Após o combo pandemia/casamento/retorno à redação, é raro eu sair de casa à noite aos finais de semana. Foi-se o tempo de barzinho e balada. Bateria social está insuficiente para certos rolês. Há algo, porém, que me tira com facilidade da segurança do meu lar: o teatro. Está aí um programa que me fisga. Eu gosto de teatro!
Por sorte, ultimamente tenho frequentado bastante. Para se ter uma ideia, no retorno da lua de mel, meu marido e eu passamos quatro noites em São Paulo e, de quarta a sábado, assistimos a cinco espetáculos. Já em Brasília, no domingo, ainda encarei uma sexta sessão na companhia da minha mãe, que estava a fim de ver o ator da novela de pertinho. De O Rei Leão a Rita Lee, batemos nosso recorde.
Encantei-me à primeira vista pelas artes cênicas primárias. Foi uma descoberta tardia, quando eu me mudei do interior de Minas para Brasília, aos 23 anos. Em Lavras, minha terra natal, não havia cultura teatral. Minha estreia, porém, foi em grande estilo: um espetáculo dos Irmãos Guimarães, com Vera Holtz, na Sala Martins Pena do Teatro Nacional. De lá para cá, frequento de espaços improvisados em subsolos do Plano Piloto a suntuosas casas como as da capital paulista que recebem montagens faraônicas da Broadway.
No último sábado (14/9), fomos conhecer um espaço diferente. O Teatro da Caesb, em Águas Claras, está lá há algum tempo, mas não conhecíamos. Era uma apresentação única de Nany People, cantando sucessos de Fafá de Belém. Logo no início, após cantar as duas primeiras músicas, a artista — famosa pela sua versatilidade e irreverência —, chamou a atenção de uma das diversas pessoas que estavam filmando. "Vai filmar o espetáculo todo, bicha? Foi para isso que você pagou?"
De forma escrachada, levando entre o humor e a ironia, Nany declarou que o teatro — a primeira manifestação dramatúrgica da humanidade — sobrevive porque é catártico. A proximidade entre o artista no palco e o público na plateia é algo que se aproxima de uma relação de intimidade, de entrega, única e visceral, que dura, na maioria das vezes, entre uma e duas horas. Essa conexão é sagrada, e o celular é inimigo dessa união. E vai além da simples, porém indigesta, interferência sonora quando o aparelho toca ou visual quando se ilumina. Esse objeto indecente que nos acompanha como um órgão do corpo, usurpa, sem pedir licença, o lugar dos nossos olhos, ouvidos e boca. No teatro, ao ser sacado e ligado no modo fotografia ou gravação, ele faz com que se rompa o elo criado entre as almas que, por meio da arte, se unem na essência.
No Distrito Federal, infelizmente, não é raro que haja essa cultura de registrar espetáculos com o celular. Em shows musicais, então, parece regra. Mas, no teatro, o gesto ultrapassa a indelicadeza com a produção.
Há cerca de um mês, assistimos a uma sessão de comédia com Marisa Orth, outra atriz reconhecida pela sua irreverência cênica. Com ela, entretanto, ao final de uma sessão no Teatro Unip, o buraco foi bem mais embaixo. Após os aplausos, a artista pediu silêncio e, com a autoridade que lhe foi imputada de estrela do tablado, disparou para a plateia a sua dramática indignação com uma dúzia de espectadores que filmaram todo o espetáculo.
Sem papas na língua nem ninguém para soltar um indevido "cala a boca, Magda", Marisa foi certeira: "Isso nunca aconteceu antes, e veio a acontecer logo aqui, na capital do país, que deveria ser um exemplo. Vocês não gostam de teatro! Se gostassem, não viriam aqui para transformar essa arte em audiovisual". Mesmo com a sensação de vergonha alheia, os aplausos retornaram, agora com mais vigor. Até a cortina se fechar.
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