Há quem se posicione contra e quem se posicione a favor. Após a ação realizada no Eixão do Lazer pela secretaria DF Legal em parceria com o Departamento de Estradas de Rodagem do DF (DER-DF) e da Polícia Militar (PMDF), que retirou os ocupantes do local, entre artistas e ambulantes, os debates em torno do assunto reverberaram.
O Correio ouviu moradores da Asa Norte, especialistas e o Governo do Distrito Federal (GDF), que informou que as fiscalizações continuarão ao longo dos próximos finais de semana. Sem licença, não terão atividades ao ar livre.
Há duas décadas vivendo na Asa Norte e frequentando o Eixão, Amenair Torres, 61 anos, é contra a ação desse domingo (1º/9). Segundo ela, o barulho que chega nos apartamentos não é suficiente para incomodar. A aposentada classificou os ambulantes como essenciais para quem vai ao lugar passar o dia. "Sem falar nos eventos culturais. Há o choro, o samba, o rock, eu acho interessante e não costumo ouvir reclamações dos meus vizinhos. Na verdade, todos adoram".
Ana Paula Gurgel, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), apontou que ter um dia da semana para tornar o espaço público um lugar de lazer, em suas mais diversas formas, é um ganho para a qualidade de vida dos brasilienses. "É um espaço a mais que as pessoas têm para se reunir, confraternizar e usufruir a cidade de outra maneira que não somente pelo carro", destacou.
Para a turismóloga e agente de viagens Michelle Seabra, o Eixão do Lazer é responsável por promover qualidade de vida, sustentabilidade e integração social na capital. "O Eixão democratiza o uso de um espaço que, em dias normais, é dominado pelos carros. Isso promove a ideia de que as cidades devem ser feitas para as pessoas, não apenas para os veículos. A iniciativa atrai turistas interessados em conhecer uma Brasília mais descontraída e acessível, valorizando a cidade como um destino turístico que oferece opções além dos pontos turísticos tradicionais, e não só política", ressaltou.
Além de defender as manifestações culturais, o servidor público André Calixtre, 40, classificou como "absurdas" as reclamações acerca do volume de som das apresentações de chorinho. "Esse é um ritmo altamente sofisticado, música instrumental e sem voz, eu realmente acho que há um certo exagero por parte de quem reclama", disse. Apesar de ser a favor dos eventos, porém, ele, que é síndico do bloco em que mora, disse entender o lado dos moradores que vivem nos edifícios das pontas. "Nesse caso, eu reconheço que talvez o som fique mais alto e possa incomodar".
De dentro da janela
Nas redondezas da 208 Norte, não é difícil encontrar moradores que reclamem do barulho proveniente dos eventos. À reportagem, preferiram não se identificar, mas relataram que, para além do volume das músicas, o estresse com as vagas de estacionamento e com o acúmulo de lixo deixado pós-evento é recorrente.
Geraldo Côrtes, prefeito comunitário da 208 Norte, disse que a insatisfação é coletiva. Ele relatou que alguns moradores dos blocos J e K, localizados nas pontas da quadra, venderam seus apartamentos e preferiram deixar a Asa Norte. "A perda do sossego e da tranquilidade afeta a saúde das pessoas; nesses blocos vivem idosos, crianças e pessoas com autismo. O barulho tem incomodado muito", apontou.
A urbanista Ana Paula Gurgel destacou que tudo o que acontece na cidade precisa ser permeado por pactos. "A gente pode usar um determinado espaço público até que o meu direito não interfira no direito do outro; se não houver, de alguma maneira, um controle, com regras básicas de como será o uso, a convivência e a escala, o território pode acabar entrando numa disputa, o que pode causar diversos problemas do ponto de vista de acesso", apontou.
Crystyna Lessa, prefeita comunitária da 713 Norte, disse que os moradores que têm visão direta para a via costumam presenciar pessoas se embriagando durante o dia inteiro e dirigindo depois, o que tem promovido insegurança. "Muitas pessoas também se preocupam com a questão da alimentação, de como tudo é preparado e, principalmente, com o uso de botijão de gás. De pouquinho em pouquinho, nós vemos as irregularidades, que vão criando um grande problema", apontou.
Procurada pela reportagem, a Associação dos Moradores da Asa Norte — Amo Asa Norte informou que ainda não tem um posicionamento coletivo frente à situação, mas confirmou a onda de insatisfação.
Mobilização
A Câmara Legislativa do DF (CLDF) reunirá, nesta quarta-feira (4/9), às 18h, representantes do governo, do setor cultural, ambulantes e pessoas que trabalham no Eixão do Lazer para debater o episódio de domingo.
De acordo com Tita Lyra, presidente do Conselho Regional de Cultura do Plano Piloto, a ação não afeta apenas artistas e profissionais do setor que atuam no Eixão, mas toda a população do DF. "A forma como a abordagem se deu foi assustadora, parecia repressão, parecia ditatorial, e isso o Conselho Regional de Cultura não vai aceitar", afirmou, reiterando que uma das característica mais fortes da capital é a diversidade e que o Eixão, em sua essência, representa isso.
Independentemente dos posicionamentos, só permanecerá no local quem adquirir a licença necessária. Questionado pelo Correio, o DF Legal informou que dará continuidade às fiscalizações nos próximos domingos e orientou que os ambulantes não retornem ao Eixão sem a devida documentação para que não tenham suas mercadorias apreendidas.
Em resposta às medidas, haverá, nesta terça-feira (3/9), às 10h, uma manifestação em frente ao DER-DF. Segundo Kleiton Guimarães, do Complexo Itinerante, projeto que atua há cerca de dois anos no Eixão, a mobilização é feita para buscar esclarecimentos acerca da documentação necessária para atuar. Além dessa, haverá, no próximo domingo, também às 10h, uma manifestação na altura da 207 Norte, organizada pelos grupos culturais que costumam se apresentar no local.
"Todo mundo quer trabalhar da forma correta, mas a gente precisa saber quais são os caminhos para fazer isso", explicou Kleiton.
Nesta segunda-feira (2/9), o DER-DF informou que, a partir das 12h desta terça-feira (3/9), será disponibilizado, no site oficial, um cadastramento, de forma simplificada, específico para interessados em trabalhar como ambulantes no Eixão do Lazer aos domingos e feriados nacionais. O órgão destaca que se trata apenas de um pré-cadastro, uma vez que, neste momento, o Decreto Nº 40.877/2020, que proibia, entre outras coisas, a realização de atividades de lazer e de comércio no Eixão do lazer durante a pandemia, ainda está vigente e proíbe a concessão de autorizações.
O deputado distrital Fábio Félix (Psol-DF) — que organizou um abaixo-assinado intitulado Ocupa Eixão — apresentou, nesta segunda-feira (2/9) à tarde, um Projeto de Decreto Legislativo para sustar esse decreto instituído em função da covid-19. O parlamentar vai pedir que a proposta seja votada, com urgência, nesta terça-feira (3/9). São necessários 13 votos.
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