CB.SAÚDE

Setembro em flor: campanha alerta para cuidados com saúde íntima da mulher

Ao CB.Saúde, a oncologista com atuação em tumores femininos, do Hospital Anchieta Rafaela Costa destaca a necessidade da população se vacinar e buscar os devidos tratamentos para tratar de forma precoce possíveis cânceres ginecológicos

Cobertura vacinal, câncer ginecológico e HPV foram alguns dos temas abordados no programa CB.Saúde — parceria entre o Correio e a TV Brasília — nesta quinta-feira (12/9). A oncologista clínica com área de atuação em tumores femininos, do Hospital Anchieta Rafaela Costa falou da importância da campanha Setembro em Flor, que visa conscientizar a população sobre a importância da vacinação. O alerta sobre a necessidade de procurar médicos especializados também foi discutido na entrevista comandada pelas jornalistas Mariana Niederauer e Mila Ferreira.

Quais são os cânceres de maior incidência e qual a importância dessa campanha?

A campanha do Setembro em Flor foi idealizada pelo grupo Eva, que é especializado em tumores ginecológicos e a intenção principal dessa campanha é a conscientização mesmo. Oferecer informação de qualidade e falar para as pessoas sobre os tipos principais de câncer ginecológico. Falamos muito sobre os tumores de colo uterino que são os mais incidentes, os tumores de ovário, endométrio, vulva e vagina que são os tumores principais que mais acometem as mulheres.

Pode-se dizer que o papanicolau, por exemplo, é a principal forma de prevenção de todos esses tumores. Quais são os outros tipos de prevenção? 

Isso difere de acordo com o tipo de doença que a gente está lidando. Sabemos que o câncer de colo uterino, que é o mais incidente e o mais prevalente nas mulheres no Brasil, está muito relacionado com HPV. Então a prevenção desses tumores, está muito relacionado com a vacinação contra o HPV. Quando a gente fala de câncer de vulva e vagina o HPV também está relacionado com o surgimento dessas doenças. A incidência é infinitamente menor do que os cânceres de colo uterino, mas o HPV também está relacionado. No caso do câncer de ovário, que é a segunda neoplasia ginecológica mais incidente, os fatores de risco são um pouco diferentes. É necessário lembrar a história familiar desse indivíduo, a história reprodutiva, pois isso conta muito. Quando falamos dos tumores de endométrio, que é a terceira neoplasia ginecológica mais incidente nas mulheres, a obesidade é o fator de risco mais importante. No mundo inteiro esse tumor vem aumentando e o que percebemos é que o câncer de endométrio, não só aumenta a incidência, mas também a mortalidade. É importante falar para os pacientes que a obesidade é, sim, um fator determinante. Está na fisiopatologia da maioria dos tumores, porque quando a paciente fica obesa, ela fica inflamada, isso aumenta a glicose no sangue e a resistência à insulínica, gerando um processo inflamatório crônico naquele indivíduo e isso aumenta o risco de câncer.

Os hábitos saudáveis são tanto alimentares quanto de rotina de exercícios físicos, por exemplo. Porque mesmo se você não tiver obesidade, mas tem um estilo de vida sedentário, isso pode ser um fator de risco? 

As pessoas confundem um pouco a obesidade com o fenótipo. Às vezes a pessoa acha que quem é obeso são aqueles de fato visualmente gordo. Mas isso não é verdade. Às vezes você pode olhar para um indivíduo e vê-lo magro, mas metabolicamente essa pessoa tem mais gordura do que deveria. Nós como profissionais de Saúde, precisamos disseminar para os pacientes que o autocuidado é necessário na prevenção da maioria das doenças e do câncer não é diferente. O câncer é uma doença crônica degenerativa e que está diretamente ligada com hábitos de vida. O paciente que é sedentário, não pratica atividade física, se alimenta com uma dieta rica em alimentos ultraprocessados rica em gordura rico em açúcar, farinha branca, esse paciente fuma, está extremamente estressado porque depois da pandemia é uma realidade, isso também é um fator que impacta na imunidade daquele indivíduo favorecendo a maioria dessas doenças.

A proteção sexual também é importante para a prevenção dessas doenças? 

