A hipótese de que o incêndio ocorrido, terça-feira — que provocou a morte de três moradores de um apartamento em Valparaíso de Goiás — tenha sido causado pela reação química de um produto utilizado para impermeabilizar o sofá deles começou a ser cogitada por investigadores policiais. Ainda que eles não descartem outras possibilidades, o processo aplicado no móvel foi incluído nas análises, o que deixou vários moradores do DF e do Entorno preocupados quanto a esse serviço que é bastante procurado. Renan Lima Vieira que realizou o trabalho, uma das duas pessoas que sobreviveu ao incidente e que estava hospitalizado com queimaduras, teve alta ontem. Maria das Graças, mãe de uma das vítimas, segue internada em estado estável, sem previsão de quando deixará o centro médico em que está.
O Correio entrevistou bombeiros, especialistas em Química e profissionais de impermeabilização. Eles apontaram sobre riscos da atividade, que inclusive conta com uma normas e exige preparação técnica para ser exercida adequadamente. Ontem, familiares e amigos se despediram e enterraram Graciane Rosa de Oliveira, 35 anos, Luiz Evaldo, 28, e o filho do casal, o bebê Léo, de 19 dias.
Policiais civis e peritos criminais aguardam os resultados dos laudos para fechar o quebra-cabeça e determinar o que provocou a fatalidade. Eles trabalham com duas linhas de investigação: vazamento de gás e analisar eventuais reações químicas incendiárias devido ao produto usado para impermeabilizar.
Segundo os peritos, para trabalhos do tipo em sofás combinaram-se substâncias que têm por base materiais inflamáveis ou água. O aspirante do Corpo de Bombeiros Militar do DF Anderson Ventura diz que nos dois casos há riscos diferentes, mas que é possível trabalhar com segurança, desde que se tomem medidas preventivas.
Ramon Tiago Albuquerque Andrade, mestre em físico-química pela Universidade de Brasília (UnB), por sua vez, acrescenta que misturas químicas sem a devida atenção podem ser perigosas, provocando combustões.
"Isso pode ser ocasionado por uma simples mistura de materiais. E, se não for feito com cuidado o cálculo das proporções, pode-se ocasionar uma explosão. E, se o ambiente onde a pessoa estiver manipulando esses materiais não estiver na temperatura correta, pode haver explosão também", diz.
Além desses alertas, o aspirante Ventura explica que, para ocorrer um incêndio com uso de líquidos inflamáveis, não é necessário que eles estejam em altas temperaturas. Vários desses compostos químicos entram em combustão entre 20ºC e 30ºC. Ele também adverte que, em alguns casos, bastam temperaturas um pouco abaixo dessas para que comecem a liberar vapores ou gases inflamáveis. O contato deles com uma fonte de ignição, como uma simples faísca, faz surgir fogo. "O vapor gerado nesse tipo de situação (impermeabilização) tem cheiro, mas não tem cor e não se consegue ver para onde se espalha", ressalta Ventura.
Fiscalização
Dados os riscos que representam, o manuseio de substâncias químicas — como as usadas na impermeabilização — segue uma norma regulamentadora: a NR 20 do Ministério do Trabalho. Ela estabelece a execução do trabalho com inflamáveis e combustíveis, considerando as atividades, instalações e equipamentos utilizados. Além disso, conta com regras que vão desde a manutenção e segurança até a capacitação dos trabalhadores. Nesse sentido, o prestador do serviço — como o impermeabilzador — tem de se submeter a cursos básicos, intermediários, avançados e específicos.
Apesar das diretrizes, muitos trabalhadores do setor de impermeabilização atuam de forma autônoma e em empresas que não passam por fiscalização. Em 2021, o ex-deputado Emílio Mameri (PSDB) apresentou um Projeto de Lei com protocolos apropriados para profissionais e empresas de impermeabilização em estofados, tapetes, cadeiras e outros bens móveis utilizando solventes inflamáveis. À época, o PL sugeriu que a aplicação da substância fosse feita na própria sede da empresa, com sistema de ventilação especial e segurança contra incêndio compatível com o nível de risco da atividade.
Precauções
Para evitar tragédias como a que ocorreu em Valparaíso deve-se ter em conta desde a escolha do profissional até o local onde o produto será aplicado. O bombeiro militar Ventura sugere que o cliente peça ao funcionário fazer um teste em espaço aberto, longe de outros tipos de combustíveis: "Pode pedir para tirar uma fração mínima do produto e tentar acender com fogo. Se não conseguir, indica que não é inflamável. Quando existe a queima, os gases expandem. Ele seguem a tendência de ocupar um espaço maior. Em um local sem ventilação, fechado, como em um apartamento, não vão ter como se expandir, o que leva à explosão", detalha.
