O contexto de agravamento da crise climática causa apreensão em todo o planeta, que deve se preparar para eventos cada vez mais severos. No Distrito Federal, as mudanças também preocupam. Especialistas explicam ao Correio a importância das unidades de conservação, além de outras medidas, para mitigar os efeitos da ebulição global e proteger os mananciais.
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Além do papel central de conservação da biodiversidade, o doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), Christian Della Giustina, aponta que as unidades de conservação também têm efeito direto na sociedade, reduzindo os impactos do fenômeno chamado "ilhas de calor". "Áreas que são desprovidas de vegetação, cimentadas e asfaltadas que acabam aquecendo mais as temperaturas na superfície da terra. Essas unidades de conservação, que são áreas com muitas árvores, absorvem a radiação do sol, reduzindo a temperatura da cidade como um todo", explica.
Giustina lembra que o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) prevê áreas de proteção de mananciais, que, normalmente, são as cabeceiras dos rios, onde a Caesb faz a coleta de água para o abastecimento público. Essas áreas também atuam no sequestro de carbono da atmosfera e armazenado nas árvores e outros organismos.
Uma das principais preocupações no DF é em relação às chuvas, que causaram alagamentos em diferentes regiões na última estação chuvosa. A manutenção das áreas verdes é apontada pelo especialista como uma das principais medidas para evitar os estragos causados por inundações. "É preciso criar dispositivos para que a água da chuva não seja drenada de maneira concentrada, gerando alagamento e destruição. Em uma situação natural, como nas reservas, a chuva cai na árvore e goteja, o que reduz a energia da chuva, cuja parte vai se infiltrar no solo. A parte que vai escorrer pela superfície vai ser bem menor e com menor velocidade", detalha.
Com a impermeabilização do solo, a água, que seria infiltrada, passa a escorrer inteira pela superfície e chegar a áreas mais baixas, como a UnB, onde ocorre, com frequência, alagamentos, aponta Giustina. Já o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-UnB), Frederico Flósculo, avalia que os planejamentos urbanos no Brasil não consideram a saúde do solo. "Nenhum plano urbano brasileiro tem diagnóstico do que acontece debaixo das calçadas, das vias e dos edifícios", aponta. Como exemplo, cita a cidade de São Paulo, cujo planejamento urbano influencia as demais grandes cidades brasileiras e é caracterizado pelo soterramento de cursos d'água e concretagem de rios, como ocorre com o Tietê.
"No caso de Brasília, a expansão urbana é feita sem o menor diagnóstico com o que acontecerá no solo. Temos um problema de absoluta ignorância e omissão no momento que poderíamos fazer diagnósticos extremamente sofisticados e completos sobre esses impactos no solo e subsolo", analisa.
Flósculo também chama atenção para os danos causados pelas erosões, haja vista a fragilidade do solo do Planalto Central. O fenômeno pode ser agravado pela impermeabilização, com destaque para algumas regiões do DF, que devem ser prioridade da Defesa Civil. "As áreas mais frágeis estão ao longo de todo o perímetro norte do DF, de Ceilândia (às margens do Rio Descoberto) e às margens do Rio Preto, que, felizmente, não são urbanizadas, mas, que, no futuro, com a urbanização, vão causar episódios muito ruins de erosões e inundações", alerta.
Inundações
O Correio também perguntou aos especialistas sobre o episódio das inundações que causaram estragos a moradores da Vila Cauhy, na região do Núcleo Bandeirante, no início deste ano. "Essas ocupações irregulares, sem licenciamento, acabam por não dispor nem de áreas verdes, como é exigido no licenciamento ambiental, nem de dispositivos de drenagem para amortecimento de picos de chuva", observa Christian Della Giustina, que explica que a calha natural do Riacho Fundo não suporta o volume de água que chega rapidamente ao córrego, devido à impermeabilização da área. "Quanto mais perto do córrego, mais o morador estará sujeito à inundação. Sem a aplicação do que é previsto na legislação, cria-se um cenário 'perfeito' para tragédias acontecerem", complementa.