As pessoas precisam entender que o HPV é sexualmente transmissível e pode ser transmitido não só com a relação sexual por penetração, mas de forma anal e oral, até pela masturbação, se essa essa pessoa tiver com a mão contaminada. A relação sexual protegida é uma barreira para que não a pessoa tenha infecção pelo HPV. Mas é necessário lembrar as pessoas que a maioria dos indivíduos têm infecção por HPV. Se você vai se tornar doente por infecção do HPV é uma outra etapa. Porque o sistema imunológico do indivíduo quando funciona de forma adequada ele consegue controlar aquela infecção e até se torna imune aquele vírus, mas quando a imunidade desse paciente cai é a hora que ele pode ter o quadro de infecção pelo vírus HPV que pode virar um câncer no segundo momento.

Como funciona a prevenção do HPV? Qual a efetividade dessas dessas vacinas? 

A vacina tem que ser recomendada e essa informação tem que ser difundida. Hoje no Sistema Único de Saúde, temos disponível a vacina tetravalente que protege contra quatro subtipos de HPV o subtipo seis e 11 que são de baixo risco e o 16 e 18 que são de alto risco, e responsáveis por cerca de 70% das doenças dos cânceres de colo de útero. Na rede pública, essa vacina está disponível para meninos e meninas de 9 a 14 anos. Essas crianças e adolescentes precisam ser vacinados para prevenção deles. Existem algumas outras populações como pacientes imunocompetentes, esse ano foi incluído pacientes vítimas de violência sexual, paciente que tem papilomatose é viral pelo HPV, que são lesões e via aérea, pacientes transplantados e oncológicos também foram incluídos no calendário vacinal da rede pública de saúde. Quando vamos para o cenário privado, temos a vacina nonavalente que protege contra os sete subtipos de alto risco e o seis e o 11 que são os dois subtipos de baixo risco, que estão relacionados com as verrugas genitais, lesões que não são cancerígenas, mas causam um desconforto. A eficácia da nonavalente pode chegar a 90%. Esse impacto é absurdo não só em incidência de doença, mas também em mortalidade.

Existe um pouco de tabu com relação à vacinação de adolescentes. Qual a indicação para os pais para ficarem mais tranquilos com relação a essa vacinação?

Quando a vacinação começou em 2014, logo se introduziu a vacina nas escolas e nessa época teve um evento no Acre, onde uma adolescente foi tomar vacina e passou mal como se tivesse uma crise convulsiva. Foi muito complicado, porque não tinha nada a ver com a vacina em si. Esses adolescentes foram a São Paulo e realizaram avaliações por meio de Eletroencefalografia, ficaram acompanhados por duas semanas e não teve relação nenhuma com a vacina. A vacina é segura sim e ela tem que ser recomendada para todas essas crianças e adolescentes. Hoje temos uma campanha da Organização Mundial de Saúde, que o foco é cobertura vacinal e temos uma nova geração líder de câncer de colo uterino. Então até 2030, espera-se que a gente consiga ter essa cobertura vacinal muito maior, mas não é o que a gente vê hoje. 

Com relação ao tratamento do câncer do colo do útero, qual é o caminho? Qual é o primeiro passo para iniciar o tratamento? 

Infelizmente a maioria dos tumores têm diagnósticos tardios. Quando falamos de diagnóstico de câncer é preciso categorizar essa doença em estágios. Se é um estágio extremamente inicial, essa paciente ainda é passível de tratamento cirúrgico. Mas isso no estágio precoce que na grande maioria das vezes essas pacientes são assintomáticas e será muito provavelmente diagnosticada no exame preventivo de Papanicolau, que será feito de forma rotineira. Mas, infelizmente, não é a nossa realidade. Quando a paciente procura o sistema de saúde para fazer o exame, na grande maioria das vezes ela já está com o quadro de dor pélvica, sangramento vaginal e isso se traduz com tumores localmente avançados. Então dependendo do estágio da doença vamos determinar qual é a modalidade de tratamento que você vai utilizar. 

Como tem sido a evolução nos últimos anos dessa imunoterapia?

Ficamos 20 anos tratando as pacientes sem qualquer novidade. Usávamos quimio e radioterapia, que era extremamente efetiva no tratamento desses tumores e a quimioterapia entra para otimizar o efeito dessa radioterapia na topografia do colo do útero. Mas a imunoterapia mostrou uma redução do risco de retorno dessas doenças. Vemos que hoje com a imunoterapia provavelmente estamos deixando mais pacientes curadas.

O que dificulta o diagnóstico do câncer de ovário e eleva a taxa de mortalidade das mulheres que têm essa doença?

