MOBILIDADE A PÉ

Mesmo com duas novas leis, mobilidade de pedestres ainda enfrenta barreiras no DF

A capital conta, desde o início deste ano, com duas leis criadas para garantir o caminhar dos cidadãos de forma segura. Apesar das medidas, brasilienses relatam que ainda há muitos obstáculos a superar. GDF garante que investimento na área é prioridade

O Distrito Federal ganhou, neste ano, duas novas leis voltadas aos pedestres. Promulgada pela Câmara Legislativa do DF (CLDF) em março, a Lei nº 7.463 instituiu a Política de Mobilidade a Pé, que visa garantir o direito dos cidadãos de se deslocarem de forma segura e contínua. Já a Lei nº 7.542 criou o Estatuto do Pedestre, documento que tem como um dos objetivos desenvolver ações voltadas à melhoria da infraestrutura para esse público. O Correio Braziliense conversou com especialistas e cidadãos que avaliaram as políticas como positivas, mas apontaram empecilhos que têm dificultado que os textos sejam colocados em prática. 

De autoria do deputado distrital Max Maciel (Psol), a Política de Mobilidade a Pé para o DF objetiva a criação de uma cidade mais caminhável e acessível, com menos barreiras físicas, sociais e institucionais que limitem o deslocamento a pé, especialmente das pessoas com deficiência e/ou baixa mobilidade, além de idosos e crianças. Para isso, são definidos princípios como acesso sustentável à cidade, segurança nos deslocamentos e equidade no uso dos espaços públicos. A lei que institui Estatuto do Pedestre, por sua vez, lista objetivos, direitos e deveres de quem caminha pela capital e responsabiliza o Poder Público pela manutenção de passeios e calçadas.  

O promotor de Justiça Dênio Augusto de Oliveira, coordenador da Rede Urbanidade do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), classificou as normas como "bem-vindas", mas destacou a necessidade da implementação integral do que está previsto nas legislações. "No âmbito federal e local, a legislação já assegurava diversos direitos aos pedestres, aos usuários do transporte coletivo e às pessoas com deficiência que, no entanto, nunca foram implementados; nós precisamos de uma mudança de paradigma no que diz respeito à política de mobilidade urbana, para que o automóvel deixe de ser o principal meio de deslocamento da população, o que não significa apenas trocar a frota de veículos a combustão por veículos elétricos. O momento é favorável para que isso ocorra, já que o Plano Diretor de Transporte Urbano do DF está em fase de revisão", avaliou. 

Coordenador da Associação Andar a Pé — O Movimento da Gente, Wilde Gontijo ressaltou que a segurança do pedestre deve ser garantida por espaços adequados ao caminhar, pela suficiente iluminação, pela proteção por meio do sombreamento natural ou edificado, pelo respeito às faixas de pedestres, por semaforização que respeite o tempo de travessia adequado e pela velocidade máxima de 50km/h na cidade e pela velocidade máxima de 30km/h em áreas com predominância de pedestres e ciclistas.

Sobre o Estatuto do Pedestre, o especialista classificou como atrasado em 64 anos. "Toda cidade deve ter na sua constituição elementos que cuidem das pessoas. Nesse aspecto, o Estatuto está 64 anos atrasado. Por outro lado, esse é um tema que somente tem ganhado relevância no Brasil nas décadas mais recentes. Prova disso é que Brasília é a segunda cidade a ter um Estatuto do Pedestre. A primeira foi São Paulo, em 2017, e o nosso se baseou em grande parte na legislação paulista. No restante do Brasil, essa prática não é frequente, infelizmente", pontuou. 

Calçadas são obstáculos

O advogado João Guilherme Reis, 39 anos, é pai de José Júlio, de 1 ano e 7 meses, e costuma passear com a criança pela via W3 Sul, nas proximidades da casa de sua mãe, a aposentada Laíza Reis, 74. Ele contou que aproveita os momentos em que vai para lugares próximos para caminhar e pegar sol. Contudo, relatou que atualmente os passeios estão tomados pela insegurança em decorrência dos obstáculos que encontram. "É preciso melhorar os desníveis das calçadas e tapar os buracos, além dos comércios que as invadem. Desse jeito, é difícil passar com o carrinho (da criança)." 

Recentemente, a família levou um grande susto. Dona Laíza também tem o costume de caminhar a pé quando precisa ir a lugares próximos e, há cerca de quatro meses, foi parar no hospital ao cair após tropeçar em pedras portuguesas que estavam soltas na altura da 315 Sul. Ela sofreu traumatismo craniano e permaneceu internada por três dias. "A calçada lá está muito esburacada, além de ter raízes de árvores. A W3 é uma área que tem muitos idosos, então é preciso ter uma atenção maior, por causa desse público. Precisamos de manutenção e fiscalização", avaliou. 

Minervino Júnior/CB/D.A.Press - Laíza Reis (D) ficou internada por três dias após sofrer queda

Michelle Andrade, especialista em segurança viária e professora da Universidade de Brasília (UnB), explicou que, historicamente, a infraestrutura para o caminhar não é prioridade dentro dos projetos de mobilidade do DF. "Vemos isso pela largura e condições das superfícies das calçadas, das rotas, das velocidades regulamentadas e do sistema de transporte público inadequado." Ela apontou que o conforto e a segurança nos trajetos são elementos prioritários e consistem em rotas adequadas, condições das calçadas e das travessias sinalizadas e com superfície regular, sem degraus, desníveis, buracos, interferências físicas; iluminação e conexão com a estrutura de transporte público.

