Os efeitos para a saúde mental causados pelo vício em jogos de azar on-line foram tema do programa CB.Saúde — parceria entre o Correio e a TV Brasília, que teve como convidada Helena Moura, psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).
Às jornalistas Carmen Souza e Mila Ferreira, ela afirmou que, entre os jogadores, o risco de suicídio aumenta muito. A médica também abordou a influência da crise climática, especialmente das ondas de calor, nas pessoas. Crianças, idosos e aqueles que têm transtornos mentais são os mais prejudicados.
Estamos realmente passando por esta crise de saúde psicológica devido às apostas on-line?
É realmente muito preocupante. Pela primeira vez, estou vendo, chegando na clínica, muitos pacientes com essa questão. Antes, em quase 10 anos de consultório da parte clínica, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto no privado, eu tinha visto um ou dois pacientes com transtorno de jogo. Agora, praticamente toda semana está aparecendo pelo menos um caso, todos com uma história muito parecida. A pessoa começa por brincadeira, apostando on-line em jogos que simulam um cassino. Quando ela vê, está com uma dívida enorme. Então, infelizmente, está se tornando cada vez mais frequente. E quanto antes a gente agir, mais a gente vai conseguir proteger a população.
É possível pensar em um limite seguro?
Eu diria que, talvez, o limite seguro seja aquele bolão da família, ou da firma, que é uma coisa entre amigos, que se faz de brincadeira. A aposta não é tão alta, o prêmio não é tão alto, está todo mundo em uma posição igual. A questão dos jogos eletrônicos, de bingo e de cassino é porque são empresas. Se é uma empresa, ela não vai se dar ao trabalho de criar tudo aquilo se não for para lucrar. Lançam mão de estratégias para isso. Então, a partir do momento em que a pessoa decide optar por esse tipo de jogo, ela já tem que se dar conta de que vai perder, em algum momento.
A senhora acha que se forem proibidas a propaganda e a divulgação das apostas on-line, haverá algum efeito positivo?
Isso ajuda, mas tem que, principalmente, restringir a oferta. A oferta cresceu muito, ficou muito fácil acessar os jogos. Isso não só facilita com que a pessoa comece a jogar, como dificulta para as pessoas em volta que percebam. Você conseguia perceber alguns sinais mais cedo. Agora, a pessoa está no celular e a família, muitas vezes, não percebe. E, às vezes, vai perceber quando a situação está muito grave.
O que leva a pessoa a perder o controle e entrar nesse looping de jogar sem limites?
É muito parecido com abuso de drogas, tanto lícitas quanto ilícitas. Isso estimula a região de prazer do cérebro. A gente quer essa sensação de novo. Aí, a pessoa vai jogando. E uma peculiaridade desses jogos é que é um ganho muito imediato. Você baixa rápido a perspectiva, você começa a jogar, você já começa ganhando alguma coisa. Isso gera o estímulo de a pessoa a ficar sempre naquela expectativa de começar a ganhar mais. Assim, começam a surgir distorções cognitivas, como achar que tem controle sobre aquele jogo. É a questão de a pessoa achar que está sempre quase acertando ao invés de estar sempre perdendo.
E o que fazer, por exemplo, no caso da família?
A primeira coisa é sentar, conversar, procurar entender a situação e se colocar disponível para apoiar. É claro que, nessas horas, vem muita raiva, muita revolta. Às vezes, é o patrimônio de toda a família que está em jogo. Mas é importante sentar, conversar e começar a pensar em estratégias para resolver aquela situação. Isso envolve buscar ajuda psiquiátrica e psicológica também, ainda que o tratamento do jogo em si seja extremamente desafiador. Em mais de 80% dos casos, a pessoa tem alguma comorbidade, seja de depressão ou de ansiedade. O risco de suicídio aumenta muito. Entre os jogadores, a taxa de suicídio chega a 15%; e 80% das pessoas que têm problema com jogo, em algum momento, pensaram em morrer. Então, a pessoa vai precisar de ajuda para isso. Minha orientação para a família é tentar, de alguma forma, ajudar essa pessoa a não ter muito acesso, porque, às vezes, é difícil ainda ir dominando o controle. É um trabalho longo.
Outro problema atual é a crise climática. Qual é o efeito que isso pode ter na saúde mental das pessoas?
Existe esse efeito indireto, o que se chama hoje em dia de ecoansiedade. A pessoa está percebendo que o clima está diferente, que isso está afetando a vida dela e não está com muita perspectiva de que isso vai melhorar ou que estão, de fato, tomando medidas para reverter ou mitigar essa situação. E tem o efeito direto do calor, é uma coisa que às vezes não se fala tanto assim. Dependendo de onde a pessoa mora, não vai conseguir proteger as medicações que toma. A maioria diz na caixinha: "cuidado com temperaturas elevadas". Medicações que são armazenadas em postos de saúde, de alguma forma, podem sofrer prejuízo. Algumas medicações da saúde mental dificultam a regulação térmica, então, a pessoa pode sofrer ainda mais com o calor nesse período. População psiquiátrica, idosos e crianças são muito mais vulneráveis. Crianças, porque estão se desenvolvendo. Idosos, porque têm dificuldade de regulação térmica, alguma demência, e isso piora muito com extremos de temperatura. Mas, em pessoas que têm algum transtorno mental, os sintomas pioram, seja de depressão, ansiedade ou esquizofrenia. Nos países que começaram a monitorar isso, perceberam um aumento da procura nas emergências psiquiátricas e um aumento de tentativas de suicídio, em períodos de ondas de calor.
*Estagiário sob supervisão de Malcia Afonso