SAÚDE PÚBLICA

Em ano mais crítico da dengue, especialistas alertam sobre riscos

Número de mortes pela doença em 2024 chegam a 432 e o DF permanece em primeiro lugar no Brasil, no coeficiente de incidência. Secretaria de Saúde intensifica ações preventivas. TCDF recomenda mais agentes de saúde

Agentes sanitários têm um papel importante nas ações de prevenção contra focos do mosquito Aedes aegypti -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
Agentes sanitários têm um papel importante nas ações de prevenção contra focos do mosquito Aedes aegypti - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

Há sete meses, o Distrito Federal decretava situação de emergência na saúde para enfrentamento da dengue. De janeiro até a segunda semana de agosto de 2024, foram notificados 274.446 casos prováveis da doença no DF, dos quais 11.700 tinham sinais de alarme. Um total de 432 óbitos foi registrado nesse período. Durante todo o ano de 2023, morreram 19 pessoas de dengue.

Até hoje, o DF é a unidade federativa com maior coeficiente de incidência dessa arbovirose, segundo o Painel de Monitoramento do Ministério da Saúde. De acordo com a Secretaria de Saúde (SES-DF), novas tecnologias estão sendo incorporadas no combate ao mosquito aedes aegypti, e um novo sistema de informação está sendo implementado para monitoramento das ações do controle vetorial.

As 11 tendas de hidratação implementadas para atendimento exclusivo de pacientes com sintomas de dengue foram desmontadas em junho. A SES orienta os pacientes para que sejam atendidos na Unidade Básica de Saúde (UBS) de referência mais próxima. Segundo a pasta, as ações de combate são contínuas. "Isso inclui visitas casa a casa, com o objetivo de eliminar focos do vetor, manejo ambiental, ações de mobilização e educação social, bloqueio de casos com uso de inseticidas, tratamentos de focos do vetor com uso de larvicidas e uso de armadilhas de monitoramento de infestação (ovitrampas)", informou a secretaria, em nota.

"A SES-DF esclarece ainda que atua em conjunto com o Governo do Distrito Federal (GDF) na realização dos serviços de saúde e na promoção do atendimento diário. Neste ano, foram aplicados R$ 9 milhões na revitalização de unidades da Atenção Primária à Saúde (APS) de um total de R$ 18 milhões empenhados", divulgou a pasta. 

Prevenção

Segundo o sanitarista e professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Jonas Brandt, é imprescindível fazer o controle do mosquito ainda na época de seca para evitar que, quando começarem as chuvas, tenham ovos do Aedes aegypti prontos para se desenvolverem. "Muitas vezes, apesar de o recipiente com água ter secado, os ovos do mosquito ficam na borda esperando o momento em que volta a ter água para eclodir, podendo iniciar a infestação do próximo verão mais cedo. Quanto mais ovos em possíveis recipientes forem retirados durante o inverno, mais o início da infestação, quando começam as chuvas, tende a se atrasar e aí não dá tempo de a epidemia crescer tanto", explicou.

O especialista esclarece que, para haver uma prevenção eficaz, é preciso engajamento por parte da comunidade, campanhas educativas de comunicação e atuação estratégica por parte dos agentes de vigilância ambiental em saúde. "É preciso atuar para produzir inteligência estratégica. Quais bairros serão priorizados para visita, em quais regiões será trabalhado o processo educativo, em quais regiões será mais trabalhada a limpeza pública. Isso tudo deve ser trabalhado com uma inteligência epidemiológica, ou seja, análise dos dados para priorização das intervenções", elencou Jonas Brandt.

Professor e pesquisador em ciências do comportamento da UnB, Breno Adaid afirma que, historicamente, ocorre uma oscilação positiva de casos com a chegada das chuvas, pelo favorecimento à proliferação do mosquito. "Só que acredito que os casos aumentem em uma proporção bem menos assustadora do que a que vimos no começo do ano", opina.

Adaid explica que o surto da doença costuma ser bienal. "Como muita gente foi contaminada em 2024, isso dificulta que, pelo menos no início desse novo aumento, haja uma nova epidemia de dengue no DF, pois há um período de imunidade, que dura aproximadamente seis meses", avalia. "Mas, nem por isso, temos que deixar de lado os cuidados básicos, que diminuem a circulação do vírus", pondera.

Doença fatal

Desde 7 de maio de 2024, a diarista Rose de Oliveira chora todos os dias. Essa foi a data em que o filho dela, Mateus Vieira de Oliveira, 23, faleceu. A morte do jovem ocorreu 10 dias após ele receber o diagnóstico de dengue tipo D. Até conseguir o primeiro atendimento, Mateus foi à UBS do Itapoã, onde morava, e ao Hospital do Paranoá, sem sucesso. "Depois do início dos sintomas, ele foi mais de uma vez à UBS e só conseguiu ser atendido depois de desmaiar. Daí o transferiram para o Hospital do Paranoá. Não tinha UTI para ele lá e precisamos recorrer à Defensoria Pública do DF para conseguirmos uma UTI no Hospital do Gama. Lá, constataram que ele estava com dengue tipo D e havia contraído uma bactéria derivada da infecção. Ele sofreu uma parada cardíaca e faleceu 10 dias depois de ser internado", compartilhou a irmã, Letícia Vieira de Oliveira, 20.

