Telha, lona, pedaço de toldos, madeira e barras de ferro são alguns dos materiais comumente utilizados para levantar casas em invasões e em áreas de extrema pobreza. No Distrito Federal, há inúmeras localidades com estruturas feitas dessa maneira. Segundo a Secretaria DF Legal, atualmente existem 37 áreas consideradas de monitoramento prioritário, por serem locais comumente alvo de invasões e ocupações irregulares. Os aglomerados de barracos e a condição em que essas pessoas vivem tornam esses cenários passíveis de tragédias.
Na noite da última segunda-feira, um incêndio matou cinco pessoas que viviam em um barraco de madeira no bairro Nossa Senhora de Fátima, na região de Arapoanga, perto de Planaltina. A casa estava localizada próxima a outras residências também feitas em madeirite, e o fogo só não atingiu outras casas porque o Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF) conseguiu conter as chamas a tempo.
O CBMDF apontou que o risco de incêndios em invasões é mais alto, uma vez que os materiais usados para a construção das residências, como a madeira, são altamente inflamáveis por si só. A corporação salientou que o risco aumenta principalmente pelo fato desse tipo de residência estar associada ao uso de energia clandestina (gatos), ou velas e lamparinas. A falta de barreiras resistentes também contribui para a facilidade da propagação das chamas, o que propicia que o foco inicial passe para outras residências e proporcione um incêndio generalizado na ocupação.
"Casas feitas de materiais inflamáveis e localizadas próximas umas das outras aumentam significativamente a chance de incêndio, especialmente em contextos, como barracos, ocupações e invasões. Esses materiais, frequentemente compostos por madeira, plástico ou outros componentes facilmente combustíveis, contribuem para a rápida propagação do fogo. Quando as residências estão muito próximas, o calor e as chamas podem facilmente se transferir de uma casa para outra, exacerbando a velocidade e a intensidade do incêndio", explicou o CBMDF.
Segundo os militares, a falta de espaço e a proximidade dos barracos aumentam a dificuldade para os serviços de emergência combaterem o fogo e evacuarem os moradores de forma segura, elevando ainda mais os riscos para a segurança e a integridade dessas comunidades vulneráveis.
Insegurança
Alex Vitor Silvestre, 29 anos, vive no bairro Nossa Senhora de Fátima há cerca de três anos, ele mora a poucos metros da casa que pegou fogo. De acordo com ele, os moradores do local criam suas próprias gambiarras para ter acesso à energia elétrica e à agua. Apesar de saber dos riscos, ele relatou que essa foi a única forma que encontraram para viver. "Mesmo morando em barracos de madeira e sabendo dos riscos, a gente usa gás e lenha para fazer comida, mas não tem outra escolha, muitos não estão aqui porque querem. Temos medo, mas é questão de necessidade." O Corpo de Bombeiros destaca que as gambiarras ou "gatos" favorecem os curto-circuitos, que também podem desencadear incêndios e choques elétricos.
A empregada doméstica Aparecida Coelho Rodrigues, 45, também mora no bairro, há quatro anos, em um barraco feito inteiramente em madeirite. Ela confessou que, desde que chegou, vive com insegurança, e que depois de saber da tragédia, passou a ter ainda mais medo diante da situação. À reportagem, os moradores do bairro destacaram que, apesar de saberem dos perigos, não é incomum o uso de velas dentro das casas, pois recorrem a essa alternativa quando a energia acaba — o que não é raro.
Ao Correio, o capitão Dayan, da Defesa Civil, acrescentou que grande parte das tragédias com fogo registradas nessas localidades são causadas por conexão à rede elétrica de maneira irregular (gatos), fiação mal dimensionada, com muitas emendas, fiação antiga, exposta aos intempéries, curtos-circuitos e sobrecargas. "A Defesa Civil é um órgão articulador e realiza rotineiramente visitas em diversas regiões do DF visando à conscientização dos moradores, sobretudo aos que vivem em áreas mais sensíveis, sobre eventuais riscos a que estejam submetidos", disse.
