Segurança Pública

Pesadelo do stalking: número de casos aumenta 43% no Distrito Federal

A perseguição pode demorar a ser percebida pela vítima. No Distrito Federal, no ano passado, a PCDF registrou, em média, sete ocorrências por dia. Um dos episódios mais recentes resultou em feminicídio

Stalker -  (crédito: Maurenilson Freire)
Stalker - (crédito: Maurenilson Freire)

O caso de feminicídio que vitimou a gerente de vendas Rosemeire Rosa Campos, 46 anos, no Gama, expõe um outro crime que, por vezes, é mascarado em situações de violência doméstica e com punição considerada pouco efetiva: o stalking. Pelo menos um mês antes de ser assassinada pelo ex-marido, Anderson Cerqueira, 45, a vítima era monitorada pelo acusado constantemente por meio de um sistema de e-mail, que permite a obtenção da localização quase que em tempo real.

No ano passado foram 2.758 registros, conforme a Polícia Civil(PCDF), uma média de sete casos diários e um aumento de 43,2% em relação a 2022. Naquele período, houve 1.925 registros, o equivalente à média de cinco por dia.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) informa que houve uma redução de 13% nos crimes de perseguição no DF no primeiro semestre de 2024 em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 1.348 ocorrências entre janeiro e junho, contra 1.550 casos durante o mesmo intervalo em 2023.

A pasta afirma que tem direcionado investimentos para a capacitação das forças de segurança, a melhoria dos equipamentos utilizados e a adoção de tecnologias avançadas para otimizar o trabalho policial e o fortalecimento dos processos de gestão. “Relatórios semanais são compartilhados com as forças de segurança, apontando as chamadas ‘manchas criminais’, em que é possível detectar dias, horários e locais de maior incidência de crimes, garantindo um policiamento efetivo”, destaca.

Prisões

Segundo a Polícia Civil, no que diz respeito às prisões, entre 2021 — ano em que o stalking se tornou crime — até maio de 2024, foram efetuadas 145 detenções. Dessas, 103 foram em decorrência de mandados preventivos deferidos pela Justiça, 39 flagrantes, duas temporárias e uma internação.

Diretora da Divisão Integrada de Atendimento à Mulher da PCDF, a delegada Karen Langkammer, explica que o stalking está associado à perseguição de forma reiterada e obsessiva, causando medo, perturbação, invasão de privacidade ou prejudicando a liberdade da vítima. O comportamento pode envolver o envio constante de mensagens, ligações e vigília de locais frequentados pela vítima, entre outras formas de contato indesejado.

Apesar do desconforto, do medo e dos traumas que o stalking pode acarretar, a vítima, muitas vezes, não consegue reconhecer o crime. “Justamente porque as ações começam de maneira sutil e se intensificam ao longo do tempo. Esse desconhecimento pode retardar a busca por ajuda e a tomada de medidas legais”, alerta a delegada.

Na avaliação da investigadora, o stalking pode ser um “delito meio” para a prática de um crime mais grave, pois a perseguição ocorre, geralmente, quando da não aceitação do término do relacionamento ou do sentimento de posse. Por isso, enfatiza a importância do registro da ocorrência como uma das garantias de segurança, o que pode ser feito em qualquer delegacia, de forma presencial, ou na Delegacia Eletrônica da PCDF.

“É importante tomar nota acerca dos locais, dias e horários em que a vítima se viu perseguida, bem como apontar, caso existam, testemunhas ou outros meios de prova, como filmagens, fotografias, registros de ligações ou mensagens, a fim de subsidiar e facilitar tanto o início da ação penal, quanto o deferimento de medidas de proteção”, detalha Karen Langkammer.

Alerta

Rosemeire entrou para a triste estatística de vítimas de feminicídio em 6 de agosto deste ano. Ela foi assassinada a facadas na sala de casa por Anderson, que tirou a própria vida em seguida. Apesar de não haver registros de boletim de ocorrência por violência contra o ex, Rosemeire vivia em um relacionamento conturbado, marcado por brigas, violência psicológica e perseguição, de acordo com familiares e conhecidos de Rosemeire. Anderson tinha acesso a cada passo da vítima por meio do aplicativo. Minutos antes do crime, ele a monitorou e descobriu que a mulher estava em casa.

