Batalhadora, empenhada e uma profissional exemplar. Quem conheceu de perto a atriz e produtora Mallú Moraes, morta ontem, aos 78 anos, não economiza predicados. "Mallú foi extremamente atuante na vida cultural da cidade. Foi minha companheira nas sessões de incontáveis festivais de cinema, quando sentávamos, lado a lado, discutindo os filmes. Junto com o cineasta Geraldo Moraes (morto em 2017), ela participou de filmes, e com esse companheiro criou os filhos, o Bruno Torres e o André Moraes, extraordinários", comentou o professor aposentado do Instituto de Artes João Antônio.
Praticamente cinco anos depois de diagnosticada com Alzheimer, Mallú morreu, por sepse (infecção generalizada), depois de fraturar o fêmur, enfrentar recentes quadros de anemia e pneumonia, e totalizar quase duas semanas de hospitalização. "Do legado, fico, como filho, com uma carga de energia monumental. Trago o zelo pela ancestralidade e a questão do cordão umbilical, que é algo bastante forte. Estive colado na realidade da minha mãe que, por vezes, não me reconhecia, mas, na maior parte, estava presente e muito consciente", comentou o filho Bruno Fatumbi Torres, cineasta e ator. Para Bruno, Mallú auxiliou na produção de títulos como O último raio de sol (2004), A noite por testemunha (2009) e A espera de Liz (2022). A família comunicou que o sepultamento será nesta sexta-feira (8/8) à tarde no Cemitério Campo da Esperança da Asa Sul, mas não informou o horário até o fechamento desta edição.
Goiana de nascença, Mallú cristalizou a carreira nas artes, em Brasília. Bem antes de participar da fundação da Associação de Produtores de Longa-Metragem em Brasília (Aprocine), Mallú foi intensa colaboradora do antigo marido, Geraldo Moraes, de quem se separou em 2009. Em O círculo de fogo (1990), se desdobrou na cenografia, na criação dos figurinos e na atuação. Quase uma década depois, como produtora executiva do longa No coração dos deuses, ela chegou a panfletar, em frente às salas de cinema, em favor dos produtos do audiovisual nacional, em contraponto aos filmes de Hollywood.
Professora da Universidade de Brasília (UnB) Mallú se provou "uma grande amiga, uma colega incansável e ainda uma recorrente companheira de sets de filmagens", como destaca o ator João Antônio, amigo por mais de meio século. "Ela já era professora, comunicativa e cativante, quando a conheci nos anos 1980. Fizemos o longa A difícil viagem (1981), do Geraldo. Ela era sempre uma luz. Mallú foi professora do Departamento de comunicação, e participava dos conselhos formulados na universidade. Sempre intensa nas discussões de grandes temas importantes, ela ainda era uma cantora muito interessante: tinha uma voz agradável e gostosa de ouvir. Mallú foi uma energia vital e bonita para todos que a conheceram", resume.
Na música, em 1974, com Clodo e Climério Ferreira, Mallú emprestou a voz para o compacto Chope no escuro. Seis anos depois, num LP, reuniu criações do trio piauiense Clodo, Climério e Clésio, junto com músicas como Perversa (de João Bosco e Aldir Blanc). "A experiência como cantora não foi tão projetada —, o cinema chamou-a muito mais para ele", avalia o amigo de mais de cinco décadas, o mestre Vladimir Carvalho. Batalhas como a criação do Polo de Cinema de Brasília, e a coordenação, em meados dos anos de 1980, do livro Perspectivas estéticas do Cinema Brasileiro pontuaram com esperança o caminho da sétima arte verde-amarela.
Vladimir Carvalho, eterno professor da UnB, testemunhou, numa "amizade perpétua", a luta de Mallú e Geraldo pelo cinema brasileiro. "A partida dela deixa uma lacuna na história exemplar de uma batalhadora. Como professora, era interessante, e aperfeiçoou, em particular, a turma de publicidade. Com o Geraldo, ela formou uma espécie de dupla pela capacidade dela de estabelecer contatos. Eles marcaram época e entraram para a história. Mallú deu muito apoio às criações do Geraldo", comenta Vladimir. A comunhão artística incluiu o filme O homem mau dorme bem (2009).
O estímulo à produção local, efetivado em ações do Centro de Produção Cultural e Educativa (UnB), foi somado a iniciativas como a recorrente participação em festivais. A organização do Cine PE, por exemplo, emitiu nota de pesar, dados os 28 anos de contribuições de Mallú ao evento. Com regularidade, ela conduziu oficinas, tomou parte do júri e ainda esteve na competição de filmes. Na carreira, Mallú teve pontos altos, como as participações em Césio 137 — O pesadelo de Goiânia (de Roberto Pires), Senhoras (de Adriana Vasconcelos) e os curtas Doce de goiabada (de Fernanda Rocha) e Angélica Acorrentada (de Anna Karina de Carvalho).
"Conheci a Mallú a todo vapor, muito ativa, sempre como produtora de cinema e sendo atriz. Ela abraçava os projetos, desde o início, e acompanhava a distribuição. Ia até mesmo atrás de público", comenta a cineasta Cibele Amaral. Da diretora, Enciclopédia do inusitado e do irracional (2007) rendeu prêmio para Mallú, no Curta Canoa (Ceará).
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