No Distrito Federal, um total de 153.622 pessoas estão em extrema pobreza. O dado é da Secretaria de Desenvolvimento Social do DF (Sedes), com base no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Segundo classificação do governo federal, a situação é de quem sobrevive com renda per capita de R$ 208 ou menos por mês.
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Embora a quantidade de pessoas nessa faixa tenha diminuído nos últimos três anos no DF, é um número expressivo. O Correio foi até o assentamento Santa Luzia, na Estrutural, onde há 20 mil moradores, e conversou com pessoas que estão nessas condições. Elas contaram como é passar o dia a dia com menos do que o básico.
Especialistas ouvidos pelo Correio apontam focos e saídas para minimizar o problema da miséria em regiões localizadas na capital do país. O Governo do Distrito Federal (GDF) conta com programas como o Cartão Gás, o Cartão Prato Cheio e o DF Social, que ajudam essas famílias.
“A fome dói, a fome não espera”, diz a catadora Ana Cristina Rodrigues Silva, 43 anos. Ela mora há 10 anos no assentamento Santa Luzia e vive com uma renda mensal de R$ 150, do programa DF Social, para sustentar a si mesma e aos três filhos em idade escolar. A família conta com o Cartão Gás e o Cartão Prato Cheio. “Se não fossem as doações que recebo mensalmente, não sei como sobreviveria”, afirma. “Sou líder comunitária e distribuo doações para todos aqui na região”, acrescenta. “Nós estamos sempre lutando por melhorias. Não passo mais fome, mas vivo em uma situação muito difícil”, conclui.
Manuel Gomes dos Santos, 66, também mora no assentamento. Vivendo de bicos de pedreiro, ele mora no local há três anos com o filho de 8. “Eu morava de aluguel em outro ponto da Estrutural, mas não estava mais conseguindo pagar. A gente vive assim, na precariedade. Não tem conforto praticamente nenhum. Só quem vive em um lugar como esse sabe. Não é fácil”, lamenta. “A Ana (Cristina, líder comunitária) é nossa mãe aqui, ela que consegue doações que nos ajudam a ter alguma qualidade de vida”, complementa.
O acesso ao Cartão Gás ajuda ambas as famílias a sobreviverem. O programa beneficia 70 mil famílias com R$ 100 a cada dois meses para compra do produto. O Cartão Prato Cheio, mencionado por Ana Cristina, concede nove parcelas de R$ 250 para aquisição de itens alimentícios e beneficia 100 mil famílias mensalmente. O DF Social, programa de transferência de renda do GDF, no valor de R$ 150 mensais, atende 70 mil famílias como complemento ao valor recebido no Bolsa Família.
Outra moradora de Santa Luzia, Maria Aparecida Ferreira Freire, 43, dona de casa, mora com dois filhos e também vive de forma precária. “Graças às doações, não falta comida aqui. Mas não adianta ter comida e não ter água. Além das nossas necessidades básicas de cada família, precisamos de asfalto, água e transporte. A poeira é péssima para a saúde dos nossos filhos. E quanto ao transporte, preciso andar dois quilômetros todos os dias para chegar à parada de ônibus e poder levar meu filho para a escola”, relata. “Nós vivemos com uma renda de R$ 600 do Bolsa Família para três pessoas. É difícil, porque um dos meus filhos tem uma deficiência física e intelectual”, comenta.
Atendimento
Na perspectiva dos serviços, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) atua com atendimento socioassistencial integral, por meio das unidades dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), onde são realizados os atendimentos que averiguam as necessidades de cada indivíduo. Com base na escuta qualificada realizada nesses atendimentos, os cidadãos são encaminhados para as demais políticas públicas de proteção social, de Justiça, Educação, Saúde e Moradia, por exemplo.
Renda básica
O doutor em política social pela Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Ortegal acredita que os níveis mais dramáticos de empobrecimento poderiam ser evitados se os programas de proteção e assistência às famílias que já estão em situação de pobreza fossem ampliados. “É importante também não perdermos de vista que ainda estamos lidando com impactos da pandemia, que fechou postos de trabalho e alterou postos antigos, trazendo avanços tecnológicos que a população mais empobrecida geralmente tem maior dificuldade de acompanhar”, analisa. “O fato de Brasília ser, ao mesmo tempo, uma cidade com um dos maiores índices de renda e ter um número expressivo de pessoas em situação de extrema pobreza não é por acaso: quanto maior a renda, o fluxo financeiro e as oportunidades, maior é também o número de pessoas que buscam aquela cidade”, observa.
Ortegal defende a adoção de um programa de renda básica universal como forma de reduzir o agravamento da pobreza. “Deveria ser aplicado para o país inteiro e poderia ser muito eficaz para reduzirmos o agravamento da situação de pobreza das famílias, o êxodo de famílias para grandes capitais como Brasília, e eliminaria todo o desperdício de tempo e recursos que gastamos para diferenciar pessoas em situação de pobreza, extrema pobreza, e aquelas que são pobres mas não o suficiente para acessarem a política social”, diz.
A tese é reforçada pela docente do curso de serviço social na UnB Liliane Alves Fernandes, que aponta a distribuição desigual de renda entre classes ricas e pobres como um dos fatores que levam populações à pobreza extrema. “Como afirma Marcelo Medeiros, sociólogo brasileiro e referência no tema, é crucial que o crescimento econômico do país inclua a melhoria dos rendimentos da classe mais pobre”, destaca. “O desafio para vencer a pobreza é político e envolve a redistribuição de renda. Além disso, é necessário continuar elevando a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas de forma sustentável, implementando políticas públicas que combatam o racismo, a violência e a concentração de renda”, completa.
Para a especialista em política social Erci Ribeiro, o combate à pobreza não deve ser analisado exclusivamente pelo viés econômico, tendo em vista que é multifatorial e exprime elementos relacionados ao momento histórico. “É preciso ações combativas de regulação do desenvolvimento econômico para contemplar as necessidades humanas a fim de garantir equidade e justiça social”, ressalta. “Em se tratando do DF, observamos a desigualdade discrepante entre as regiões administrativas à medida que o acesso a bens e serviços são desiguais e que atendem grupos privilegiados como cor, idade, ocupação. Isso vai refletir no acesso ao mercado de trabalho, na permanência na escola, na inclusão aos programas sociais”, continua.
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