Frederico Flósculo aponta o assoreamento do Riacho Fundo causado pelas construções às margens do curso d'água, além de sublinhar a impermeabilização do solo no local. A redução do leito do córrego favorece os transbordamentos. "Há uma variedade de pontos na hidrografia urbana do DF que são fortes candidatos a repetir esse tipo de acidente, como em Vicente Pires, uma área urbana não planejada e fortemente impermeabilizada", destaca.
Drenagem
O Drenar DF promete solucionar o problema das enxurradas e dos alagamentos que ocorrem no início da Asa Norte. De acordo com o Governo do Distrito Federal (GDF), ao todo, são 7,68km de túneis, dos quais 6,7km já estão escavados. Dos 107 poços de visita previstos, 103 estão concluídos.
O GDF informou ao Correio que o método utilizado no projeto é tunnel liner, em que o acesso às galerias é feito por essas aberturas. Chapas de aço corrugados sustentam o túnel aberto a cada 46 centímetros de solo escavado. Cerca de 4,9km foram concretados — o interior dos túneis é revestido com uma camada de concreto de 10 cm de espessura para facilitar o escoamento da água e adicionar mais uma camada de proteção para os anéis de aço.
A galeria de drenagem pluvial é complementar ao sistema já existente e começa nas imediações do Estádio Mané Garrincha, e descerá para a via L4 Norte, e depois ao Lago Paranoá. A nova galeria, em construção, passa paralela às quadras 902 (perto do Colégio Militar), 702, 302, 102, 202 e 402, cruzando a W3 Norte e o Eixo Rodoviário Norte (Eixão), além da via L2 Norte, chegando à L4 Norte, próximo ao Setor de Embaixadas Norte.
A construção é quase totalmente invisível a quem está na superfície da terra, que só consegue ver os poços de visita. A profundidade da tubulação varia de seis a 22 metros. O investimento é de mais de R$ 180 milhões da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap). A estimativa de conclusão das obras é para este semestre. O GDF não informou se há previsão de obras semelhantes em outras regiões do Distrito Federal, além de Vicente Pires.
Encontro de bacias
» Na próxima segunda-feira (12/8), a Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESECAE) completa 56 anos de existência, como símbolo da importância de preservação das águas e da biodiversidade do Cerrado. Dentro de seu território de 10,5 mil hectares, uma vereda conecta as nascentes de duas importantes hidrográficas da América do Sul, a Tocantins/Araguaia e a Platina, o que dá o nome à unidade de conservação (UC). A unidade de conservação é localizada a 50km do centro de Brasília.
» Em 2018, a ESECAE tornou-se o sexto lugar do mundo e o primeiro da América Latina a receber o Escudo de Água e Patrimônio do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos-Holanda).
» "A fauna vertebrada da estação ecológica tem sido estudada com mais intensidade a partir do início da década de 1980 até o presente, sendo considerada uma das unidades de conservação existentes no Bioma Cerrado mais bem conhecida. Foram identificadas cerca de 27 espécies de anfíbios, 53 espécies de répteis, 307 espécies de aves e 67, de mamíferos", conta Rôney Nemer, presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), responsável pela (UC).
» Nemer assinala que o Distrito Federal é apontado como área de prioridade extremamente alta para conservação do Cerrado, haja vista a alta pressão causada pela transformação de zonas rurais em urbanas. "É premente o estabelecimento de outras áreas protegidas adjacentes à estação ou mesmo à implantação de corredores de biodiversidade com a implantação de atividades econômicas sustentáveis, inclusive com o aproveitamento de espécies nativas, evitando a transformação de áreas rurais em urbanas", destaca.
» A Estação Ecológica de Águas Emendadas não é aberta à visitação do público, mas é campo de estudo para pesquisadores interessados na biodiversidade encontrada no território.
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