PROJETO SOCIAL

Inclusão nas águas: Projeto de canoagem transforma vidas no Lago Paranoá

Com encontros semanais, o projeto "Remando Juntos" oferece lazer, reabilitação e até a formação de atletas para competições nacionais e internacionais

Beneficiários do projeto Remando Juntos com a Apae-DF: aumento da autoestima -  (crédito: Arquivo pessoal)
Beneficiários do projeto Remando Juntos com a Apae-DF: aumento da autoestima - (crédito: Arquivo pessoal)

“Meu filho voltou das primeiras aulas mais confiante, ele aprendeu que, para chegar a algum lugar, é preciso remar com os outros. Esse aprendizado ele leva para a vida”, relata Maria Valeriano Morais, 77 anos, mãe de Mateus Valeriano de Morais, 21. Ele, que tem deficiência intelectual, é um dos mais de 800 beneficiários do projeto Remando Juntos, uma iniciativa inovadora que tem impactado na vida de muitos integrantes da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Distrito Federal (Apae-DF). 

Formalizada em 2022, a iniciativa promove a prática da canoagem entre pessoas com deficiência intelectual e transtorno do espectro autista (TEA), oferecendo aos participantes uma oportunidade de vivenciar atividades físicas que não apenas estimulam o corpo, mas também promovem a socialização, o trabalho em equipe e o fortalecimento de laços afetivos.

O projeto foi idealizado por Fernanda Rachid, 42, pedagoga, educadora física, atleta de canoagem e dona da escola de canoagem Eu Remo Sorrindo. Ela já realizava atendimentos voluntários com pessoas com deficiência intelectual e autistas desde antes de conseguir o patrocínio necessário para o projeto. "A gente conseguiu patrocínio para dar continuidade e ampliar os atendimentos para todos os alunos da Apae das quatro unidades (Asa Norte, Ceilândia, Guará e Sobradinho)", contextualiza.

Ela também conta que o esporte tem um impacto direto na vida desse atletas. "Muitos deles chegam sem acreditar no próprio potencial, mas, ao vivenciarem o esporte de forma inclusiva, começam a enxergar suas capacidades e a desenvolver autoestima”, afirma Fernanda. Para muitos desses participantes, essa é a primeira vez que têm contato com o Lago Paranoá e com esportes aquáticos. Fernanda observa que a conexão com a natureza e a prática esportiva têm efeitos profundos no bem-estar físico e mental dos participantes.

Reflexos na rotina

  • Mateus(D) e uma das atendidas pela Apae-DF exibem medalhas
    Mateus(D) e uma das atendidas pela Apae-DF exibem medalhas Arquivo pessoal
  • Da esquerda para a direita: Denise Sayeg, uma das atendidas pela Apae-DF, uma das professoras da Apae-DF e Mateus Valeriano. Copa Brasil de Paracanoagem 2024
    Da esquerda para a direita: Denise Sayeg, uma das atendidas pela Apae-DF, uma das professoras da Apae-DF e Mateus Valeriano. Copa Brasil de Paracanoagem 2024 Arquivo pessoal
  • Medalha conquistada pelo Mateus Valeriano (um dos atendidos pela Apae-DF) na Copa Brasil de Paracanoagem no começo de 2024. O troféu é uma premiação que todos recebem ao participar do projeto Remando Juntos com a Apae-DF
    Medalha conquistada pelo Mateus Valeriano (um dos atendidos pela Apae-DF) na Copa Brasil de Paracanoagem no começo de 2024. O troféu é uma premiação que todos recebem ao participar do projeto Remando Juntos com a Apae-DF Arquivo pessoal
  • Fernanda Rachid, conseguiu patrocínio para o projeto
    Fernanda Rachid, conseguiu patrocínio para o projeto Arquivo pessoal
  • Beneficiários do projeto
    Beneficiários do projeto "Remando Juntos com a Apae-DF" Arquivo pessoal
  • Beneficiários do projeto
    Beneficiários do projeto "Remando Juntos com a Apae-DF" Arquivo pessoal

“Ele é muito fechado e, quando vai (para o projeto), chega mais solto, mais alegre, parece que está realmente curtindo aquilo ali. Ele não é de dizer muito, não, mas você sente o semblante, sabe?”, compartilha Maria, mãe de Mateus. Ela considera que o projeto e a Apae foram “uma abertura de portas” na vida do filho. Mateus, que já ganhou troféus e medalhas das competições de canoagem de que participou pelo Remando Juntos, se “sente realizado em ver que é capaz” de conquistas.

