Patrimônio Cultural da Humanidade e museu a céu aberto, Brasília abriga edificações, estátuas, espaços culturais e até viadutos que são considerados monumentos. Esses símbolos únicos do Distrito Federal não apenas contam a história da capital, mas também a renovam. A cidade, fundada em 1960, possui relíquias da época da construção, e também de muito antes do projeto de Juscelino Kubitschek ganhar vida. E conservá-las é de suma importância para que o passado não seja apagado, assim como é uma forma de conectá-lo ao futuro.
Um exemplo recente de recuperação está no monumento Solarius, também conhecido como "Chifrudo" devido ao formato pontiagudo no topo da estátua. Localizada à margem leste da BR-040, na altura de Santa Maria, a obra possui estrutura de aço com chapas galvanizadas, lã de vidro e produtos plásticos. Sua restauração, que visa reformar o espaço e renovar a pintura, foi iniciada no último dia 19.
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Com 16 metros de altura, o monumento simboliza o movimento migratório dos brasileiros para a capital. Ferramentas como a foice e o facão aparecem na peça como representação do candango desbravando Brasília. Por isso, também é chamado por alguns de "Pioneiros Candangos". Em 1987, a obra passou pela única reforma, quando teve a cor avermelhada trocada pelo azul.
Atualmente, a recuperação do espaço está sob responsabilidade da Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda (Sedet), visto que a reforma conta com a atuação de 50 alunos do segundo ciclo do RenovaDF, programa de capacitação profissional. A proposta do Governo do Distrito Federal (GDF) é reformar não apenas a obra de arte, mas todo o espaço público ao redor dela. A previsão é de que o monumento seja reinaugurado em novembro deste ano.
Preservar também envolve a restauração para novos tipos de uso. Concebida por Oscar Niemeyer e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Casa de Chá da Praça dos Três Poderes foi reinaugurada como cafeteria-escola em junho. No espaço, estudantes do curso de gastronomia do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac-DF) realizarão estágios supervisionados por instrutores da instituição.
Em 2022, outro espaço bastante conhecido dos brasilienses, o Touring Club, localizado no coração da capital, passou a ser sede do Sesi Lab, que revitalizou o prédio para oferecer à comunidade e aos turistas uma imersão tecnológica que apresenta o futuro em uma edificação que retrata o passado.
Relevância
Segundo Juliano Loureiro de Carvalho, arquiteto no Senado Federal e urbanista, o parâmetro que define um monumento é sua relevância cultural para um dado grupo, mesmo na ausência de consenso ou de reconhecimento legal. Essa valorização pode estar associada desde a características estéticas ou históricas à identidade ou memória de uma comunidade. Daí a importância de conservá-los.
"Qualquer monumento oficialmente reconhecido deve ser inspecionado periodicamente para que se verifique suas necessidades de manutenção. Esses cuidados vão variar conforme seu material, suas condições de uso, sua exposição às intempéries e a outros fatores de degradação. As ações de conservação variam desde a simples limpeza com vassoura até consolidações estruturais complexas", explica Juliano, também coordenador do núcleo do Distrito Federal do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos).
Por ser uma cidade jovem, obras de interesse artístico e cultural datam de aproximadamente 60 anos e são conhecidas por suas estruturas e revestimentos de concreto armado ou aço, próprios da época. "Contudo, não podemos esquecer que também temos um patrimônio anterior à inauguração de Brasília, que contempla um importante acervo em madeira", completa o arquiteto. Nesse último caso, um exemplo é o centro histórico de Planaltina, região administrativa mais antiga do DF, que guarda edificações construídas há mais de 100 anos.
Reconhecer o valor
Na visão de Juliano, há necessidade de maior reconhecimento do valor dos monumentos, considerando aspectos como paisagem, infraestruturas urbanas — viadutos, passagens de pedestres e pontos de ônibus — e edifícios das mais variadas regiões administrativas.
"Além disso, há o desafio da fiscalização do que já está tombado, como se vê, por exemplo, na quantidade de ocupação privada irregular em áreas públicas do Conjunto Urbanístico de Brasília, que foram se consolidando ao longo dos anos", ressalta o especialista. Para ele, cabe ao poder público investir, não somente em obras, mas também na ampliação das equipes responsáveis pelo patrimônio local. "À população, cabe a conscientização quanto aos crimes contra esses espaços e à maior vigilância a fim de cobrar melhorias", acrescenta.
Na avaliação de Flaviana Lira, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), de forma geral, os bens localizados no Plano Piloto estão mais bem preservados e possuem rotinas bem estabelecidas de manutenção cotidiana, em relação às demais RAs. "Isso fica especialmente evidente nos patrimônios situados na escala monumental de Brasília", exemplifica.
Em concordância, Juliano ressalta que tal preservação se deve aos tombamentos e ao fato de o Plano Piloto ter sido historicamente privilegiado em diferentes aspectos. "Mesmo assim, alguns casos mostram como esses problemas estão amplamente difundidos", pondera. O urbanista cita, como exemplos, o Conjunto Fazendinha, na Vila Planalto, "que está em processo de arruinamento"; o Teatro Nacional, "cuja obra ainda se encontra muito longe de acabar"; as passagens subterrâneas do eixão; e o viaduto no Eixo Rodoviário, que desabou.
Apesar de o ato de tombar não impedir a degradação nos bens acautelados, impõe sanções a quem o faça sem a devida autorização da instituição responsável pela salvaguarda. "Além disso, esse reconhecimento oficial pode abrir possibilidades de se obter financiamentos e de que esses bens sejam incluídos em programas públicos ou privados voltados para a sua conversação", afirma Flaviana.
Educação patrimonial
Ao Correio, o secretário de Cultura e Economia Criativa do DF (Secec), Claudio Abrantes, garantiu que a pasta tem investido em manutenções e reformas de espaços culturais. "Nos últimos meses, os esforços e investimento se intensificaram. Os museus e monumentos sob tutela da Secec estão em plena atividade, buscando preservar a memória cultural e oferecer experiências transformadoras para a comunidade".
A pasta ainda informou que, neste mês que celebra o patrimônio histórico e cultural do país, está participando de atividades ligadas à educação patrimonial, como o Programa Territórios Culturais, cujo objetivo é promover visitas mediadas e ações pedagógicas com base nas concepções vinculadas às Políticas Públicas de Educação Patrimonial.
Questionada sobre a situação do Conjunto Fazendinha, tombado pelo patrimônio histórico do DF, a Secec afirmou que, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e com a UnB, será lançado o Canteiro Modelo, projeto de restauração dos imóveis do espaço.
"Devido ao estado avançado de deterioração dos bens, tem sido realizado um trabalho constante de escoamento visando dar sustentação e manter as estruturas", disse a pasta, em nota. Ainda segundo a secretaria, no momento, a UnB prepara o diagnóstico para iniciar as obras. O lançamento oficial do projeto deve ocorrer em outubro.
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