tem promovido o mapeamento de todo o DF, aplicando o fluxo das operações Pronto Emprego, que tem o objetivo de desconstituir parcelamentos irregulares e invasões de áreas públicas.

Assentamento

Na última quinta-feira, a DF Legal realizou uma operação de derrubada no condomínio Golden Park, localizado nas chácaras 105/107, no assentamento 26 de Setembro, região entre o Parque Nacional e a Floresta Nacional (Flona). Duas casas foram demolidas como parte de uma ação de combate à ocupação irregular de áreas públicas. O local onde ocorreu a demolição, chácaras 105/107, foi apontado como foco de desmatamento, ameaçando a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) do Córrego Cabeceira do Valo. De acordo com a DF Legal, duas famílias estavam ocupando construções inacabadas e a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) ofereceu acolhimento, porém, a oferta foi recusada.

Até 2022, o assentamento 26 de Setembro pertencia à Flona. Com a Lei 14.447/2022 a área da floresta foi reduzida em 43% e o assentamento foi desafetado. A expansão irregular na região teve início antes de 2002, sendo alvo de várias ações fiscais ao longo dos anos. Em 2023, foram realizadas 79 operações e, até agosto de 2024, foram 12, visando coibir o parcelamento e uso irregular do solo.

Conservação

Entre Áreas de Preservação Ambiental (Apas), Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie), reservas e parques, o Distrito Federal conta com 86 unidades de conservação. Possíveis ocupações irregulares nestas áreas preocupam especialistas.

Vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF (Cau), Renata Seabra alerta quanto à importância de o governo fortalecer programas habitacionais para evitar que as invasões ocorram. "O ideal é que o governo ofereça moradias de baixo custo em áreas formais da cidade, em vez de esperar que as ocupações irregulares aconteçam para, depois, regularizar. Não conseguimos ter qualidade urbana quando a ocupação acontece dessa forma", afirmou a arquiteta e urbanista. "É preciso aproveitar que as leis urbanas estão sendo discutidas para criar instrumentos para desencorajar esse tipo de ocupação, apoiar a fiscalização, ter recursos e ação de polícia para combater a grilagem", acrescenta.

A especialista pontuou que a fiscalização precisa ser intensificada. "O GDF tem condição de fazer esse monitoramento e investir em fiscalização pesada. As construções acontecem muito no período da noite. É preciso que a fiscalização aconteça também neste período", defende.

A Delegacia de Combate à Ocupação Irregular do Solo e aos Crimes contra a Ordem Urbanística e o Meio Ambiente (Dema) é um braço da Polícia Civil do DF que fortalece trabalho preventivo e repressivo. "Temos um trabalho integrado com diversos atores, tais como DFLegal, Ibram, Terracap, ICMbio, Administrações regionais, MPDFT e, especialmente, da população por meio de denúncias anônimas. Todos os órgãos, quando tomam ciência de algum fato nessas áreas comunicam os demais com o objetivo de realizar operações integradas", informou o delegado titular Douglas Fernandes de Moura.

Fórum

Avanços dos incêndios e demais consequências ambientais provocados pela grilagem serão discutidos na próxima terça-feira, das 8h às 12h20, em evento presencial realizado pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), no auditório da entidade. A entrada é gratuita e a inscrição pode ser feita pela internet. O 2º Fórum Grilagem e Consequências Ambientais no Distrito Federal é organizado pela Diretoria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (DMAS) do Sinduscon-DF. Durante o evento, autoridades do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público vão apresentar as principais estratégias de combate ao crime que têm aumentado seus impactos na sociedade.

Palavra de especialista

Desde que Brasília surgiu, há assentamentos irregulares, especialmente em Áreas de Preservação Ambiental (Apas). Temos uma taxa de crescimento demográfica histórica na ordem de 50 mil habitantes por ano. As pessoas precisam morar em algum lugar. Para aprovar uma área de extensão urbana e atender essa demanda habitacional leva-se muitos anos. Portanto, há um descompasso entre o aumento demográfico e a oferta de moradia. Boa parte da população não tem condições de comprar imóveis em áreas regulares porque Brasília é uma cidade cara. Daí, as pessoas acabam indo morar em áreas irregulares, assumindo o risco de haver uma derrubada.

As invasões acontecem, principalmente, em áreas ociosas. Temos em Brasília mais de 70 parques sob gestão do Ibram, mas a grande maioria destes não são explorados pela população e acabam virando depósito de coisas ruins como ilícitos, drogas, invasões. Há muitas áreas ociosas dentro do perímetro urbano sem uso para conservação, educação ambiental, pesquisa científica ou coisa parecida. Estas áreas não estão sendo gerenciadas de forma apropriada, por isso viraram alvo fácil para grileiros.

Outro aspecto importante é que as empresas que querem fazer um loteamento em área nova dentro da legalidade têm uma concorrência desleal com a grilagem de terras. O preço da grilagem é mais barato, porque não há estudo ambiental, implantação de infraestrutura de água, esgoto e drenagem, daí o grileiro vende mais barato. Mas, depois o ônus fica para a sociedade. Sol Nascente, Pôr do Sol, Itapoã e várias outras regiões foram invadidas e depois o governo precisou arcar com a administração. E aí a consequência é disso. Você vai ter os desmatamentos irregulares, ilegais nessas áreas.

Por conta da falta de infraestrutura, vai ocorrer a impermeabilização do solo, a formação de erosões, principalmente nos cursos d'água, nas chamadas áreas de preservação permanente, erosão, contaminação do solo, redução da recarga do lençol freático. Além disso, há impactos contra a fauna, que vive na vegetação e quando esta é destruída, a fauna acaba morrendo junto. São várias as consequências ambientais e para a sociedade também, porque uma área invadida não tem infraestrutura e a sociedade, como um todo, acaba sendo penalizada.

Christian Della Giustina, Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB)

 

 

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