CERRADO

Mãos que produzem água: agricultores do DF recuperam nascentes

Nas regiões das bacias do Pipiripau e do Descoberto, agricultores recebem recursos financeiros e assistência técnica para preservar o Cerrado

No Distrito Federal, alguns produtores rurais — de regiões que compreendem a Bacia Hidrográfica do Alto Rio Descoberto e a Bacia Hidrográfica do Ribeirão Pipiripau — participam do Programa Produtor de Água, idealizado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e apoiado por diversas instituições locais. A iniciativa tem o intuito de conservar os recursos hídricos no meio rural, além de ações de readequação de estradas rurais, construção de pequenas barragens e educação ambiental

O Correio conheceu as iniciativas, que têm como objetivo manter a quantidade e qualidade da água dessa duas bacias hidrográficas cravadas no Cerrado, que é lembrado e comemorado durante o mês de setembro.  Segundo maior bioma do Brasil, responsável por cobrir 25% do país, o Cerrado é considerado o "berço das águas" por abrigar importantes nascentes, além de ser solo por onde passam diferentes bacias hidrográficas.

Na Bacia do Pipiripau, na divisa do Distrito Federal com o município de Formosa (GO), o programa foi implementado há 13 anos e, atualmente, é coordenado pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa). Segundo Wendel Lopes, coordenador da iniciativa, são 14 instituições parceiras que colaboram  para aumentar a disponibilidade de água por meio da aplicação de técnicas de conservação do solo e de reposição da cobertura vegetal em Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal. 

Segundo Icléa Silva, engenheira ambiental da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater-DF) que atua na Pipiripau, desde o início do projeto, cerca de 210 produtores aderiram à iniciativa e mais de 400 mil mudas de árvores foram plantadas na região. "O que difere o "produtor de água" de outros programas de revitalização de bacias é a adesão voluntária do produtor rural, que se torna parceiro e recebe remuneração.

Os pagamentos são realizados anualmente, com base nas particularidades de cada área rural, e o contrato com cada produtor tem duração de cinco anos, podendo ser renovado. Além do auxílio financeiro, são construídas cercas e sistemas necessários nas propriedades, além das mudas de plantas que são entregues sem qualquer custo. 

 

Acervo/Adasa -
Acervo/Adasa -
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press -
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press -
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press -

Novo cenário

Na chácara em que Vital Moraes, 83 anos, vive há 43 anos, no Núcleo Rural Taquara, em Planaltina, o cenário já não é o mesmo de quando a parceria foi iniciada. Ele foi um dos primeiros a tornar-se produtor de água na região, quando a Bacia do Pipiripau aderiu ao programa. "De lá para cá, foram milhares de árvores plantadas. Não dá para dimensionar a coisa em palavras, é apenas vendo", diz entusiasmado.  

O produtor rural destacou que há mudas, plantadas no início do programa, que cresceram a ponto de atingirem mais de 10 metros de altura. "Todos os anos era certo que em agosto e setembro haveria falta de água. Depois que as mudas cresceram e desenvolveram-se isso deixou de ser um problema", comemorou. 

Na chácara, que tem 13 hectares, Vital trabalha com plantação de milho e sorgo para alimentar o gado. Do programa, ele recebe o apoio financeiro de R$ 8, 5 mil, disponibilizados ao fim de cada ano (após cumprimento das tarefas apontadas pelos órgãos envolvidos), além das mudas de árvores e assistência técnicas recebidas. 

Vital lembra que, depois da adesão dele ao programas, os vizinhos também tornaram-se produtores de água e hoje se ajudam. "É um trabalho integrado e muito importante para a bacia. Precisamos, sim, preservá-la. Eu me sinto realizado em ver que estou deixando algo que pode contribuir futuramente para a preservação do meio ambiente."

Anne Caroline Borges, engenheira ambiental da Emater-DF explica que, por causa da pandemia de covid-19, o projeto na Bacia do Descoberto começou efetivamente no início deste ano. Coordenado pela Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb), a iniciativa tem 34 produtores da região inscritos e conta com 26 instituições parceiras.  

O engenheiro florestal Fábio Bakk, da Caesb, diz que o projeto é um ganho para o bioma e ressalta a importância da parceria. "A gente passou a olhar para o produtor como um parceiro, para que a gente tenha um uso equilibrado da propriedade, um uso sustentável da água, uma produção saudável de alimentos e a possibilidade de um remanescente de água em quantidade e qualidade para o abastecimento da população", aponta. 

Destaque

Na região onde mora, no Núcleo Rural Capão da Onça, em Brazlândia, o casal Vicente Jorge Ferreira, 72, e Florinei Lima Cardoso, 58, destacam-se no projeto. Neste ano, foram os primeiros a ganhar o certificado de produtores de água da Bacia do Descoberto. Apesar da adesão recente, Vicente conta que já é possível notar tímidas melhoras no espaço, e ressalta que a expectativa é de que a preservação seja cada vez mais notada. Mais de 1,3 mil mudas foram plantadas na chácara, onde cultivam maracujá-pérola, pitaya-do- cerrado, banana-prata e outros. Além de beneficiar o solo, as plantações têm atraído animais ao local.  

Há cerca de dois anos, antes de entrar no programa, o casal fez parceria com a Embrapa e com a Emater, também com trabalhos de preservação. "O solo estava descoberto, as árvores morriam e não havia reposição. A chuva trazia tudo que estava por cima e, com muita velocidade, criava erosões no solo, causando buracos com cerca de 80 centímetros e assoreando o rio e sujando a água", contam. Hoje, eles se sentem felizes, pois esses problemas não ocorrem mais.

A chácara do casal tem 18 hectares e o contrato da propriedade rural foi estabelecido em R$ 27 mil, pagos em cinco anos, conforme o cumprimento das tarefas. "Se a gente preserva o solo, a infiltração da água é aumentada, o escoamento superficial diminui e, consequentemente,  preservamos a água também", lembra Vicente explicando a importância das novas práticas. 

Fabiana de Gois Aquino, pesquisadora da Embrapa Cerrados, destacou que a adesão coletiva é de extrema importância para a preservação das bacias, essenciais para a agricultura. A atuação pontual não é capaz de mudar a realidade de uma bacia, então a adesão voluntária ao programa faz diferença porque é um conjunto de ações sendo realizadas nas propriedades em prol da conservação do solo e água", explica.

Educação ambiental 

Ao Correio, os produtores de água contaram, orgulhosos, que recebem em suas propriedades crianças e adolescentes de escolas públicas do DF para aprender sobre as áreas de preservação. Desde 2018, ocorre na Bacia Piripau, entre os meses de outubro e dezembro, a ação Produtor de Água Mirim, onde são plantadas cem mudas em cada propriedade, envolvendo crianças e adolescentes no plantio. No final deste ano, a ação também ocorrerá na região da Bacia do Descoberto.

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