A professora Denise Sayeg, 56, coordenadora do projeto na Apae-DF e pós-graduada em psicopedagogia, também acompanha de perto o desenvolvimento dos alunos. Ela conta que a aceitação e o envolvimento dos beneficiários no projeto foram instantâneos. "A prática da canoagem tem oferecido muito mais do que lazer. Os atendidos têm desenvolvido habilidades importantes, como liderança, disciplina e resiliência, além de aprenderem a lidar com suas emoções de maneira mais saudável", compartilha Denise. Ela ressalta que o aumento da autoestima e da interação social são alguns dos maiores benefícios observados nos participantes.

Com idades entre 18 e 60 anos, os os participantes são incentivados a explorar seu potencial, respeitando as próprias limitações, mas sempre com o olhar voltado para a superação. A metodologia utilizada no projeto é cuidadosamente adaptada para atender às necessidades de cada participante. Cada encontro reúne cerca de 20 beneficiários da Apae, selecionados pela própria associação. As atividades são direcionadas de acordo com o perfil do grupo. “(Os encontros) ora são com uma abordagem mais lúdica e de vivências, especialmente para os atendidos que estão indo pela primeira vez, ora são com uma abordagem mais desafiadora, incluindo realmente as técnicas de remadas numa perspectiva de desenvolvimento no esporte”, explica Denise.

Para Denise, iniciativas como essa têm um impacto profundo e duradouro, não apenas nos beneficiários diretos, mas em toda a comunidade ao redor. "Promover a inclusão e o esporte para pessoas com deficiência é uma forma de mudar a sociedade, tornando-a mais acolhedora e inclusiva. Os ganhos são para todos nós", conclui a professora.

Campeonatos

Além da inclusão e do desenvolvimento social, o projeto também busca formar atletas de alto rendimento. Fernanda explica que alguns alunos demonstram habilidades excepcionais e, com isso, têm a oportunidade de participar de competições locais, nacionais e até internacionais. Em 2023, ela atuou como técnica da Seleção Brasileira de Canoagem, levando dois atletas com deficiência intelectual e TEA para o Campeonato Mundial de Canoagem na Alemanha.

“Foi a primeira vez que o Brasil teve representantes nessa categoria. Estamos abrindo caminho para que a canoagem também seja um esporte olímpico para pessoas com deficiência intelectual”, relata Fernanda com orgulho.

Futuro

O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, comemorado hoje, ganha um significado especial com projetos como este, que mostram que a inclusão é possível e que o esporte pode ser um caminho para a superação de barreiras históricas. O projeto, que já atendeu mais de metade dos integrantes da Apae-DF até setembro de 2024, continua a crescer e impactar vidas. Fernanda acredita que o esporte é uma ferramenta poderosa de inclusão e transformação, especialmente quando aliado à natureza. “A água acalma, desafia e inspira. Cada vez que um dos nossos alunos supera seus medos e limitações, percebemos o quão importante é esse trabalho”, afirma.

A perspectiva de futuro é promissora. Com a participação crescente dos alunos em campeonatos e o fortalecimento das equipes de alto rendimento, o Remando Juntos com a Apae-DF segue abrindo portas para que pessoas com deficiência possam não apenas participar, mas também brilhar no esporte. “Nós estamos construindo um legado de inclusão e superação. E esse é apenas o começo”, conclui Fernanda Rachid.

*Estagiária sob supervisão de Márcia Machado

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postado em 21/09/2024 06:10
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