O empresário da Banda Uó, grupo musical de Goiânia (GO) formado pelos cantores Davi Sabbag, Mateus Carrilho e Mel Gonçalves, foi criticado após “arrancar” uma intérprete de libras do palco durante show do grupo no Festival Bocadim, em Brasília. O episódio ocorreu no domingo (8/9), no último dia do evento.
Segundo a organização do Bocadim, duas intérpretes se revezavam no palco, como ocorre obrigatoriamente nos festivais do DF, quando uma produtora do grupo pediu para que ela se retirasse. Ela teria ido até a profissional três vezes e, em todas, a tradutora afirmou que não poderia sair, pois aquele era o trabalho dela. Após as negativas, então, apareceu o empresário da banda, que segurou a mulher pelo braço e a arrastou para fora do palco sob a justificativa de que ela estaria “atrapalhando o show”.
- Leia também: Banda Uó anuncia retorno após seis anos longe dos palcos
- Leia também: 10ª edição do Festival Bocadim celebra a diversidade musical
“A gente está extremamente abalado, nunca aconteceu algo sequer parecido nesses 10 anos de festival”, revelou Dayse Hansa, coordenadora geral do Bocadim. A organizadora contou que a situação foi um desconforto não só para a intérprete, mas para as mulheres que trabalhavam na equipe técnica durante a apresentação e até mesmo para algumas pessoas do público que presenciaram a cena.
Em nota, o Festival Bocadim detalhou o caso e informou que o empresário da Banda Uó — que não teve o nome divulgado — "de forma injustificável, se comportou como se fora o responsável do palco e do festival e, nessa falsa condição, retirou de forma violenta uma das interpretes de Libras do palco". "A vítima, que estava no estrito cumprimento de suas funções profissionais, foi considerada, sem razão, como um "obstáculo" ao show", diz trecho.
O festival classifica que a retirada da intérprete ocorreu "de maneira brusca e covarde, com o agressor puxando o braço da intérprete com força desmedida, desrespeitando tanto a profissional e sua integridade física e moral quanto a direção de palco, a coordenação técnica e também a coordenação geral do Festival".
"Antes de qualquer intervenção por parte de quem não detinha nem detém competência para tal (indicar onde a acessibilidade precisa ser disposta), o correto, para "negociar" ajuste de posição seria ter notificado a direção de palco, a coordenação técnica, coordenação de acessibilidade e, em última instância, a coordenação geral do evento para solicitar ajustes de posição e não simplesmente decidir por tirar alguém no exercício profissional, em relação ao qual ele não tem nenhuma responsabilidade, ainda mais se valendo por violência", diz a nota. Confira a íntegra do posicionamento:
"Me senti muito humilhada, atacada e invadida"
Vitória Cristina da Silva, a intérprete de libras, conta que havia acabado de ter um dos momentos mais mágicos do dia com o show da cantora Raquel dos Teclados. Acostumada a fazer tradução simultânea em shows, ela estava animada e curiosa para conhecer a Banda Uó. No entanto, desde o início, o ânimo foi minado pela produção do grupo, que não gostou da ideia de ter intérprete no palco pois, segundo eles, "atrapalharia a performance".
A profissional teve que lidar, durante a apresentação, com três pessoas da equipe, que iam até ela para pedir que mudasse de lugar. Em um momento, chegaram a desenhar uma marca no chão com um giz para que ela fosse para lá, mas Vitória se recusou. Isso porque o intérprete de libras precisa ficar em um lugar adequado e sob a luz, lugar que ela havia ocupado nos shows anteriores do festival.
“Passou um tempo, mandaram uma outra intérprete para o meu lugar, porque eu ‘não estava sendo compreensiva’”, relata. Foi nesse momento de troca que o homem, que se identificou como empresário da banda, puxou a jovem pelo braço e a puxou até a parte de trás do palco.
“Eu chorava, eu gritava ‘você é louco?’”, conta. “É o que eu lembro, porque eu fiquei cega na hora, de verdade”. Depois do episódio, ela chegou a ver de longe a conversa do homem com a equipe do festival, mas não quis se aproximar.
Vitória chegou a fazer um boletim de ocorrência e foi para o Instituto Médico Legal (IML) fazer um exame de corpo de delito. No local, a intérprete diz ter sido destratada pelo responsável pelo procedimento, que se negou a fazer o exame pois não havia marcas visíveis de agressão.
“Eu me senti muito humilhada, me senti atacada e invadida, ele invadiu o meu espaço”, desabafa. “Passou muitas coisas pesadas na minha cabeça, porque é um trabalho pesado, ninguém sabe que a gente passa antes de subir no palco, já basta tudo que a gente passa por trás que ninguém imagina vem um cara puxar o meu braço no meio de um bando de gente”.
Em nota, banda lamenta ocorrido
Procurada pelo Correio, a Banda Uó ainda não se posicionou sobre o ocorrido. No entanto, no começo da noite desta segunda-feira (9), o grupo publicou um comunicado lamentando o ocorrido.
A publicação diz que a interprete de libras "estava mal posicionada e em linha com a marcação do nosso elenco, em uma área de risco pois poderia a qualquer momento ser atingida por um dos membros do ballet". "Nossa equipe interveio para reposiciona-la no local correto, temendo que ela fosse atingida durante a performance no palco. Depois de algumas tentativas frustradas de convencê-la, um dos membros da nossa equipe acabou puxando-a, medida impensada e desrespeitosa", diz a nota.
"Durante o ocorrido a Banda estava em performance e após a realização do show o profissional foi notificado para que reiterasse o pedido de retratação à intérprete e à equipe do Festival pelo ocorrido. Arcando com as devidas consequências. Reiteramos aqui que não concordamos com a conduta do profissional da equipe e estamos tomando todas as medidas necessárias para garantir que essa situação jamais ocorra novamente", diz trecho da nota.
No comunicado, a Banda Uó afirma ainda que se colocou à disposição para auxiliar a profissional e pedir "nossas sinceras desculpas para as intérpretes de LIBRAS do nosso show de ontem e também para toda a comunidade surda que esteve presente".
No Distrito Federal, a regulamentação do Programa de Incentivo Fiscal à Cultura prevê que projetos apoiados pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC), como é o caso do Bocadim, precisam atender critérios de acessibilidade. O recurso, que pode ser interpretação em Libras, audiodescrição, braille ou outros instrumentos, dependendo da natureza do evento, precisa ser indicado na inscrição. Nos casos em que há intérprete da língua de sinais, a lei ainda prevê que a organização deve posicionar o profissional em um ponto com foco de luz que o ilumine da cabeça até os joelhos para facilitar a visualização.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br