Publicitário e cartunista, Humberto Junqueira, 59 anos, tem uma carreira consolidada como criador de um dos quadrinhos mais icônicos já publicados em jornais diários. Ele é o criador do passarinho chamado Eixinho, o monumental, que teve suas tiras veiculadas no Correio Braziliense durante quase 10 anos, entre as décadas de 1980 e 1990.
Ele conta que sua história com os quadrinhos começou antes mesmo de entrar na universidade. "Já era um aficionado, lia e tentava desenhar. Estudei um pouco das técnicas e, quando entrei para a faculdade, aproveitei para aprimorar o estudo, em todos os sentidos", recorda. Assim que se formou, a sua paixão pelos quadrinhos e por Brasília, além da influência de personagens criados por Henfil, cartunista brasileiro, e Luis Fernando Verissimo, deu vida ao próprio personagem.
A ideia inicial, segundo Junqueira, era criar um passarinho tímido, meio solitário, que resolveu fazer um ninho em cima do Congresso Nacional. "Mas ele não escolheu o lugar de propósito. Era em cima de um prédio que, por acaso, era o Congresso Nacional. Lá de cima, ele enxergava tudo o que acontecia à sua volta: a cultura, o dia a dia da cidade, além dos problemas de Brasília e do país", explica. "Tudo isso convivendo com 'vizinhos de prédio' que, para ele, não eram deputados e senadores, mas vizinhos barulhentos e briguentos", brinca o cartunista.
A partir dessa ótica, ele começou a desenhar as histórias do Eixinho, contando o que ele pensa e o que acontece em torno dele. "E isso acabou se expandindo para outros temas, mais nacionais. Foi assim que criei uma série de tiras de quadrinhos", comenta. "Um monte de ideias começaram a brotar na minha cabeça. Fiz diversas tiras, cerca de 40, desenhadas só para mim", lembra o publicitário.
História com o jornal
A vida de Humberto Junqueira cruzou com o Correio Braziliense em 1987, quando uma prima, a jornalista Giuliana Morrone, foi até sua casa. "Mostrei as tiras, ela adorou e falou que conhecia uma pessoa no jornal que precisava vê-las", conta. "Era Paulo Pestana que, na época, era editor no jornal. Fui falar com ele, em 1987, e mostrei os desenhos. Ele achou fantástico e perguntou se eu queria publicar", acrescenta.
O cartunista ressalta que jamais imaginou que isso pudesse acontecer. "Não criei as tiras pensando em publicar num jornal. Mesmo assim, falei que topava a ideia e passei a fazer uma tira diária", confessa. Sobre a criação do nome, Humberto destaca que a ideia veio do próprio Pestana. "Na época, ele sugeriu colocar o nome do personagem de Eixinho, o monumental. Adorei, evidentemente. A partir daí, foram praticamente 10 anos e 3,5 mil tiras publicadas", detalha.
Em meados dos anos 1990, no entanto, ele decidiu parar de publicar as tiras. "Acabei entrando num esgotamento de ideias", afirma, ressaltando o orgulho de ter suas histórias veiculadas no jornal durante quase 10 anos. "Muitas pessoas me disseram, e não sabia na época, que foi a primeira tira de história em quadrinhos publicada em um jornal brasileiro, que não foi criada no eixo Rio-São Paulo ou fora do país", comenta. "O Correio abriu espaço para uma tira com um olhar aqui do meio do Planalto Central e isso impactou muito, fazendo com que ela ganhasse muita notoriedade. Todo mundo, na época, lia o Eixinho e isso era muito bacana", comemora.
O sucesso foi tão grande, que Humberto teve a oportunidade de conhecer seus ídolos dos quadrinhos e da cultura pop: Jaguar, Luis Fernando Verissimo e Ziraldo. "São essas três personalidades que fazem parte, para mim, da história cultural do Brasil", destaca. "Tudo graças ao Eixinho, foi ele que me conduziu, pelas mãos, até eles, e fico muito honrado por isso", agradece o artista.
Superação
Com o passar dos anos, a visão também se tornou um empecilho na criação das tiras. "Tenho uma doença genética, chamada retinose pigmentar, que não tem cura, e nem tratamento, porque é uma doença que afeta a retina", explica. "Comecei a perder a visão quando tinha 15 anos. Foi um processo que durou quase 50 anos, até chegar no estágio que me encontro hoje, com apenas 5% da visão que, pelo menos, me fazem ver que o dia está lindo", ressalta.
Humberto afirma que perder a visão dessa maneira o fez aprender, pouco a pouco, a vencer obstáculos. "Costumo dizer que o importante é alcançar o objetivo. Penso que, por mais difícil que sejam os obstáculos, eles não precisam ser taxados como impossíveis, a gente pode encontrar uma solução e vencer o desafio", observa. "É claro que é um problema, em muitos momentos, mas isso não me impede de exercer a minha atividade profissional ou de estudar", destaca.
Passados 25 anos que o Eixinho foi publicado no Correio, o cartunista decidiu abrir um perfil do personagem no Instagram, o eixinho_omonumental. "Muitas pessoas falavam que tinham saudade do Eixinho. Então, peguei os desenhos originais e pedi para alguém digitalizar e adaptar essas tiras para colocar nas redes sociais", comenta. "Foi feita uma espécie de curadoria, para escolher aquelas que fazem algum sentido atualmente e essas tiras atemporais estão sendo publicadas na página", explica.
A página, segundo Humberto, estimulou seu cérebro que, de repente, voltou a explodir de ideias. "Sentei diante do meu computador e comecei a escrever um monte de tiras. O único problema é que não consigo mais desenhar. Foi quando convidei uma pessoa que deu a ideia de utilizar os desenhos já existentes, adaptando somente as falas dos balões", afirma.
Tecnologia
A "ressurreição" do Eixinho veio quando, após terminar uma das tiras adaptadas, o cartunista chamou seu filho para mostrar e ele achou que tinha sido feita do zero. "Ele não percebeu que era uma montagem das tiras antigas. Encontrei uma forma de, mesmo sem enxergar, criar novas tiras. E é isso que estou fazendo hoje", pontua.
Só que um grupo de pesquisadores da Inteligência Artificial está trabalhando em uma forma de fazer com que Humberto "volte a desenhar". Segundo ele, uma ferramenta, também chamada Eixinho, vai ser seu olho, para desenhar o que ele irá criar. "Vou falar para ela a minha ideia e, com base nos milhares de desenhos digitais do banco de dados que estou construindo, a inteligência artificial vai entender esse desenho, o meu traço e, a partir disso, vai fazer outros desenhos do Eixinho", explica. "Os pesquisadores estão trabalhando para que a inteligência artificial seja uma ferramenta que possa suprir a minha falta de visão, que me impede de desenhar", acrescenta.
Humberto pondera que, para saber se a tira está bem-feita, é claro que sempre vai precisar de alguém. "Mas tenho a minha mulher e filhos que, depois de mim, provavelmente são os que mais conhecem o meu trabalho", comenta. "A ferramenta não vai fazer o trabalho por mim, ela estará me dando uma oportunidade. É como se a inteligência artificial pegasse na minha mão e conseguisse tirar da minha cabeça o que estou pensando e colocar no papel o que não consigo ver", descreve.
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