Homem matou a ex e tirou a própria vida em seguida
Rosemeira foi morta pelo ex, que antes a perseguiu (foto: Redes sociais)

Na medida em que a lei com pouco mais de três anos vai ficando conhecida, a tendência é que as denúncias aumentem ,por tomarem conhecimento do que é esse crime. Mas como reconhecer o stalking? Quais são os modos, as penas e como denunciar? A Lei 14.132, de 31 demarço de 2021, inseriu o artigo 147-A no Código Penal, que descreve o crime de perseguição, também conhecido como stalking. O artigo é claro ao determinar como conduta ilícita o ato de seguir ou acompanhar uma pessoa, de maneira reiterada ou constante, com ameaças à sua integridade física ou psicológica, causando constrangimentos e intimidações que resultem em restrição ou perturbação de sua liberdade ou privacidade.

O advogado criminalista Adilson Valentim ressalta que, para existir o crime de stalking, é necessário haver o “seguir” ou “acompanhar” uma pessoa de maneira reiterada e constante ou causando constrangimento à intimidade que resulte em restrição ou perturbação de sua liberdade ou privacidade. “Quando falamos nesse crime, precisa haver reiterada conduta do vitimizador acompanhando ou perseguindo de maneira física, de maneira pessoal ou até mesmo pela internet. Ele faz isso com o intuito de ameaçar a integridade física ou psicológica da pessoa”, detalha.

Na pele

Ao Correio, a corretora de imóveis Lívia*, 40 anos, contou sua história e dos momentos de terror que passou ao ser perseguida por um cliente do trabalho.

» "Eu sou corretora de imóveis. Trabalho no ramo há 16 anos e nunca tive problema com cliente. Até o ano passado. Um homem me procurou no Instagram se dizendo interessado em um imóvel que eu estava divulgando. Marcamos para ele ver o apartamento em uma manhã de abril. Na primeira visita, tudo ocorreu normalmente. Ele ficou de fazer contato posteriormente, o que é absolutamente natural no ramo imobiliário. Passados alguns dias, percebi que ele começou a curtir os meus posts. O passo seguinte foi mandar mensagem elogiando minha atuação profissional. Respondi por educação, mas achei estranho. 

» Uma semana depois, ele pediu para ver o apartamento de novo. Nada de anormal até aí. É comum o cliente visitar o imóvel uma, duas, três vezes antes de fechar negócio ou desistir da compra. Quando cheguei ao local, ele estava com um buquê de rosas pra mim. Já fiquei em alerta e inventei que o morador não havia deixado a chave, portanto, não seria possível ele ver o imóvel. Também falei que um colega de trabalho assumiria a venda a partir daquela semana. Ele lamentou muito. Me convidou para jantar e recusei. Fiquei aflita até me livrar daquele homem. 

» Depois disso, ele passou a me ligar diversas vezes ao dia. Dizia que queria comprar o apartamento pelas minhas mãos. Implorava para eu pegar de volta o imóvel para negociarmos. Nos primeiros contatos, disse que não havia essa possibilidade. Ele não se conformava. Em um único dia, chegou a ligar 30 vezes. Bloqueei o número. Ele passou a mandar mensagens pela rede social. Também o bloqueei. Ele começou a me procurar no escritório da imobiliária. Duas semanas após viver aquele tormento, e com apoio da empresa em que trabalho, decidi prestar queixa na polícia. Ele foi chamado a depor. Negou a perseguição, mas entreguei todas as provas. Depois disso, nunca mais me procurou. Mas até hoje, fico com receio de atender clientes homens. Fiquei com trauma."

*Nome fictício, a pedido da fonte.

Tipos de stalking

Interpessoal

» Envolve ex-parceiros ou conhecidos que se recusam a aceitar o fim de uma relação ou uma rejeição.

Virtual (cyberstalking)

» Ocorre na internet, em redes sociais, e-mails, mensagens de texto e até realização de transferências tipo Pix.

Praticado por desconhecidos

» Quando a vítima é perseguida por alguém que ela não conhece, o que pode aumentar o nível de medo e de insegurança.

Fonte: delegada Karen Langkammer, diretora da Divisão Integrada de Atendimento à Mulher da PCDF

Número de ocorrências

2021: 1.514

2022: 1.925

2023: 2.758

» Informações de 2021 e 2022 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com dados atribuídos à PCDF. 

» Balanço de 2023 com dados da PCDF.

Onde denunciar

Presencialmente, em qualquer delegacia de polícia, ou na internet, por meio da Delegacia Eletrônica: pcdf.df.gov.br/servicos/delegacia-eletronica.

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 12/08/2024 06:00
x