Em regiões movimentadas do Distrito Federal, a sensação de insegurança aumenta a cada dia, mesmo que o número de crimes, de maneira geral, venha caindo. Um dos motivos é a presença de usuários de uma das drogas mais devastadoras, o crack. Dados da Polícia Civil (PCDF) apontam que 267,3kg da droga foram apreendidos em operações, desde 2021 até junho deste ano. Em relação à cocaína, matéria-prima do crack (leia O que é?), foram mais de 240kg, somente em 2024.
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A reportagem do Correio percorreu locais como o centro de Taguatinga e de Ceilândia, regiões onde problemas relacionados a esses usuários costumam ser maiores. Na QNN de Ceilândia, durante um fim de tarde, a reportagem flagrou diversas pessoas utilizando a droga. Alguns tentavam se esconder, mas a maioria não se preocupava e consumia o crack normalmente.
Gerente de uma loja próxima ao local dos flagrantes, Carlos* afirma que existem várias situações ligadas à presença dos usuários. "Além do consumo de drogas, eles costumam furtar o que estiver ao alcance para conseguirem comprar mais. Dois hidrômetros foram furtados de uma casa, num intervalo de três dias", comenta. Ele conta que se sente inseguro para trabalhar, com medo de que possa acontecer algo mais grave. "Em todo lugar é assim, mas aqui, especificamente, creio que seja pior. Até por isso, a loja contratou um serviço de prevenção, para evitar a circulação dos usuários nas proximidades", ressalta.
Vendedora de outra loja da QNN há nove meses, Joana* revela que é normal ocorrerem furtos, principalmente durante a madrugada. "O último que aconteceu aqui, por exemplo, foi há pouco mais de duas semanas", afirma. "O criminoso chegou a ser preso, enquanto ainda estava dentro da loja, mas foi solto no mesmo dia", lamenta. Para ela, a situação é muito difícil. "Nós, comerciantes, temos muito medo de reagir e acontecer algo mais grave, até porque eles costumam andar com facas e não têm nada a perder", avalia. "O que fazemos é ignorar e não fazer muito alarde sobre essas situações, pelo medo de voltarem e fazer algo pior com a gente", desabafa.
Em Taguatinga Centro, o Correio também observou uma grande presença de usuários, principalmente próximo ao antigo prédio da Receita Federal. Por lá, Pedro*, que é dono de uma das lojas das proximidades, afirma que a região está largada. "Com isso, a clientela fica com medo de passar por aqui, por causa da grande presença de pessoas utilizando e traficando drogas. Sem contar os prejuízos que ficam para a gente, principalmente com roubo de cabos", reclama.
Segundo o comerciante, a situação teve início um pouco antes da obra do Túnel de Taguatinga. "Como ficou isolado, por causa dos tapumes, a polícia deixou de passar por aqui, o que deu mais 'segurança' para os usuários ficarem", observa. "É muito raro ter rondas. A polícia só costuma aparecer quando acontece algo, só que, depois de cinco minutos, vão embora e acontece tudo de novo. O sentimento é de abandono, porque não tem o que fazer da porta para fora. O que sobra é 'cuidar do nosso', colocando câmeras, grades e sistema de alarme, na tentativa de diminuir as tentativas de furto", comenta.
A reportagem também foi até a Rua das Farmácias, na 502 Sul. Quem trabalha por lá não tem a menor sensação de segurança. Júlia* é operadora de caixa e conta que sai do trabalho às 23h, sempre com medo. "Já presenciei muitos assaltos e, constantemente, pessoas em situação de rua usam drogas, até mesmo aqui na porta", relata. "Meu maior medo é por ser mulher. Tenho pavor de que aconteça algo até mais grave do que um roubo", teme Júlia.
Desarticulação
O secretário de Segurança Pública (SSP-DF), Sandro Avelar, afirma que o problema das drogas, como o crack, envolve diversos segmentos do governo e da sociedade. "No que tange à segurança pública, temos trabalhado de forma integrada com outras pastas e instituições, atuando em várias frentes no combate ao tráfico e uso de drogas", destaca. "Além do trabalho de inteligência, investigação e repressão, a SSP-DF colabora com outras unidades da Federação e órgãos federais na identificação e desarticulação de grupos especializados em tráfico de drogas, visando impedir a circulação de substâncias ilícitas no DF", acrescenta o secretário.
Porta-voz da Polícia Militar (PMDF), o major Raphael Broocke afirma que existe um patrulhamento efetivo nas regiões de maior incidência de usuários de drogas, como o centro de Taguatinga. "A PMDF está atenta à movimentação da criminalidade e conta bastante com os dados estatísticos para alocar, da melhor forma, seu policiamento. Por isso, é muito importante o registro da ocorrência, não importa qual seja o tipo de crime", alerta.
Ele explica que o furto, principal crime cometido por usuário de crack, é de oportunidade. "Geralmente, o autor procura um ponto fraco no local escolhido ou uma pessoa que esteja desatenta, valendo-se disso para cometer o crime", pontua. O major ressalta que a PMDF prende, diariamente, diversos criminosos por essa prática. "Mas não há punição efetiva. Muitas vezes, eles estão soltos em menos de 24 horas e o índice de reincidência é muito alto", avalia.
