Antônia Gonçalves de Araújo foi uma das mulheres mais influentes da República na transição à democracia, em 1985, como secretária de Tancredo Neves (1910-1985), que conheceu aos 37 anos, quando ele já tinha 61. No velório de Tancredo, no Palácio do Planalto, havia uma discreta coroa de margaridas brancas e crisântemos rosa, assinada como "Antônia".
Em 1971, então presidente da Comissão de Economia da Câmara dos Deputados, Tancredo Neves, conheceu Antônia. Assessorava o deputado Braz de Assis Nogueira, da Arena de São Paulo. Ela era analista legislativa, formada em Letras, em Goiânia, e Economia, em Brasília. Aprendeu inglês com freiras americanas do Mosteiro Santa Maria Mãe de Deus, em Mineiros, no sudoeste goiano. Antônia dava aulas de português para as religiosas. Por meio delas, conseguiu uma bolsa de estudos na Mount St. Scholastica, em Atchison, Kansas, nos Estados Unidos.
Bonita, morena, magra, cabelos com corte moderno, fluente em inglês, de volta ao Brasil, começou a trabalhar com militares americanos que faziam o levantamento aerofotográfico do território nacional, a pedido do governo militar. Sabendo que o trabalho era provisório, Antônia prestou concurso na Câmara dos Deputados, sendo aprovada. "Naquele tempo, o povo não falava línguas. Um dia ele [Tancredo] me ouviu falar ao telefone em inglês e achou chique: 'Nossa, Antônia, como você fala bem!'. Ele não falava nada em inglês. Por ser o dr. Tancredo, quando assumiu mandato no Senado, a Câmara me emprestou. Dr. Tancredo tinha uma conversa muito simpática. Lia os jornais cedo", revelou ao jornalista Plínio Fraga, autor da biografia Tancredo Neves, o príncipe civil (Objetiva).
A secretária adquiriu a confiança de Tancredo, assinava sua correspondência e o acompanhava nos almoços com políticos no Piantella: "Salada, carne, comia direitinho. Tomava vinho todo dia. Vinho tinto. Não comia sem vinho, não. Era uma pessoa muito inteligente, uma pessoa fora do comum e com uma paciência também fora do comum. Dormia pouco, lia muito. Lia de noite", contou Antônia.
"Tancredo dizia que não se podia confiar em uma secretária com a qual não tivesse intimidade", conta Mauro Santayana, um dos jornalistas mais ligados ao político. "Depois que conheceu Antônia, Tancredo mudou de gabinete, mudou de cargo (senador, governador), mudou de aliados e amigos, só não mudou de secretária." Em 1983, eleito governador de Minas Gerais, Tancredo Neves manteve Antônia como secretária, instalada em um hotel nas proximidades do Palácio da Liberdade.
Influência
Era difícil falar com Tancredo Neves sem passar por Antônia, que sabia das suas articulações políticas. "Dr. Tancredo era só política. (…) Ele era um animal político. (…) Eu cuidada do resto. Eu tomava conta de tudo. Coisa de projeto, comissão", sustentou Antônia. Antes de tomar posse como presidente, Tancredo Neves, informa Antônia, "mantinha o hábito de levar a mão ao abdômen" e temia ter câncer. "Achava que podia ter um negócio e, se abrisse, podia dar alguma coisa."
Em 1985, Tancredo Neves arranjou uma casa no Lago Sul, endereço dos mais caros de Brasília, para Antônia morar. A casa era do empreiteiro Fernando Queiroz, da Santa Bárbara Engenharia. O empresário era um dos financiadores de suas campanhas eleitorais. Estima-se que a caixa de Tancredo tenha amealhado o equivalente a US$ 45 milhões em dinheiro de hoje na campanha de 1985. A maior parte foi gasta. Talvez, tenham sobrado uns US$ 10 milhões. Somente uma pessoa devolveu um cheque dessas doações. Foi Antônia Gonçalves de Araújo.
Fraga entrevistou "Dona Antônia", quando já tinha 84 anos; na parede de sua casa, um quadro exibia o ato de Tancredo nomeando-a secretária do presidente da República. Risoleta Neves, viúva de Tancredo, não morava em Brasília. Na ausência da família, Antônia cuidava da agenda, dos compromissos, das refeições, enfim, da vida política e privada de Tancredo em Brasília. Para ver Tancredo Neves internado em São Paulo, cercado pela família, Antônia teve de recorrer a amigos, como o embaixador Paulo Tarso de Lima.
"Quem conseguiu que ela entrasse no quarto com Tancredo para se despedir dele fui eu, graças a minha relação com o dr. [Henrique] Pinotti. Ele estava consciente. Tancredo dependia muito dela. Ela o defendia muito. Conhecia a vida dele, melhor que d. Risoleta e qualquer um dos filhos", contou o diplomata. No enterro de Tancredo Neves, entrou no velório de mãos dadas com Fernando Henrique Cardoso e José Aparecido de Oliveira. Tancredo era o amor da sua vida.
Ao assumir a Presidência, em 1985, José Sarney convidou-a para ser sua secretária. Aos 52 anos, Antônia não quis. Pediu um cargo de diretora da siderúrgica Acesita. Sarney questionou se teria qualificações para o cargo. O mineiro José Aparecido de Oliveira, então governador do DF, indicou-a para uma diretoria financeira da então Companhia de Eletricidade de Brasília (CEB). As nomeações do ministério de Tancredo Neves eram anotadas em um livro que ficava com sua secretária faz-tudo. Foram entregues a Ulysses Guimarães e ao presidente José Sarney.