Artigo

Pelo fim da violência política  de gênero e raça nas eleições

É fundamental que as direções partidárias se comprometam e adotem medidas concretas de proteção às candidatas, a fim de que haja, cada vez mais, mulheres, como Marielle Franco, participando da disputa eleitoral, sem que suas vidas sejam interrompidas

LÍGIA BATISTA — Diretora executiva do Instituto Marielle Franco, formada em direito pela Universidade Federal Fluminense, mestranda  em políticas públicas e direitos humanos na Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

No marco do prazo para os partidos deliberarem sobre a formação de coligações e sobre a escolha de candidata (os) aos cargos de prefeito(a), vice-prefeito(a) e vereador(a), uma carta aos partidos é assinada por mais de 1.500 pessoas com reivindicações para o enfrentamento à violência política de gênero e raça nas eleições de 2024. A carta foi escrita por nós do Instituto Marielle Franco, junto às organizações: Mulheres Negras Decidem, Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Eu voto em negra, Justiça Global, Terra de Direitos, Observatório de Favelas, Coalizão Negra por Direitos, Instituto Alziras e Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas. 

Nós defendemos que precisamos de mais mulheres negras e periféricas defensoras dos direitos humanos no poder. Precisamos que elas não sejam interrompidas! Nestas eleições de 2024 temos a oportunidade de garantir que as câmaras de vereadores e as prefeituras das nossas cidades tenham mais mulheres, pessoas negras e faveladas que defendem nossos direitos, para que os espaços de tomada de decisão tenham mais a cara do povo. 

Estamos presenciando o crescimento do conservadorismo e da extrema direita em diversos países e no Brasil. Nesse contexto, os movimentos sociais, organizações da sociedade civil e coletivos de mulheres negras transexuais, travestis e cis vêm protagonizando a resistência a uma série de ataques antidemocráticos e fundamentalistas aos nossos direitos a conquistas importantes, frutos de décadas de luta. 

Um desses retrocessos foi o avanço da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 09, na Câmara dos Deputados, conhecida como a “PEC da Anistia”, a qual, na prática, perdoa os partidos políticos que descumpriram a Lei de Cotas de distribuição de recursos do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda em rádio e TV no processo eleitoral de 2022. É a quarta anistia aos partidos que descumpriram suas cotas, o que é inaceitável. 

É nesse cenário que verificamos o recrudescimento da violência política contra mulheres negras, cis, trans e travestis, que seguem sub-representadas na política institucional. De acordo com os dados das eleições de 2020, elas contabilizam apenas 6,3% nas câmaras legislativas e 5% nas prefeituras. É certo que a violência política é a principal razão pela qual mulheres negras não entram ou permanecem em espaços políticos institucionais. 

O fenômeno da violência política de gênero e raça no Brasil é histórico e estrutura as bases de formação do país, assim como a ausência ou baixa participação do maior segmento populacional na nossa sociedade: mulheres negras. Em 2018, o feminicídio político de Marielle Franco trouxe luz às estruturas que circundam a vida política contra tais mulheres e expôs as rachaduras estruturais presentes na frágil democracia brasileira. 

Com o objetivo de incentivar o ingresso das mulheres na política brasileira e garantir-lhes um exercício de mandato livre de barreiras preconceituosas, em 4 de agosto de 2021, foi aprovada a primeira lei sobre violência política. A  Lei nº 14.192/2021 prevê, entre outros aspectos, a responsabilidade dos partidos políticos para prevenir a violência política de gênero e racial, e proteger as mulheres na política. Contudo, a maioria dos partidos políticos continua negligenciando a necessidade de criação de políticas internas de proteção e segurança efetivas às mulheres, e descumprindo a lei de violência política contra as mulheres. 

A eleição municipal se aproxima e precisamos pautar o debate sobre violência política de gênero e raça e o que ela significa para a vida de mulheres negras como Marielle, que tiveram sua vida atravessada pela violência. É fundamental que as direções partidárias se comprometam, este ano, para que vejamos medidas concretas para prevenir e enfrentar a violência política de gênero e raça na prática, a fim de que haja cada vez mais mulheres como Marielle Franco, sem que suas vidas sejam interrompidas. 

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