MEIO AMBIENTE

Seca torna o cenário propício para ocorrência de chuva ácida no DF

O pH das precipitações iniciais costumam ser menores, por conta das partículas encontradas na atmosfera, contudo, mesmo com uma seca mais prolongada e queimadas em excesso, que diminui ainda mais esse índice, especialistas afirmam que não deve haver impactos negativos para o DF

O Distrito Federal passa pela segunda maior seca da história e está com o número de queimadas, até a última quinta-feira (19/9), 7,8% maior do que em todo o ano passado. Com mais de 150 dias de estiagem, há expectativa de chuvas para o fim deste mês, mas o cenário se torna ideal para que as precipitações inicias fiquem mais ácidas do que o normal, de acordo com especialistas ouvidos pelo Correio.

Segundo o professor do Instituto de Geociência da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ventura, isso ocorre por causa da interação da água de chuva com o CO² (gás carbônico) presente na atmosfera. "Durante períodos de seca prolongada e, principalmente, com as intensas queimadas, como é o caso atual do DF, outros componentes, além do CO², acabam estando presentes na atmosfera, o que pode afetar ainda mais o pH, tornando-o ainda mais ácido", explica.

Ventura faz a ressalva que, apesar de o DF ter uma atmosfera relativamente limpa, ou seja, com poucos poluentes industriais, estamos em um ano com muitas queimadas e, consequentemente, com muitos materiais particulados sendo transferidos para a atmosfera. "Junto com essa queima, a gente acaba tendo também componentes, como sulfatos e nitratos, que também promovem a acidez na água da chuva", comenta.

O aumento dessa acidez pode trazer consequências para o meio ambiente, de forma geral. Porém, de acordo com o doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB) Christian Della Giustina, no caso do DF, essas chuvas não devem trazer impactos de qualidade na fauna, na flora e nos recursos hídricos. "Vai ser algo insignificante. Talvez para fachadas de prédios ou tumbas de cemitério possa causar algum tipo de corrosão ou oxidação", avalia.

O ambientalista afirma que, em tese, peixes mais sensíveis podem morrer por causa de qualquer alteração no pH da água. "Só que, para isso ocorrer, teria que ser algo muito significativo, pois essas primeiras chuvas vão cair sobre as encostas, escorrer pela vegetação, o que acaba filtrando a água e deixando ela em uma condição mais normal, ao chegar nos corpos hídricos", esclarece Della Giustina.

Fuligens na atmosfera

Outro fenômeno relacionado à presença de partículas na atmosfera é a chuva preta — que ocorreu no Rio Grande do Sul na última quarta-feira. O professor Roberto Ventura explica que, para que isso aconteça, é preciso que pequenas fuligens estejam na atmosfera. De acordo com o especialista, com a condição atual, a chance de que uma chuva preta ocorra no DF é baixa.

"Em 25 de agosto, a atmosfera de Brasília estava extremamente carregada de partículas e, certamente, se tivéssemos um evento de chuva naquele momento, poderia acontecer (uma chuva preta)", destaca. "Hoje, olhando para o céu do DF, a visibilidade está bastante razoável, por isso, as chances de ocorrer chuva preta por aqui são baixas", observa Ventura.

O especialista ressalta que o ar se movimenta, por isso, uma área que está com a atmosfera muito carregada de partículas, amanhã, pode estar mais limpa. "Então, tudo vai depender das condições climáticas da atmosfera quando as primeiras chuvas chegarem no DF", comenta o professor da UnB.

Monitoramento

Christian Della Giustina concorda com a fala de Ventura, acrescentando que esse fenômeno tem a capacidade de interagir com o solo, plantas, carros e edifícios, "escurecendo" onde cair. "É importante que se monitore, para entender exatamente os efeitos dessa chuva mais escura nos ecossistemas. Vai depender muito da intensidade de partículas na atmosfera no momento das primeiras precipitações", afirma.

Roberto Ventura observa que estamos diante de um nível de seca e queimadas que vimos poucas vezes na história do DF. "Por isso, acredito que seria muito importante, além de um monitoramento de parâmetros do pH das chuvas, a avaliação de sua composição química e isotópica", opina o especialista.

A reportagem questionou o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) sobre as sugestões impostas pelos especialistas. Em nota, o Ibram respondeu que, atualmente, não faz nenhuma análise sobre a qualidade química da chuva. "O instituto acompanha os dados meteorológicos, mas não tem nenhum projeto sobre o tema em desenvolvimento", pontua.

 

Mais Lidas