Mas o cenário atual não é exatamente como deveria ser. Eudenes Mendonça, 57, mora na Asa Sul há cinco décadas. Ela classifica o ato de caminhar como um dos melhores benefícios à saúde e contou, orgulhosa, que tem o costume de andar por quase dois quilômetros quando quer ir ao Pátio Brasil. Ao ser abordada pela reportagem, afirmou que falavam com a pessoa certa. Desabafou que tem tido dores de cabeça com as tampas quebradas das caixas de telefonia nas calçadas.

"Elas não têm piso tátil, falta acessibilidade. Esses dias, presenciamos a queda de um homem com deficiência visual, ele caiu dentro do buraco. Eu já liguei pedindo para eles virem tampar, mas não atendem. Agora, o pessoal se juntou e colocou troncos e pedaços de madeira, para tentar evitar as quedas, porque até pessoas que não têm deficiência não enxergam e caem", indignou-se. Eudenes guiou a reportagem por cerca de quatro caixas destampadas, ao longo da W3, e lotadas de entulho descartados pela população. 

Fabiana Arruda, especialista em mobilidade urbana e professora da UnB, destacou que, para além de sanções e promulgações, é necessário que os artigos deixem o papel e tornem-se realidade. "Enquanto a política não sair do papel, da forma como deve ser, e cada governo se responsabilizar pelo planejamento adequado, não só para pedestre, mas pelo todo, não vai resolver nada. Não adianta a gente olhar de uma forma segmentada, só para o pedestre ou só para o ciclista, tem que ser sistêmico, tem que olhar o todo", declarou.

Aos 64 anos, a aposentada Ana Helena desloca-se pela Asa Sul sempre caminhando. Ela reclamou que tropeçar nas pedras soltas faz parte da rotina diária e que, por ser idosa, sente-se insegura, pois teme quedas. "Eu moro aqui (Asa Sul) há 40 anos e acho que as calçadas do DF precisam melhorar muito para que as pessoas possam caminhar com segurança." 

Minervino Júnior/CB/D.A.Press - Ana Helena diz que tropeçar em pedras soltas faz parte da rotina

Na prática

Ao Correio, o secretário de governo, José Humberto Pires, informou que a implementação e a reforma das calçadas existentes é uma prioridade do GDF e que o serviço está sendo executado em todas as regiões administrativas. "Essa é uma política extremamente relevante e estamos trabalhando fortemente em todas as áreas do DF com foco na acessibilidade. Hoje (ontem), pela manhã, estive no Sol Nascente e em Ceilândia vistoriando os serviços que já foram executados por lá e os resultados são excelentes. Atualmente, estamos fazendo a reestruturação total das calçadas do Lago Sul e o Núcleo Bandeirante é a próxima região a receber as obras de reestruturação e acessibilidade das calçadas", disse. 

O secretário citou o Pistão Sul, a Avenida Hélio Prates e a Avenida Paranoá como exemplos de obras finalizadas com serviço completo. "Alguns comerciantes reclamam da questão do estacionamento, e, sim, o estacionamento é importante, mas o mais importante é o direito de ir e vir dos pedestres, daquelas pessoas que se deslocam em cadeiras de rodas, nós estamos trabalhando em todas as áreas", completou.  

O GDF informou que, desde 2019, já restaurou 650 km de calçadas em todas as 35 RAs, sendo que, em 2023, o investimento nas obras ultrapassou o valor de R$ 41 milhões. No ano passado, foram realizadas 180,5 Km de calçadas e somente no primeiro semestre de 2024 foram realizados mais de 125,5 km. Em 2024, a expectativa é de um resultado superior ao alcançado em 2023. As demandas são priorizadas pelas Administrações Regionais. 

"Os serviços são executados de duas formas. Primeira, manutenção de calçadas existentes e adequação de rotas acessíveis em todo o Distrito Federal. São contratos contínuos que visam melhorar a acessibilidade e reformar as calçadas antigas e ampliar trechos que são muito usados pelos pedestres. Segunda, implantação de rotas acessíveis com projetos da SEDUH que preveem uma requalificação urbana dos trajetos para equipamentos públicos como escolas, hospitais e estação de metro. Os contratos de estacionamento e reforma de campo de grama sintética também executam calçadas no seu entorno, garantindo a acessibilidade aos equipamentos públicos", informou a Novacap. 

José Humberto destacou a criação do Programa Administração Regional Digital 24h para que os moradores do DF possam protocolar suas demandas. "Estamos em fase de testes, mas já recebemos muitas demandas e todas são protocoladas e colocadas no plano de prioridades", informou.

 

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Administração Digital

O GDF informa que a população pode questionar e enviar demandas por meio do Programa Administração Regional Digital 24h, pelos seguintes canais: portalcidadao.df.gov.br, 156, presencial nas administrações regionais e

pelo WhattsApp (3410-9000)

Objetivos da Política de Mobilidade a Pé

I - requalificar os espaços públicos para o deslocamento a pé;

II - estimular a mobilidade a pé com a criação de rede de infraestrutura de pedestres;

III - facilitar a utilização do sistema de transporte público coletivo (sobre trilhos e sobre
pneus) com a integração dos modos;

IV - melhorar o acesso da população aos principais polos geradores de viagens e pontos
comerciais do DF;

V - melhorar a saúde do brasiliense, diminuindo o sedentarismo;

VI - criar o Comitê Técnico de Mobilidade a Pé com sociedade civil e entidades governamentais e não governamentais que atuam com esta temática no Distrito Federal;

VII - criar e atualizar o Plano de Mobilidade a Pé, que deve ser considerado nas revisões do Plano Diretor de Transportes Urbanos do Distrito Federal, a cada seis anos, garantindo ampla consulta à população e aos diversos setores da sociedade, a fim de assegurar as diretrizes e estratégias que estejam alinhadas com as necessidades e demandas dos pedestres.