Capital com a maior qualidade de vida do país, Brasília alcança esse patamar levando-se em consideração um dos pontos que mais a diferenciam de outras cidades: a grande quantidade de áreas livres em meio à urbanização para que os cidadãos usufruam o contato com a natureza, com práticas esportivas e de lazer a céu aberto. O Lago Paranoá, o Parque da Cidade e o Eixão são os maiores exemplos.
Lembro-me bem de que, logo que cheguei por aqui, há 20 anos, meu primeiro endereço fixo foi a Asa Norte, na 215. O Eixão estava lá, a uns 10 passos de mim, disponível para o lazer, aos domingos e feriados, com sua interdição para o trânsito de veículos motorizados e um mar de pessoas caminhando, correndo, pedalando, patinando ou simplesmente sentadas no gramado para tomar sol. Famílias inteiras, grupos de amigos, casais de namorados, indivíduos solitários, cães e até gatos convivendo em harmonia nessa via extensa e larga totalmente liberada para gente de todo o tipo se misturar. No coração do Distrito Federal, sem distinção de classe social, cor, crença ou orientação sexual.
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Após três anos, me mudei para o Cruzeiro e, para mim, esse refúgio passou a ser o Parque da Cidade, bem mais próximo de casa e disponível todos os dias da semana. Curiosamente, entretanto, há cerca de um ano me reencontrei com o Eixão. Morando, agora, no Guará, a distância deixou de ser um impedimento a partir da descoberta do Choro no Eixo, uma manifestação artística que é a cara de Brasília e que passou a concentrar, em um espaço reservado no meio da Asa Norte, atividades múltiplas de cultura e gastronomia. Um reduto refrescante, rodeado por árvores, com música boa e uma variada oferta de refeições para um lanche rápido e até para um almoço de domingo.
Estive lá algumas vezes neste ano. Em uma delas, sentado no chão, sobre uma canga estendida no gramado, enquanto me alimentava com um prato simples e honesto de espetinho com arroz branco e mandioca cozida, algo me chamou a atenção: visualizei naquele ponto de encontro três rostos conhecidos do Guará, enquanto meu marido, que é professor em Sobradinho, avistou uma aluna confraternizando com familiares e amigos. Nesse dia, tive a certeza de que o viés democrático do evento atingiu o seu objetivo, atraindo o povo do DF ao Eixão.
Decidimos que esse passeio dominical passaria a ser uma rotina do casal — pelo menos até que as chuvas deem as caras, estragando o rolê. A vez seguinte, porém, foi justamente nesse fatídico domingo, em que os frequentadores, os artistas e os comerciantes informais foram surpreendidos pelo rapa que acabou com a festa a céu aberto com a força de uma daquelas tempestades de verão.
A sensação de frustração e indignação tomou conta das vias largas que cortam as asas do nosso avião. Sem o som aconchegante do chorinho, o Eixão foi tomado pelo choro de verdade. Principalmente dos artistas que utilizam o espaço para a manifestação cultural e da população que se acostumou a frequentar o local público para se divertir, seja desfrutando uma boa música, seja comendo um petisco de rua ou seja tomando uma cervejinha artesanal, nesse dia sagrado de descanso e entretenimento.
A justificativa foi a reclamação dos moradores da região. A velha perturbação do sossego. Não vivo na Asa Norte, então não posso opinar sobre a legitimidade da queixa. Mas o governo afirmou que, independentemente do lamento comunitário, a fiscalização permanecerá, até que a situação dos artistas e dos ambulantes seja regulamentada. Autorizações para o funcionamento estão sendo concedidas — para isso, após a polêmica que se espalhou em um brado mais retumbante que o "barulho do lazer", um novo decreto substituiu o de 2020, que, instituído em meio à pandemia de covid-19, impedia as atividades no local.
Diante dos novos acontecimentos, o choro de lamento parece estar se dissipando. Que assim seja, amém! E eu espero que, muito em breve, nos reencontremos pelo Eixão do Lazer e que esse episódio triste vire só mais uma crônica da cidade para a gente contar.
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