Além do registro da ocorrência, o porta-voz da Polícia Militar comenta que, no caso dos comércios, é importante a instalação de dispositivos de segurança que venham a dificultar a ação dos criminosos. "Também é necessário que a população busque, junto aos batalhões das regiões, soluções conjuntas. A PMDF precisa ser procurada para que se tenha uma sensação maior de segurança", argumenta.
Tráfico
O delegado Rogerio Oliveira, responsável pela Coordenação de Repressão às Drogas (CORD/PCDF), diz que o trabalho no enfrentamento ao tráfico de drogas é realizado, em especial, focando nas organizações criminosas que insistem em comercializar entorpecentes no DF. Ele conta que a diminuição da quantidade de crack apreendido está relacionada ao aumento na cocaína.
"O crack é uma substância entorpecente que advém da cocaína, assim, ambas substâncias têm, em sua composição, um alcalóide obtido das folhas da planta Erythroxylum coca", explica. "Assim, o Instituto de Criminalística da PCDF vem alocando o crack, desde 2023, na mesma categorização da cocaína, haja vista que ambos têm o mesmo princípio ativo", detalha o delegado.
Para ele, o enfrentamento ao uso do crack exige uma atuação multissetorial. "É um entorpecente barato, o que facilita sua disseminação entre a população mais vulnerável da sociedade. Além disso, o uso do crack é extremamente viciante e o acesso a tratamentos de saúde, reabilitação e acolhimento ainda precisam avançar", opina Rogerio Oliveira.
Atenção psicossocial
Diretora de Serviços de Saúde Mental da Secretaria de Saúde (Disam/SES-DF), Fernanda Falcomer afirma que a pasta adota uma abordagem integrada para oferecer atendimento eficaz aos pacientes que fazem uso abusivo de crack e outras substâncias. "O trabalho é focado em oferecer um suporte integral aos usuários, desde o primeiro atendimento até o processo de reinserção social", ressalta. "Contamos com uma rede de centros de Atenção Psicossocial especializados em álcool e outras drogas (CAPS AD), que oferecem acolhimento, atendimento com equipe multidisciplinar, além de atividades terapêuticas", acrescenta Fernanda.
De acordo com a gestora, os serviços funcionam de porta aberta, ou seja, não é necessário encaminhamento para ser acolhido. "Atualmente, a secretaria conta com oito CAPS AD, distribuídos nas Regiões de Saúde do Distrito Federal. Caso uma pessoa apresente sofrimento com o uso abusivo de crack ou outras drogas, ela pode procurar um dos centros", destaca Fernanda (confira o quadro).
*Os comerciantes entrevistados preferiram não se identificar.
O que é o crack?
O crack é uma droga de abuso, responsável por altos índices de dependência entre seus usuários. Trata-se de um derivado da cocaína, podendo conter de 40 a 80% desta. A droga também conta com um teor significativo de impurezas, por ser associado a substâncias como cal, cimento, amônia e acetona, barateando seu custo e causando prejuízos imensuráveis à saúde do usuário. O crack se expandiu para o Brasil entre as décadas de 80 e 90, como uma droga de menor custo, quando comparada à cocaína. Por isso, seu uso predominou em grupos socialmente marginalizados, sendo, atualmente, a epidemia do crack uma questão de saúde pública.
Fonte: Maria Amélia Albergaria, doutora em química e professora do Centro Universitário Uniceplac
Onde buscar ajuda
» CAPS I: para pessoas de todas as idades que apresentem sofrimento psíquico intenso decorrente de transtornos mentais graves e persistentes ou do uso de álcool e outras drogas. Funciona de segunda a sexta-feira em horário comercial.
» CAPS AD II: atende a pessoas a partir dos 16 anos que apresentem sofrimento psíquico intenso decorrente do uso de álcool e outras drogas. Funciona de segunda a sexta-feira em horário comercial.
» CAPS AD III: atende a pessoas a partir dos 16 anos que apresentem sofrimento psíquico intenso decorrente do uso de álcool e outras drogas. Funciona 24 horas por dia, incluindo finais de semana e feriados.
Fonte: SES-DF
Três perguntas para
Fábio Aurélio Leite, médico psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte e membro titular da Sociedade Brasileira de Psiquiatria
A droga vicia rápido?
Sim. Ele proporciona uma quantidade de prazer muito grande, em um período de tempo muito curto. Além disso, o usuário sente uma enorme necessidade de retornar a esse estado de satisfação, por isso acaba ocorrendo o vício na droga.
O que leva uma pessoa a utilizar o crack?
São vários motivos. Desde a curiosidade, passando por pressão de grupo de amigos, até chegar naqueles usuários que começaram por outras drogas, até chegar no crack. Mas, geralmente, quem utiliza esse tipo de substância, quer "fugir da realidade".
O que o poder público pode/deve fazer para mudar essa realidade?
Campanhas constantes nas escolas e faculdades, para que as pessoas entendam que as drogas têm um intercurso. Você começa com algo mais simples, até chegar em substâncias mais fortes, como o crack, e fica refém desse tipo de prática, podendo até cometer delitos para ter acesso a droga. Além disso, são necessárias medidas mais assertivas, em relação à prevenção e ao controle da droga.
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