O câncer de ovário é uma doença silenciosa. Não temos exames de rastreamento, por isso a orientação é fazer os exames e avaliações médicas periódicas. Na grande maioria das vezes esses sintomas são inespecíficos, a paciente chega com uma distensão abdominal, infecções urinárias frequentes, que leva a paciente a atendimento médico, mas que isso não fica tão esclarecido, às vezes alteração de hábito intestinal. Então tudo isso são sintomas confundidos até mesmo para um médico que não está habituado a lidar com tumores ginecológicos e isso atrasa o diagnóstico. O tumor de ovário não é o mais incidente, a ordem é de 250.000 casos por ano, mas é o tumor mais letal.

Pacientes que têm endometriose devem ficar mais atentos a esse tipo de câncer? Como preveni-lo?

A literatura mostra que a endometriose está mais relacionada com o aumento da incidência de câncer de ovário, então a fisiopatologia do câncer de endométrio hoje fala muito para os pacientes, é mesmo a obesidade, a resistência insulínica tanto é que quando vamos olhar os fatores de risco principais são obesidade, diabetes, hipertensão, pacientes multíparas que tem vários filhos e pacientes sedentárias. Esse é o combo que mais causa o tumor de endométrio e quando olhamos a faixa etária são pacientes de mais ou menos 60 anos de idade. São aquelas pacientes que realmente estão mais inflamadas, com maior índice glicêmico que gera inflamação crônica. Por isso é muito importante frisar e falar da importância da atividade física, porque a obesidade é um fator determinante para a maioria dos tumores.

Qual é a orientação para não cair em notícias falsas ou ir atrás de tratamentos que se dizem milagrosos?

Não tem como negar a realidade, pois a inteligência artificial está aí. O acesso à informação está muito disponível e disseminado para todo mundo. Mas nos preocupamos com qual conteúdo esse paciente está consumindo. Qual é a fonte que ele está procurando e não é incomum as pessoas buscarem essa informação e se desesperar com o que ele encontra. Você precisa procurar um profissional de saúde habilitado para fazer um rastreamento e um exame físico adequado. Esse ato ajuda a curar muitas pacientes, porque fazemos diagnóstico precoce e precisamos informar as pessoas que está tudo bem se você quer usar a internet, mas tome muito cuidado porque tem informação que está muito distorcida.

Qual o principal objetivo do Setembro em Flor?

Queremos principalmente conscientizar a população. Esse ano trouxemos várias frases mostrando que inclusive a informação é poder. Cabe a nós profissionais de saúde disseminar essas informações de qualidade e fazer com que essas pacientes tenham cada vez mais esclarecimentos sobre as possíveis doenças e os fatores de risco. Essas campanhas de conscientização são necessárias, pois precisamos envolver não somente os médicos, mas toda a sociedade

Existe tratamento para todos esses tipos de câncer disponíveis na rede pública de saúde, além das vacinas do HPV?

Temos disponível tratamento para todos eles. Hoje, se falarmos de câncer de colo uterino existe a imunoterapia na saúde suplementar. No tumor de endométrio também foi incorporado recentemente as imunoterapias associado a quimioterapia, isso também foi um avanço que tivemos. Foram estudos muito robustos e que tem um ganho de benefício para essas pacientes e isso não temos no SUS, mas já está disponível na saúde suplementar, aprovado pela Anvisa. No caso do câncer de vulva e vagina são tumores menos incidentes, falamos da ordem de um caso para cada 1000 mulheres. Os tratamentos são basicamente uma tentativa de operar essa paciente se for uma doença inicial e o tratamento com quimio e rádio está associado, então isso não difere muito entre SUS e saúde suplementar.

Quais são as principais insights na comunidade médica internacional que podem ser trazidos para o Brasil? Tem algum tratamento que seja feito no exterior e que ainda não esteja aprovado aqui no país?

Temos alguns tratamentos que são quimioterapia de nova geração. Há estudos que também não são tão utilizados fora, alguns ainda estão em andamento, outros já estão sendo utilizados, que veremos muito em breve para o Brasil. Existem alguns estudos clínicos, que já utilizamos essas medicações mas não foram aprovados, porque ainda estão em fase de estudo. Tem muita coisa ainda boa vindo por aí, mas o que a gente quer não é oferecer mais tratamento e sim curar essas pacientes.

Assista a entrevista

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