Mateus faleceu de dengue em maio, deixando esposa e uma filha
Mateus morreu de dengue em maio, deixando esposa e uma filha (foto: Arquivo pessoal)

Mateus deixou a esposa e uma filha de 6 anos. "Ele era muito amado pela família. Todos sentimos muito a perda dele, principalmente a minha mãe, que chora diariamente. Ele era muito amoroso, tinha o coração enorme, estava sempre protegendo todo mundo", lamentou a irmã.

Moradora do Guará, Amanda Carvalho, 41, teve dengue duas vezes. Da primeira vez, toda a família foi infectada também, pai, mãe e irmãs, totalizando cinco pessoas da mesma residência. "Próximo da minha casa, no Guará 2, tinha uma casa abandonada, creio que o foco do mosquito veio de lá. Avisamos vizinhos e a administração regional, mas nada foi feito", contou. Ela disse ainda que, depois disso, várias pessoas da mesma rua pegaram a doença. "Depois disso, enviaram alguém para podar as plantas e tirar o lixo da casa abandonada ao lado. Logo depois, o imóvel foi alugado. Mas, ainda hoje, ficamos bem atentos com mosquitos, só temos plantas plantadas na terra. O cuidado redobrou", acrescentou.

Amanda ficou 10 dias afastada do trabalho e chegou a ser internada. "Não tinha força para tomar um copo d'água que estava na cabeceira da minha cama. Tinha que levantar com ajuda para ir ao banheiro. Muita dor de cabeça, no corpo e uma fraqueza enorme. Cheguei ao hospital com nariz sangrando e muito fraca. Fizeram o teste para ver se era dengue hemorrágica (dengue grave), mas não se confirmou", relatou.

Marcos Manoel da Conceição Araújo, 21, morador de Ceilândia — região administrativa com maior incidência de casos no DF —, também foi infectado com a doença e detalhou ao Correio os sintomas que teve. "Fiquei muito debilitado. Começou com dores fortes no corpo, depois fiquei também com dor de cabeça e febre alta. Cheguei a vomitar algumas vezes", elencou. Marcos relatou ainda que precisou aguardar duas horas para ser atendido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA). "Apesar de demorado, o atendimento foi satisfatório", afirmou.

Agentes de saúde

Peças-chave no combate à dengue, os agentes de vigilância ambiental em saúde (Avas) e Agentes Comunitários de Saúde (ACS) estão em déficit no Distrito Federal, de acordo com Jonas Brant. O ideal é que haja um ACS trabalhando para cada 750 habitantes. Considerando a população do DF, de 2.817.381 pessoas, são necessários 3.750 ACS ativos. No entanto, há somente 1.053. No caso dos Aavas, o ideal é que cada um acompanhe de 800 a 1 mil casas. Portanto, seriam necessários 2.410 Avas. O quadro atual da secretaria de saúde conta com 517.

Em outubro de 2023, chegou ao fim o contrato temporário de 1 mil agentes de saúde, sendo 500 Avas e 500 ACS. Logo depois, houve concurso para agentes efetivos com o objetivo de preencher as vagas. Em dezembro de 2023, o concurso foi homologado. "Eles chamaram 75 Avas em janeiro, outros 75 Avas e 115 ACS em fevereiro. Mas o número ainda está muito abaixo do necessário", afirmou William Alencar, presidente da comissão dos agentes de saúde aprovados no último concurso.

Em março deste ano, o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) recomendou a nomeação de 800 Avas e 2.300 ACS, mas a orientação não foi cumprida. No último dia 1º de agosto, o TCDF determinou que, em até 30 dias, a SES deve apresentar um cronograma de nomeações dos aprovados no último concurso para Avas e ACS. Segundo a Secretaria de Saúde, "a pasta entende a importância da fiscalização pelos órgãos de controle e adota medidas em cumprimento às suas recomendações".

Vacinação

No DF, a vacinação contra a dengue começou a ser aplicada em fevereiro deste ano em crianças de 10 e 11 anos. Ao todo, 155.812 pessoas foram imunizadas no DF até o momento. Atualmente, o imunizante está disponível para a faixa etária de 10 a 14 anos. É preciso tomar duas doses, com intervalo de 90 dias entre elas. Se a pessoa já tiver sido infectada com a doença, é preciso aguardar seis meses para tomar a primeira dose.

 

NÚMEROS DA DENGUE NO DF

De janeiro até a segunda semana de agosto de 2024

432

óbitos

274.446

casos prováveis

Regiões com mais casos prováveis:

Ceilândia 32.533

Samambaia 21.186

Santa Maria 16.497

Taguatinga 14.267

Gama 11.778 

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postado em 23/08/2024 03:00 / atualizado em 23/08/2024 10:07
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