Assim como grande parte dos habitantes da capital, acordei com a garganta arranhando e o nariz seco. Os olhos irritados e a sensação de que todo o pó do Cerrado tinha decidido invadir minha casa. Os sinais claros de mais um dia de carência implacável de umidade. Fim de agosto e, nesses dias em especial, o céu estava estranho. Há pelo menos dois dias, não era o azul cristalino típico dessa época do ano. Moro no Guará e, da janela da minha cozinha, a paisagem não era a mesma. Onde normalmente eu vejo nitidamente o desenho urbano característico de Águas Claras, com seus prédios enormes formando um núcleo robusto de Lego em meio ao céu, havia aquela camada cinzenta de fumaça que todos nós, infelizmente, vivenciamos. A cidade estava sufocada, e nós também.
Mesmo sabendo que não havia muito para onde correr, dei uma pausa no trabalho remoto, montei a mochila e fui para a Água Mineral. O ar parecia pesado, sufocante, como se algo invisível estivesse lentamente apertando o peito. A aridez não era apenas física, era emocional. O cheiro de queimado estava presente como em um fumódromo de balada, porém, sem a música. As árvores do Cerrado, sempre tão retorcidas e resistentes, pareciam ainda mais secas, com as folhas quebradiças caindo ao menor toque do vento. Até os pássaros pareciam mais silenciosos, talvez se escondendo do calor e da fumaça. Um cenário que deveria ser relaxante agora tinha um peso estranho, como se o tempo estivesse suspenso, à espera de algo. A natureza realmente estava em pausa ou era apenas o meu olhar que enxergava lentidão?
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Havia uma melancolia no ar, como se até a piscina sentisse o peso da seca. Ao redor dela, algumas famílias faziam piqueniques improvisados, tentando gozar o frescor que a água proporciona. Porém, algo não muda. Como de costume, os anfitriões estavam lá, saltitando entre os galhos baixos e o chão: os macaquinhos. Só que ainda mais ousados. Um deles, com uma agilidade impressionante, desceu até um dos cestos de comida de uma família e, sem cerimônia, puxou uma sacola plástica, arrancando uma banana lá de dentro. As crianças riram, mas a mãe tentou espantar o invasor com um gesto rápido, sem muito sucesso.
Com a secura e a escassez de alimento, os macacos não perdiam tempo. Os frequentadores tentavam espantá-los, mas os primatinhas residentes são insistentes. Os humanos assaltados estavam irritados, mas eu sorri vendo aquelas pequenas figuras espertas correndo para as árvores com os restos de comida e reunindo a turminha para compartilhar o fruto do saque bem-sucedido.
Havia algo de irônico naquilo — nós, humanos, tentando buscar algum alívio em meio à secura, e os macaquinhos sobrevivendo da mesma maneira, adaptando-se ao caos que os cercava. Não importa o quanto o ambiente esteja árido, a vida continua de alguma forma. No fundo, todos lutando pela mesma coisa: encontrar um pouco de respiro, um pouco de normalidade em um cenário que parecia se desfazer em meio à sequidão, agora potencializada pelas queimadas que se alastram na vegetação, transformando todo o verde em cinzas e carvão.
Um retrato da resiliência, tanto da natureza quanto nossa. O Cerrado resistindo, mesmo tostado e seco, assim como nós. E os macacos, com sua astúcia, destacando que, apesar das dificuldades, a vida sempre encontra um jeito de continuar. O céu esfumaçado, os humanos buscando refúgio, os animais teimosos, a água que refresca — tudo fazendo parte de um ciclo natural e vivo. Por todo o Distrito Federal, os ipês insistem em florir, com seus tons de arco-íris desafiando a baixíssima umidade e nos apontando que há beleza em todos os cenários.
Os brasilienses sabem que a seca sempre os agride, mas, cedo ou tarde, agora em setembro, as cigarras irão cantar, anunciando que a chuva também vem. E a gente fatalmente irá se queixar dela.
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