O urbanista Frederico Flósculo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), explica que é preciso melhorar a qualidade das políticas urbanas para que essas pessoas sejam retiradas da exposição aos riscos. "Além dos sinistros de incêndio, há riscos relacionados às instalações elétricas, riscos sanitários, de toda ordem, além, também, da questão da segurança pública", apontou.
Em Santa Luzia, na Estrutural, as circunstâncias não são muito diferentes. Os barracos em alvenaria e em madeira praticamente invadem o espaço um do outro. Maria Domingas Viana, 54, mora na região há cinco anos e contou que não é mais novidade quando os barracos pegam fogo. "As casas são feitas de madeira e, nessa época da seca, até uma lâmpada acesa durante o dia faz o barraco pegar fogo, porque vai esquentando e depois a gente só vê a fumaça, isso aconteceu na casa da minha vizinha e todo mundo teve que se juntar para tentar apagar as chamas." Ela desabafou que alguns moradores têm consciência dos riscos, mas que outros não sabem e acabam colocando a vizinhança em risco.
Terezinha Pereira, 43, mora em Santa Luzia há 15 anos e compartilhou relatos semelhantes aos de Maria. "Os fios de energia sempre pegam fogo, é direto mesmo, e acaba que a gente fica muitos dias sem energia. Aqui também aconteceu de pessoas morrerem após incêndios em barracos. Nós vivemos na insegurança", relatou.
Para anular a possibilidade de tragédias causadas por incêndios originados por velas, por exemplo, é fundamental, segundo o CBMDF, adotar medidas de segurança rigorosas. "Primeiramente, deve-se promover a conscientização sobre os riscos associados ao uso de velas, especialmente em áreas com alta vulnerabilidade e em ambientes com infraestrutura inadequada, como foi o caso mencionado nessa ocorrência. Em áreas propensas a incêndios, como em ocupações e residências precárias, é aconselhável considerar alternativas mais seguras, como lanternas LED, que eliminam o risco de ignição."
O urbanista Benny Schvarsberg indicou que para evitar novos desastres é imprescindível que, junto ao mapeamento das áreas vulneráveis ocupadas de modo precário por populações de baixa renda, sejam implementadas políticas públicas integradas de prevenção de riscos com investimentos públicos em melhoria das condições de infraestrutura, serviços e equipamento urbanos, bem como apoio público a ações de melhoria das condições habitacionais, por exemplo, um Programa Permanente de Assistência Técnica para a Habitação de Interesse Social.
Vítimas
Sobre a tragédia que vitimou Ione da Conceição, 47 anos; Eulália Narim da Conceição Pereira, 5; Sophya Hellena Conceição Costa, 8; Marybella Marinho da Silva, 9; e Kethleen Vitoria da Conceição Silva, 14; em Arapoanga, Richard Valeriano Moreira, delegado-chefe da 16ª DP, informou, ao Correio, que a investigação está em processo de coleta de depoimentos e que aguarda o laudo de perícia local para determinar a causa do incêndio. "Existe uma possibilidade levantada por parentes de uma das vítimas que ela era devota e acendia uma vela toda segunda-feira." Nenhuma linha de investigação é descartada, mas segundo o delegado, não há nenhum elemento que ligue o fato a um ato criminoso.
Os corpos das cinco vítimas seguem no Instituto de Medicina Legal (IML) e não têm data para liberação. Devido ao estado de carbonização, algumas identificações são feitas por meio de comparação do material genético de DNA com familiares.
O administrador de Arapoanga, Sérgio de Araújo, disse à reportagem, logo após a tragédia, que a Defesa Civil está fazendo um levantamento do número de famílias e barracos que há no bairro Nossa Senhora de Fátima, para avaliar as possibilidades de regularização ou de assentamento desses moradores em um local mais apropriado.
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