O especialista Ronaldo Silva Tavares trabalha com impermeabilização há três décadas. Para ele, a possibilidade de o produto utilizado para impermeabilizar o estofado do sofá, em Valparaíso, ter sido o causador das chamas não pode ser descartada.
Ele lembra que impermeabilizantes inflamáveis são facilmente encontrados na Internet e, comumente, pessoas sem qualificação na área o adquirem por curiosidade e sem ter noção dos perigos envolvidos. "Além do curso e do CNPJ, é necessário utilizar o material adequado para fazer o serviço. A bomba aplicadora tem que ser de metal, principalmente no caso de produtos inflamáveis", ensina.
Tavares alerta que o trabalho sério de impermeabilização não deve se limitar à residência em que está sendo feito. Uma fagulha ou faísca em moradias vizinhas pode contribuir para eventuais incêndios onde se realiza o serviço, se não houver prevenção. "Mas, se utilizado o impermeabilizante certo e aplicado por um profissional preparado, o serviço não oferece riscos elevados", tranquiliza.
Gustavo Henrique Moreira, proprietário de uma empresa especializada em limpeza e impermeabilização de estofados, explica que, atualmente, existem três tipos de produtos adequados a essa finalidade no mercado. "Há produtos à base de água, à base de solvente não inflamável e à base de solvente inflamável, que é o mais arriscado. Muitas empresas utilizam o inflamável porque não mancha o chão, não requer isolamento quando há madeira no sofá e não exige cuidados adicionais com o móvel do cliente, como os outros produtos. Assim, optam por essa opção para reduzir custos e a necessidade de técnicas especiais", esclarece.
O adeus a uma família
Sob forte comoção, ontem, os corpos das três vítimas do incêndio ocorrido na terça-feira, no condomínio Parque das Árvores, localizado no bairro Parque Rio Branco, em Valparaíso de Goiás, foram velados e enterrados. Mais de 100 pessoas compareceram à cerimônia para prestar condolências. O prefeito do município, Pábio Mossoró, também compareceu.
Elivelton Lima, 25, único irmão único de Luiz Evaldo, declarou que a situação não está fácil para a família, que perdeu três entes de uma vez só. "Foram horas e dias de muita necessidade de carinho, de oração de todos, mas muita gente se solidarizou tanto com ajuda financeira quanto com apoio emocional. E eu quero deixar minha gratidão a cada uma dessas pessoas porque isso tem feito toda diferença", expôs. Elivelton é militar e, por isso, o enterro contou também com a presença de membros do Exército. Ele definiu o irmão como uma pessoa querida, que fazia amigos, involuntariamente, por onde passava.
"Meu irmão não era de buscar fazer muitos amigos, mas automaticamente ele fazia isso. Eu não tenho palavras para descrever o quanto que eu o amava e o quanto ele me amava. O Luiz abria mão do próprio conforto para me deixar confortável, isso é algo que vou levar para o resto da minha vida", disse.
Sobre o sobrinho Léo, o tio o descreveu como um bebê sorridente. "Ele veio para trazer uma alegria incrível para a gente, mesmo com tão pouco tempo de vida, transformou nosso corações. Ele sorria e brincava. É é muito doloroso, ele viveu tão pouco", lamentou.
Amigo de infância, Leonardo Pereira Resende, 29, lembrou dos bons momentos que colecionou ao lado do amigo. "Desde criança, estudamos juntos. Tivemos uma convivência longa na adolescência. Ele sempre foi uma pessoa adorável, desde pequeno. Dá para ver isso nas fotos dele com a esposa. Era muito carinhoso e atencioso, não à toa que tem tanta gente aqui, é porque ele era uma pessoa surreal e que vai fazer muita falta", disse.
Restrições
Presente no velório, o síndico do condomínio, Anderson Oliveira, anunciou que 64 dos 88 apartamentos que compõem o bloco E, onde o incêndio ocorreu, foram liberados. Os outros 24, que estão divididos do 6º ao 11º andar, passam por vistoria, sem previsão de serem liberados. Ele informou que o bloco é composto por duas torres, A e B. No caso da A, aqueles que estão localizados no 1° ao 5° andar, não sofreram nenhum tipo de dano nas fiações, e por isso puderam ser reocupados. Na torre B, nenhum apartamento foi danificado, sendo assim, todos os moradores puderam retomar ao seus lares.
Para auxiliar na vistoria, o condomínio adquiriu uma máquina importada. O equipamento auxiliará na inspeção da junta de dilatação do bloco. Com isso se verificará se a estrutura do edifício foi afetada. A previsão é de que o equipamento chegue ainda hoje.
Colaborou Mariana Saraiva
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